Aquisição das próprias ações e participação recíproca

AutorAmir Achcar Bocayuva Cunha - João Pedro Barroso Do Nascimento
Páginas144-150

Page 144

1. Considerações preliminares

O atual momento de crise econômica mundial traz à baila assunto de especial relevância para o direito societário. Diante da redução significativa do valor de cotação das ações em bolsa de valores, inúmeras companhias abertas têm divulgado intenção de adquirir ações de sua própria emissão. São várias as razões que levam as companhias abertas a realizarem tais operações. No atual cenário mundial, destacam-se, dentre as mais comuns, a avaliação de que o preço de cotação das ações em bolsa de valores está substancialmente aquém do valor considerado justo pela companhia e a intenção de sinalizar ao mercado confiança na recuperação do preço do papel.

Ocorre que, no Brasil — a exemplo do que se passa em outros países — vigora a regra de que as companhias são proibidas de negociar com as suas próprias ações (art. 30, caput, da Lei n. 6.404/1976). A vedação, que decorre do princípio da imutabilidade1 do capital social, não é absolu-ta e a lei prescreve hipóteses excepcionais em que tal negociação é permitida. Essas exceções estão previstas no § 1° do art. 30 da Lei n. 6.404/1976,2 dentre as quais res-

Page 145

saltamos a aquisição para permanência em tesouraria, posterior alienação ou cancelamento.

Portanto, desde que o faça até o valor do saldo de lucros ou reservas disponíveis e sem diminuição do capital social, a companhia pode adquirir suas próprias ações para manutenção em tesouraria e posterior alienação ou cancelamento. Estes são pressupostos essenciais e inafastáveis para autorizar tais operações.

Em relação às companhias abertas, além do disposto no art. 30 da Lei n. 6.404/ 1976, aplica-se a Instrução CVM n. 10/ 1980 às aquisições de ações de sua própria emissão, para cancelamento ou permanência em tesouraria, e respectiva alienação. A este respeito, o art. 3o da Instrução CVM n. 10/1980 estabelece que "não poderão ser mantidas em tesouraria ações de própria emissão em quantidade superior a 10% (dez por cento) de cada classe de ações em circulação no mercado, incluídas neste percentual as ações existentes, mantidas em tesouraria por sociedades controladas e coligadas".

2. Aquisição de ações por sociedade controlada e participação recíproca

A questão que se propõe aqui abordar é: a companhia aberta que não dispuser de saldo de lucros ou reservas disponíveis poderia adquirir suas próprias ações por meio de sociedade controlada, na hipótese desta última dispor dos lucros ou reservas necessárias?

A aquisição de ações por sociedade controlada resulta no fenômeno denominado "participação recíproca", que ocorre toda vez em que duas sociedades possuem, de forma simultânea, ações uma da outra.

Em respeito aos mesmos princípios que proíbem as operações com as próprias ações, a participação recíproca também é, em regra, vedada por lei (art. 244 da Lei n. 6.404/1976).3 Entretanto, há previsão expressa (art. 244, § 1o, da Lei n. 6.404/1976) de que essa vedação não compreende os casos em que é permitida a aquisição das próprias ações.

Importante frisar que o referido § 1° do art. 244 da Lei n. 6.404/1976 afasta a vedação contida no caput ao estabelecer que a proibição à participação recíproca

"(...) não se aplica ao caso em que ao menos uma das sociedades participa da outra com observância das condições em que a lei autoriza a aquisição das próprias ações (art. 30, § 1°, alínea 'b ')" (grifo nosso).

Ou seja, para se verificar a possibilidade de se estabelecer uma participação recíproca, faz-se necessário examinar as hipóteses em que a sociedade pode adquirir suas próprias ações.4 Além disso, o exame atento do teor do dispositivo legal em questão permite concluir que, sendo a participação recíproca um fenômeno que envolve duas sociedades, basta que uma delas atenda aos requisitos que autorizam a aquisição com as próprias ações para que a

Page 146

operação se enquadre na hipótese contemplada no § 1o do art. 244.

O tratamento legal das operações de sociedades anônimas com ações de sua própria emissão sofreu, com o passar dos anos e o conseqüente desenvolvimento dos mercados de capitais, notável evolução no Brasil e no exterior,5 sempre caminhando no sentido de flexibilizar as possibilidades de realização de tais operações, desde que atendidos certos requisitos.

A esse respeito, em brevíssimo resumo sobre o desenvolvimento da legislação pátria sobre a matéria, pode-se dizer que:

(a) o Decreto-lei n. 2.627/1940 estabelecia, de forma rígida, em seu art. 15, que a companhia não poderia negociar com as suas próprias ações, a não ser em operações de resgate, reembolso e amortização;

(b) na esteira evolutiva, aLei n. 4.768/1965, em seu art. 47, ampliou o rol das exceções estendendo a admissibilidade de negociação com as próprias ações para as sociedades anônimas de capital autorizado, autorizando-as a adquirir suas próprias ações mediante a aplicação de lucros acumulados ou capital excedente, e sem redução do capital subscrito, ou por doação; e (c) a atual legislação acionária, Lei n. 6.404/ 1976, mantém a regra geral que proíbe a negociação da companhia com suas próprias ações, bem como o rol de exceções até então vigente, inovando em relação à Lei n. 4.768/1965 ao prever que a possibilidade de aquisição de ações de sua própria emissão não se restringe às companhias de capital autorizado.

Conforme acima exposto, em regra, as operações da companhia com as ações de sua própria emissão são proibidas, a teor do que dispõe o caput do art. 30 da Lei n. 6.404/1976. Esta proibição visa a impe-dir que a companhia, mediante a aquisição das suas próprias ações, promova, por via indireta, redução de capital, com restituição de recursos aos sócios, reduzindo a garantia oferecida aos credores sem a observância das disposições destinadas à prote-ção dos credores nas operações de redução do capital social.6

A aquisição das ações de emissão da própria companhia para manutenção em tesouraria constitui uma das exceções previstas no § 1odoart. 30daLein. 6.404/1976, em que a companhia pode realizar operação com ações de sua própria emissão, desde que: (a) apenas com o saldo de lucros ou reservas, exceto a legal; e (b) sem diminuição do capital social.

Conforme exposto acima, a aquisição das próprias ações foi regulamentada pela Instrução CVM n. 10/1980. Tal regulamento também é aplicável à operação de aquisição de ações da companhia aberta por sua coligada ou controlada, a teor do que dispõem seus arts. 2° e 22.7

Por meio da Instrução CVM n. 10/ 1980, a CVM estabeleceu os procedimentos que devem ser adotados pelas companhias para negociarem com suas próprias

Page 147

ações visando, principalmente, a coibir a criação de condições artificiais em relação à negociação das ações e a violação do princípio da imutabilidade do capital social, bem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT