Das Nulidades (Arts. 563 a 573)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas613-645
613
Tratado Doutrinário de processo Penal
Arts. 563 a 573
1. Noções didáticas sobre a matéria
1.1. Conceito
Nulidade é a inobservância de fórmulas legais
capazes de tornar sem e cácia um ou mais atos pro-
cessuais, o processo ou a relação jurídico-processual.
Nulidade, em geral, de ne João Monteiro (Teoria
do Processo Civil e Comercial, vol. l, § 69), “é o vício
ou defeito que torna ine caz em Direito qualquer ato
ou convenção”.
RESUMO PRÁTICO
Nulidade é o vício que impede um ato de ter exis-
tência legal e produzir efeitos.
1.2. O ato nulo versus o ato inexistente
Na doutrina dominante, há a seguinte distinção:
o ato inexistente é aquele que, por ser desprovido
de qualquer signi cado jurídico, não precisa ser
declarado judicialmente nulo, basta apenas que o
Juiz o desconsidere.
EXEMPLO PRÁTICO
O exemplo seria uma sentença proferida por um
Advogado ou por um Promotor de Justiça; é um ato
tão absurdo que não precisa ser declarado judicial-
mente inexistente.
Explicam Ada Pellegrini, Antônio Scarance e
Antônio Magalhães1409 que são atos processuais
inexistentes aqueles aos quais falta, de forma ab-
soluta, algum dos elementos exigidos pela lei; neles,
o vício é de tal gravidade que sequer seria possível
considerá-los como atos processuais; são, na verda-
de, não atos, os quais não se cogita de invalidação,
1409 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Sca-
rance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades
no processo penal. 8a ed. RT, 2004, p. 22.
pois a inexistência constitui um problema que ante-
cede a qualquer consideração sobre a validade.
Ao contrário, o ato nulo precisa ser declarado
judicialmente nulo. O exemplo seria uma sentença
proferida por um Juiz, mas sem nenhuma funda-
mentação; o ato é nulo, mas precisa ser declarado
judicialmente.
INDAGAÇÃO PRÁTICA I
Veja essa questão retirada do contexto foren-
se prático: Qual a solução jurídica no caso de um
réu ser absolvido com uma sentença prolatada por
um Juiz que não estava investido de jurisdição?
Resposta. A sentença prolatada por um Juiz que
não estava investido de jurisdição é um ato inexis-
tente, e os atos jurídicos inexistentes não são aco-
bertados pela coisa julgada. Portanto, é plenamente
possível a instauração de um novo processo.
INDAGAÇÃO PRÁTICA II
Veja essa questão retirada do contexto fo-
rense prático: Ato jurídico inexistente gera coisa
julgada?
1.3. O ato nulo versus o ato irregular
Leciona Walter P. Acosta,1410 citando Galdino
Siqueira e Faustin Hêlie, que da preterição dos
requisitos ou cautelas da forma forense, isto é, da
preterição das formalidades processuais pode re-
sultar nulidade, se há inobservância de formalidade
solene substancial, destinada a exprimir a intenção
dos agentes, bem como a garantir interesses de or-
dem pública; ou irregularidade de forma, quando
a formalidade preterida é acidental ou não solene,
1410 No mesmo sentido: ACOSTA, Walter P. O processo penal.
Coleção Jurídica da Editora do Autor.
Capítulo 23
Das Nulidades (Arts. 563 a 573)
Tratado Doutrinário de Processo Penal [17x24] [BRUNO].indd 613 08/02/2018 14:26:35
614
615
Francisco Dirceu Barros
Arts. 563 a 573
destinada a exprimir melhor a intenção dos agen-
tes ou a maior regularidade na confecção do ato, a
distinção fundamental que, com referência ao Có-
digo de Instrução Criminal da França, faz Faustin
Hêlie, entre formalidades principaise formalidades
secundárias.
RESUMO PRÁTICO
Em síntese didática, podemos dizer que o ato ir-
regular é aquele que possui um defeito, mas produz
ecácia jurídica.
EXEMPLO PRÁTICO
Exemplos jurisprudenciais que constituem meras
irregularidades:
a) a falta de compromisso das testemunhas (TJSP
74/97);
b) o compromisso indevido (RT 489/380);
c) a quebra da regra da incomunicabilidade das tes-
temunhas (RF 279/346; RT 565/364);
d) a inversão na ordem de reperguntas (TJSP
52/292);
e) em processos de Júri, a indagação feita por
meio do Juiz e não diretamente pela parte (RT
446/463);
f) uma denúncia prolatada fora do prazo (381/61).
Ensinam Ada Pellegrini, Antônio Scarance e
Antônio Magalhães1411 que existem situações em
que o desacordo com o modelo legal é mínimo, não
chegando a descaracterizar o ato; tem-se aí a mera
irregularidade, que não afeta a validade do ato pro-
cessual, porque a forma, como já dissemos, não é
um m em si mesma. O CPP também acolhe essa
categoria ao prever, no art. 564, IV, a nulidade “por
omissão de formalidade que constitua elemento
essencial ao ato”; assim, o legislador admite que a
omissão de formalidades não essenciais, não acar-
reta consequências, em relação à validade do ato;
pode ocorrer, em alguns casos, que o ato irregular
seja considerado ecaz, recaindo a sanção pela ir-
regularidade no responsável pela mesma; é o que
sucede, por exemplo, com o oferecimento de uma
denúncia fora do prazo legal: o ato é válido, mas o
promotor poderá estar sujeito a uma penalidade no
âmbito administrativo pelo atraso.
1411 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Sca-
rance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades
no processo penal. 8a ed. RT, 2004, p. 23.
1.4. O ato anulável versus o ato nulo
O ato anulável será, portanto, aquele que pode
ser convalidado se o Magistrado não o declarar nulo
por iniciativa da parte. Está-se tratando, pois, ao
falar-se de “ato anulável”, de nulidade relativa.
Sobre a convalidação dos atos, cumpre registrar
as precisas lições do mestre Nestor Távora. Segun-
do ele, a convalidação está ligada aos princípios da
economia processual, da razoável duração do pro-
cesso e da conservação dos atos processuais.
Nessa esteira, o art. 568, CPP, assegura que “a
nulidade por ilegitimidade do representante da parte
poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratica-
ção dos atos processuais” e o art. 569, CPP, averba
que as omissões da denúncia, da queixa ou da re-
presentação são supríveis a todo tempo, antes da
sentença nal. A aplicação desse artigo, contudo,
não pode descurar das garantias processuais do
acusado relativas à ciência da imputação formulada
claramente.1412
E complementa armando que
Este princípio aplica-se às nulidades relativas,
mas não às absolutas, em que o vício não é passível
de convalidação.1413
Merece cautela, nesse ponto, o posicionamento
dos Tribunais Superiores, sobretudo STF, em razão
de armar a necessidade de demonstração de pre-
juízo para qualquer forma de nulidade, seja absoluta
ou relativa. Desse modo, para essas Cortes, não
demonstrado o prejuízo seria possível a convalida-
ção de atos nulos, o que vai de encontro à doutrina
amplamente majoritária.
Ato nulo, ao contrário, gera nulidade absoluta,
que não encontra convalidação, salvo exceção na
lei, e o vício não pode ser corrigido pelo Juiz, restando-lhe,
apenas, decretar a nulidade do ato.
Dessa forma, em casos de incompetência abso-
luta, não se mostra possível a aplicação do princípio
da convalidação, sobretudo em razão de provir de
órgãos que não possuem legitimação para a emana-
ção de qualquer opinião sobre a matéria.
1412 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso
de Direito Processual Penal. 8. ed. Salvador: Juspodivm,
2013. p. 1096
1413 TÁVORA, Nestor; ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Pro-
cesso Penal para Concursos. 6. ed. Salvador: Juspodivm,
2015. p. 646.
Tratado Doutrinário de Processo Penal [17x24] [BRUNO].indd 614 08/02/2018 14:26:35
615
Tratado Doutrinário de processo Penal
Arts. 563 a 573
Nesse sentido, em lição esclarecedora sobre o
tema, alerta Eugênio Pacelli que:
Quando o vício referir-se à incompetência absoluta,
não se poderá, em princípio, falar-se em raticação de
quaisquer atos processuais, ainda que não decisórios,
tratando-se, na verdade, de processo nulo desde o
início. Reconhecida a incompetência absoluta do Ju-
ízo, os autos deverão ser encaminhados ao Ministério
Público ociante perante o Juiz competente, para total
reformulação da opinio delicti. O novo Juiz não pode-
ria, jamais, raticar automaticamente o recebimento da
denúncia, oferecida por órgão ministerial não legitima-
do, isto é, sem atribuições constitucionais para a causa
(STF – HC nº 77.024/SC; HC nº 68.269/DF).1414
RESUMO PRÁTICO
Em síntese didática podemos armar que, como
modalidades das aludidas violações, existem nulida-
des insanáveis, nulidades sanáveis e simples irregu-
laridades, da seguinte maneira:
1a) a nulidade propriamente dita, que se dá quan-
do não é atingida a nalidade da Lei ou ocorrer
prejuízo real ou concreto para alguma das partes
interessadas, ou para a Justiça;
2a) a anulabilidade, que ocorre quando se pode afas-
tar o prejuízo à parte ou à Justiça, mediante o
suprimento da falta ocorrida no ato judicial ou no
processo, ou mediante a repetição do ato, sua
reticação ou raticação;
3a) a simples irregularidade, que consiste apenas na
violação de forma auxiliar, e não em violação de
fundo do texto legal; de sorte que a falta ou o defeito
não impede a consecução da nalidade da Lei, não
causa prejuízo, nem à parte, nem à Justiça.
2. Ocasião para arguição de nulidades
Em princípio, havendo nulidade, a parte interes-
sada deve argui-la na primeira ocasião em que se
manifestar no processo, após o ato que a prejudica,
demonstrando não aceitar o ato viciado. Não obs-
tante, o Código xa o momento oportuno ou a fase
limítrofe para que as nulidades relativas sejam argui-
das, sob pena de preclusão e, consequentemente,
de serem elas consideradas sanadas.1415
1414 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 19. ed. São
Paulo: Atlas. 2015. p. 920.
1415 No mesmo sentido: JCAT 76/511 e também MIRABETE,
Júlio Fabbrini. Processo Penal. Atlas, 2a ed., 1993, p. 575.
3. Motivos determinantes das nulidades
São dois os motivos que justicam as nulidades:
a) necessidade de se xar garantias para as partes
no processo;
b) necessidade de celebrar um processo apto a
conduzir uma autêntica atuação do Direito, se-
guindo a verdade dos fatos.
4. O sistema legal das nulidades
Destacava o professor Mirabete1416 que há,
basicamente, dois sistemas doutrinários para a
xação do critério de apreciação das nulidades. Pelo
sistema formalista, da legalidade das formas ou da
indeclinabilidade das formas (forma data esse rei: a
forma dá existência à coisa), toda violação às prescrições
legais acarreta a inviabilidade dos atos processuais,
prevalecendo o meio sobre o m. Pelo sistema da
instrumentalidade das formas, ou sistema teleológico, da
prevalência do fundo sobre a forma, o ato processual é
válido se atingiu seu objetivo, ainda que realizado sem
obediência à forma legal. O Código de Processo Penal
cou em um meio termo entre os sistemas formalista
e o da instrumentalidade das normas, procurando
ser restritivo em matéria de nulidades ao afastar um
formalismo excessivo, como aliás se observa da
Exposição de Motivos (itens II e XVII).
5. Sistemas de aferição das nulidades
Paulo Sérgio Leite Fernandes e Geórgia Bajer
Fernandes lecionam que “as formalidades, certa-
mente, são regras de procedimento. Na vida co-
mum existem também tais normas, acompanhadas
de sanções”1417. Buscando conhecimento no direito
comparado, os mencionados autores concluíram
pela existência de dois sistemas de nulidades, sen-
do um genérico e outro rígido.
O sistema genérico confere fórmulas abertas ao
aplicador do Direito, de modo que este possui certa
liberdade de atuação quanto à conclusão pela ocor-
rência, ou não, de eventual prejuízo. Nesse sentido,
havendo lacuna legal, haverá margem para a sua
gradação quanto aos efeitos da nulidade pelo julgador.
1416 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado.
Atlas, 10a ed. 2002, p. 1.379.
1417 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite; FERNANDES, Geórgia
Bajer. Nulidades no Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Ma-
lheiros Editores, 2002. p. 17.
Tratado Doutrinário de Processo Penal [17x24] [BRUNO].indd 615 08/02/2018 14:26:36

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT