Das Nulidades Eleitorais

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas343-355

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1 Noções

Aprovado em 1965, quando o direito processual ainda era incipiente a ponto de visto até mesmo como simples direito adjetivo, em contraposição ao direito material, tratado como direito substantivo, o Código Eleitoral não disciplinou com nitidez os problemas decorrentes das nulidades, sequer se preocupando em distingui-las das anulabilidades, aliás, como também é falho o Código de Processo Civil, a despeito de mais moderno, que assim dispõe:

Art. 243 Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.

Art. 244 Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Art. 245 A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

Parágrafo único. Não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento.

Como as consequências são distintas, deve ser considerado caso de nulidade aquele insuscetível de convalidação, reservando-se a anulabilidade para os demais. Por outros termos, a nulidade constitui vício absoluto e insanável, enquanto a anulabilidade comporta medida corretiva, podendo-se afirmar que o ato anulável é convalidável. Essa resposta também pode ser dada no campo eleitoral, com as necessárias adaptações em razão de sua especialidade, começando pelo art. 219 do Código Eleitoral, que adota o princípio da instrumentalidade das formas, como o art. 244 do Código de Processo Civil, considerando válido o ato que, a despeito de realizado de outro modo, tenha alcançado a finalidade.

Ademais, não se repete ato, nem se faz necessário suprir sua falta, quando – do defeito, ou falta – não resultar prejuízo (art. 249, § 1º) ou for possível decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a nulidade (art. 249, § 2º). Esses dispositivos do Código de Processo Civil se expressam em francês pela locução pas de nullité sans grief, ou, simplesmente, não se declara nulidade sem demonstração de prejuízo. Por outro lado, enquanto o art. 220 do Código Eleitoral reputa nula a votação, os arts. 221 e 222 a consideram anulável, embora as causas sejam diferentes, assim como, logicamente, as consequências, a ponto de a segunda poder levar à necessidade de se realizar outra eleição, desde que o vício contamine mais da metade da anulada, conforme dispõe o art. 224:

Art. 224 Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

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Logo, impõe-se distinguir as hipóteses causadoras da anulação do voto ou da votação, entre as previstas no Código Eleitoral, a saber:

Art. 220 É nula a votação:
I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;

II - quando efetuada em folhas de votação falsas;

III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;

IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.

V - quando a Seção Eleitoral tiver ido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.

Parágrafo único. A nulidade será pronunciada quando o órgão apurador conhecer do ato ou dos seus efeitos e o encontrar provada, não lhe sendo lícito supri-la, ainda que haja consenso das partes.

Art. 221 É anulável a votação:
I - quando houver extravio de documento reputado essencial;

II - quando fôr negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no momento;

III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º:
a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido;
b) eleitor de outra Seção, salvo a hipótese do Art. 145;
c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.

Art. 222 É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágio vedado por lei.

O art. 223, por sua vez, sem se preocupar com a terminologia, usa simplesmente o termo “nulidade”, que tanto abrange os atos anuláveis como os nulos propriamente ditos, assim constando:

Art. 223 A nulidade de qualquer ato, não decretada de ofício pela Junta, só poderá ser arguida quando de sua prática, não mais podendo ser alegada, salvo se a arguição se basear em motivo superveniente ou de ordem constitucional.
§ 1º Se a nulidade ocorrer em fase na qual não possa ser alegada no ato, poderá ser arguida na primeira oportunidade que para tanto se apresente.
§ 2º Se se basear em motivo superveniente deverá ser alegada imediatamente, assim que se tornar conhecida, podendo as razões do recurso ser aditadas no prazo de 2 (dois) dias. § 3º A nulidade de qualquer ato, baseada em motivo de ordem constitucional, não poderá ser conhecida em recurso interposto fora de prazo. Perdido o prazo numa fase própria, só em outra que se apresentar poderá ser arguida.

Por fim, o art. 224 também se refere à nulidade, ao determinar o cancelamento da eleição e a realização de outra quando atingir mais da metade dos votos da circunscrição, o que também poderia decorrer de anulabilidade329.

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2 Invalidade da votação e invalidade do voto

Merece destaque a distinção entre defeitos que atingem a votação em si, no seu todo, ou determinados votos em particular. O moderno sistema eleitoral brasileiro, que adota urna eletrônica em lugar das tradicionais cédulas de papel e urna de lona, praticamente eliminou as chances de nulidade da votação nas hipóteses ventiladas no art. 220 do Código Eleitoral330, podendo ocorrer, quando muito, a da parte final do inciso III e as dos incisos IV e V, que também remetem ao art. 135, §§ 4º e 5º.

Essas causas são as seguintes: a) encerramento da eleição antes do horário legalmente previsto; b) supressão de alguma formalidade essencial para garantir o sigilo do sufrágio; c) instalação de Seção Eleitoral em imóvel pertencente a candidato, membro do diretório de partido, delegado de partido ou autoridade policial, ou a seus cônjuges e parentes consanguíneos ou afins até o 2º grau; d) instalação de Seção Eleitoral em imóvel, mesmo nele havendo prédio público.

Nesses casos, cabe ao órgão apurador declarar a nulidade assim que dela conhecer, não lhe sendo lícito supri-la, nem mesmo mediante consenso dos interessados ou anuência do Ministério Público. Logicamente, o encerramento da votação antes das 17h00, horário legalmente previsto, não deverá ser invocado como causa de nulidade se, a despeito da antecipação, todos os eleitores da Seção houverem votado. Ao contrário, as demais hipóteses – supressão de formalidade essencial para garantir o sigilo do sufrágio e instalação de Seção Eleitoral em local proibido – são causas absolutas, cuja nulidade não admite convalidação, devendo o juiz eleitoral declarar nula toda a votação nela realizada.

Por seu turno, os incisos I e II do art. 221 contemplam hipóteses que alcançam toda a votação331, enquanto o inciso III se restringe a determinados votos332. O extravio de documento reputado essencial para o processo eleitoral leva à nulidade de toda a votação (inciso I), assim como a negação ou restrição do direito dos partidos a fiscalizarem, desde

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que, neste caso, o fato seja impugnado de imediato e conste de ata (inciso II). As hipóteses do inciso III não alcançam toda a votação, senão apenas certos e determinados eleitores, embora todas sejam de difícil ou impossível ocorrência pelo sistema alistamento eleitoral eletrônico e votação por urna também eletrônica.

Anula-se, portanto, o voto do eleitor, mas não a votação por inteiro quando admitido a votar: a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido; b) eleitor de outra Seção; c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.

Alcança, por fim, toda a eleição, não se limitando ao voto de certos eleitores, a votação contaminada por falsidade, fraude ou coação, assim como resultante de abuso de poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, ou, ainda, de propaganda ou captação ilícita de sufrágio, conforme dispõe o art. 222 do Código Eleitoral, sem prejuízo de outras hipóteses previstas em lei, como os arts. 41-A e 73 da Lei das Eleições.

3 Alienação eleitoral
3. 1 Noções

Expressão não muito comum, nem prevista em lei, o significado de alienação eleitoral tem dividido os autores, como Wanderley dos Santos333, para quem compreende tanto os votos em branco e os nulos, como as abstenções, assim considerado o número de eleitores que, a despeito de constantes do cadastro da Justiça Eleitoral, deixam de comparecer para votar, ou anular o voto. Por sua vez, Olavo Brasil334não inclui a abstenção no conceito de alienação eleitoral, restringindo-a aos votos nulos e votos em branco, por considerar diversas as motivações, assim afirmando, ao divergir da primeira corrente:

O argumento revela-se, no texto citado, bastante persuasivo. Pode-se objetar, no entanto, que a interpretação do comportamento eleitoral alienado, na medida em que agrega manifestações eleitorais diferentes, esteja...

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