Um balanço das políticas de mercado de trabalho no Brasil: onde estamos no cenário internacional?

AutorJosé Paulo Zeetano Chahad
Ocupação do AutorProfessor Titular da FEA-USP e Pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)
Páginas93-123

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I Introdução

O Brasil adentra a segunda década do século XXI numa situação paradoxal no mercado de trabalho. Por um lado, o emprego formal tem aumentado e a informalidade se reduzido; o desemprego aberto encontra-se em nível baixo em relação ao seu padrão histórico; o salário real tem crescido; a distribuição de renda na população mais carente tem melhorado; e a qualidade dos empregos tem crescido. Enfim, são inúmeros os aspectos positivos que têm se transformado numa melhoria do bem-estar da população brasileira.

Por outro lado, as instituições voltadas para o mercado de trabalho revelam atraso, ou não são suficientemente desenvolvidas para enfrentar os desafios do desenvolvimento económico de um país num contexto de rápidas e profundas transformações trazidas pela globalização. Sob a ótica das relações de emprego,

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temos uma legislação trabalhista que já prestou bons serviços, mas que hoje se revela ultrapassada. Sua vigência de quase 70 anos de existência, sem nunca passar por grandes modificações de fundo, impede uma flexibilidade maior das relações de trabalho, e deixa de conferir primazia para as negociações coletivas entre as partes interessadas, um imperativo das modernas relações de trabalho.1

Em relação à proteção social aos trabalhadores, as instituições apresentam--se, também, muito incipientes, e pouco desenvolvidas no que diz respeito ao funcionamento do mercado de trabalho. Embora o país já disponha de instrumentos semelhantes aos utilizados no cenário internacional, eles atuam abaixo do seu potencial e raramente atingem os objetivos a que se destinam.

Como exemplo temos o Sistema Nacional de Emprego (SINE), cujo funcionamento é precário. Suas instalações não são suficientes e os recursos humanos disponíveis são de baixa qualidade. Outro exemplo é a falta de identidade dos programas de formação e treinamento profissional, o que leva a dispêndio de recursos públicos com baixo retorno produtivo e social. Temos ainda o programa de seguro-desemprego cuja forma de pagamento o transforma numa "indenização compulsória", dado que o desempregado não se submete a ações de reemprego. Outros exemplos mais poderiam mostrar a ineficiência e ineficácia dessas políticas.

Este texto procura mostrar o quadro atual das políticas brasileiras voltadas para o mercado de trabalho.2 Em particular, vamos apresentar e analisar as chamadas políticas ativas (PAMT) e passivas (PPMT) no mercado de trabalho, tendo como pano de fundo sua existência e como elas operam no panorama internacional, admitindo que este cenário represente as boas práticas em termos destas políticas e também a possiblidade de implementá-las no Brasil.

Visando atingir seus objetivos, este texto foi estruturado da seguinte forma: a seção 2 aborda as políticas de mercado de trabalho no cenário internacional, destacando sua tipologia, principais estatísticas e tendências atuais; a seção 3 contempla o estágio atual das políticas de mercado de trabalho no Brasil, enfatizando seu surgimento histórico e dimensão atual, e faz uma avaliação sucinta delas; a seção 4 contempla uma comparação das PAMT e PPMT brasileiras com aquelas praticadas no resto do mundo; e a seção 5 traz as perspectivas para o Brasil, em termos de melhorias nas políticas voltadas para o mercado de trabalho.

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2. As políticas de mercado de trabalho no cenário internacional

Este balanço das políticas de mercado de trabalho no Brasil pode ser abordado por duas óticas. A primeira diz respeito à sua própria evolução histórica, sua estrutura, suas estatísticas, sua avaliação e suas perspectivas. A outra diz respeito ao seu alcance e suas limitações quando se compara com o funcionamento dessas políticas no cenário internacional. Esta comparação se impõe para sabermos a real dimensão do sistema de proteção social ao trabalhador brasileiro por meio desse tipo de ação governamental, e quais são as lições a serem aprendidas.

2.1. Conceituação e tipologia

As PAMT e as PPMT são bastante disseminadas no panorama internacional não havendo muita discordância com relação ao que se referem. As ações ativas compreendem um amplo conjunto de políticas e programas destinados a melhorar o acesso do desempregado ao mercado de trabalho, às ocupações oferecidas e ao desenvolvimento de habilidades a elas relacionadas, assim como subsídios ao emprego. Também são considerados como políticas ativas o treinamento profissional e geração de dados e informações visando à tomada de decisões de políticas no mercado de trabalho.

As medidas passivas abrangem os gastos com benefícios aos desempregados, em especial o programa de seguro-desemprego (SD), e os programas de antecipação da aposentadoria do trabalhador. Outras ações como postergação da entrada do jovem no mercado de trabalho, via maior permanência na escola, ou mesmo o retorno completo do indivíduo aos bancos escolares são, também, consideradas políticas passivas.3

Historicamente as ações passivas precederam as ativas. A primeira experiência mundial foi em 1911 quando a Inglaterra implantou o primeiro programa de SD visando enfrentar o desemprego estrutural que surgiu com a consolidação do processo de industrialização. As PAMT são mais recentes e ganharam notoriedade nos anos sessenta, no âmbito da Organização para Cooperação Económica e Desenvolvimento (OECD), tendo recebido crescente atenção nas décadas seguintes quando, graças a um Welfare State muito amplo, o problema do desemprego intensificou-se, principalmente no continente europeu. Sua consagração como instrumento para combater a persistência do desemprego veio

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em 1994 com o relatório OECD Jobs Study (1994), no qual um amplo conjunto de ações foi proposto para tentar resolver a questão.4

Tanto as PAMT quanto as PPMT tendem a diferir entre países, mas existe um conjunto mínimo de políticas no cenário internacional, especialmente no âmbito da OECD, que é comum a todos. Elas estão listadas no Quadro 1. Além de servir de base para os comentários abaixo, este quadro será útil para aferir a aderência das políticas brasileiras ao cenário internacional.

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Embora não haja qualquer hierarquia entre elas, algumas se destacam pela sua importância. Entre as PAMT temos os Serviços de Emprego (ou Serviços Públicos de Emprego — SPE), pelo papel que exercem na organização e equilíbrio do mercado de trabalho; e os programas de treinamento profissional, que têm assumido crescente importância por causa da rápida obsolescência que a globalização tem imposto à força de trabalho. Entre as PPMT, a de maior destaque, apesar de vícios e armadilhas, é o programa de SD, seja pelo seu fascínio natural ou porque contempla um lado ético do capitalismo.

Experiências internacionais revelam que as oportunidades de sucesso, o alcance e as limitações das políticas ativas e passivas dependem de diversos fatores, incluindo as características da economia do país, as peculiaridades do mercado de trabalho local, e os aspectos institucionais e trabalhistas. As ações ativas não devem ser adotadas isoladamente, mas devem ser integradas ao SD. Além disso, as evidências recentes com as PAMT destacam dois aspectos pelos quais são importantes para a adequação do mercado de trabalho do país aos impactos decorrentes da globalização e da flexibilizaçao do mercado de trabalho (AUER; EFENDIGLU; LESCHKE 2005):

(a) quanto maior o grau de abertura da economia, maiores os gastos com as PAMT, uma vez que esse processo torna o mercado de trabalho menos seguro, exigindo maior ação do setor público contra os riscos da globalização; e

(b) quanto maiores os gastos com PAMT, maiores são os segmentos da força de trabalho que se sentem seguros perante as possibilidades de manterem seus empregos.

A observação do estágio atual das PAMT em diversas reuniões do mundo indica um aumento de sua utilização, mas diferindo muito na importância atribuída a cada política. Na África, com enorme setor informal, o apoio na forma de microcrédito aos trabalhadores autónomos e pequenos empreendimentos tem sido de vital importância, assim como a criação de emprego direto pelo setor público.

Na América Latina, além dessas políticas, os programas de treinamento, reciclagem e formação de recursos humanos têm se tornado mais importantes. Na

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Ásia, o apoio aos pequenos empreendimentos e auxílio de crédito aos autónomos se destaca como medida ativa. Nas economias em transição do Leste europeu, o emprego público direto e o subsídio ao emprego privado têm sido a melhor alternativa desde a transição económica. Na OECD, onde o mercado de trabalho é mais homogéneo e o desemprego tem sido alto, as prioridades e notoriedade recaem sobre os Serviços de Emprego, o treinamento e o subsídio ao emprego no setor privado.

2.2. Principais estatísticas internacionais

Ainda que a utilização das políticas voltadas para o mercado de trabalho, que integram o Quadro 1, esteja disseminada em praticamente todas as regiões do mundo, existem diferenças significativas no volume de recursos destinado para esta finalidade, seja entre as regiões, seja entre países. Uma avalição da dimensão assumida por essas políticas...

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