Das Provas (arts. 155 a 184)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas315-363
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Arts. 155 a 184
1. Noções práticas sobre a matéria
1.1. Conceito
Prova é tudo o que nos pode trazer a certeza
de algum fato, circunstância ou proposição contro-
vertida, ou, como diz Mittermayer, no seu Tratado
da Prova em Matéria Criminal, é a soma dos meios
produtores da certeza.
Estrampes leciona que:
Prova deriva do latim probatio, probationes, que,
por sua vez, precede do vocábulo probus, que signi ca
bom. Portanto, o que resulta provado é bom, se
ajusta à realidade, e provar consiste em veri car ou
demonstrar a autenticidade de alguma coisa.665
Outrossim, seguindo a orientação do mestre
Hélio Tornaghi em seu curso de Processo Penal,
a palavra prova deve ser entendida como “atividade
probatória, isto é, conjunto de atos praticados pelas
partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc.) e
até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a
convicção desse último (julgador)”.
Eugênio Pacelli aduz que “prova judiciária tem
um objetivo claramente de nido: a reconstrução dos
fatos investigados no processo, buscando a maior
coincidência possível com a realidade histórica, isto
é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente
ocorridos no espaço e no tempo.666
1.2. Disposições gerais sobre a prova
A  m de decidir o processo penal, com a conde-
nação do acusado, é preciso que o Juiz esteja con-
vencido de que são verdadeiros determinados fatos
e a apuração deles é feita durante a instrução. Essa
665 ESTRAMPES, Manuel Miranda. La minima actividad pro-
batoria en el proceso penal, p. 15.
666 PACELLI, Eugênio. Op. Cit., 329
demonstração a respeito da veracidade ou falsida-
de da imputação, que deve gerar no Juiz a convic-
ção de que necessita para o seu pronunciamento é
o que constitui a prova. No processo criminal, ao
menos para a condenação, os juízos aceitos “serão
sempre de certeza, jamais de probabilidade, sinôni-
mo de insegurança, embora possa a probabilidade
ser caminho, impulso na direção da certeza”.667
1.3. Os critérios de apreciação da prova
Segundo Lessona (reproduzida a sua lição por
João Monteiro na obra já citada), são conhecidos
três sistemas para a apreciação das provas.
1o) O sistema do critério positivo legal, segundo o
qual a prova tem, pela lei, valor positivo, inalterável e
constante; o Juiz não pondera as provas, pois limita-
-se a fazer pura aplicação da lei.
2o) O sistema da convicção íntima, do critério ex-
clusivo ou da opinião pessoal, sistema oposto ao an-
terior; da própria consciência tira o Juiz o critério da
verdade, sem dependência de alguma regra legal.
3o) O sistema da persuasão racional, critério da
livre avaliação das provas, ou da livre convicção: o
Juiz pesa com justo critério lógico o valor das provas
produzidas, e só quando exclua a possibilidade de
dúvida pronunciará a verdade: já não é a impressão
recebida pelas provas, mas a consciência por elas
formada, a regra da sentença.
RESUMO PRÁTICO
São três sistemas:
1 – O sistema do critério positivo legal (ou sis-
tema da prova legal) ou prova tarifada
667 VASCONCELOS, Anamaria Campos Torres de. Prova no
Processo Penal. p. 121-22; CAMARGO ARANHA, Adalber-
to José Q.T. de. Da prova no Processo Penal.
Capítulo 12
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O Juiz não tem liberdade para apreciar as provas
porque cada prova já tem um valor preestabelecido
em lei.
Obs.: O sistema da prova legal vigorou em uma
época na qual se considerava nula a força probatória
de um único testemunho (unus testis, nullus testis
otí testis unius, testis nullius), bem como a conssão
era tratada como rainha das provas, pois nenhuma
outra seria tão ecaz.
2 – O sistema da convicção íntima (ou sistema
da livre apreciação)
O Juiz é quem aprecia o valor da prova sem pre-
cisar fundamentar a sua decisão.
Segundo Nestor Távora, esse sistema “é o que
preside, de certa forma, os julgamentos pelo Tribu-
nal do Júri em sua segunda fase, na atuação dos
jurados, pois estes votam os quesitos sigilosamente,
sem fundamentar.”668
3 – O sistema da persuasão racional (ou siste-
ma do livre convencimento motivado)
O Juiz é quem aprecia o valor da prova devendo
sempre fundamentar a sua decisão.
1.3.1. O sistema adotado no Brasil
No Brasil, a doutrina dominante adota o princí-
pio do livre convencimento motivado, a teor do
combinado com o art. 93, IX, da Constituição Fede-
ral. Esse também é o entendimento adotado pelo
STJ (HC 2006/0177927-3 – (64.657) – PR – Quinta
Turma – p. 00238 e também HC 2007/0053500-2 –
(78.685) – SP – Quinta Turma – p. 00248) e pelo
STF (STF – RHC 86.674 – RJ – Primeira Turma – p. 57).
• Posição dominante do STJ: Quanto ao sistema
de valoração das provas, o legislador brasileiro
adotou o princípio do livre convencimento mo-
tivado, segundo o qual o Juiz, extraindo a sua
convicção das provas produzidas legalmente no
processo, decide a causa de acordo com o seu
livre convencimento, em decisão devidamente
fundamentada (HC 2006/0177927-3 (64.657)
– PR – Quinta Turma – p. 00238 e também HC
2007/0053500-2 – (78.685) – SP – Quinta Turma –
p. 00248).
668 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit., 655
• Posição dominante do STF: Enquanto o juízo ab-
solutório do corréu se baseou na insuciência de
provas para a condenação, o Tribunal de Justiça
lastreou-se principalmente na palavra da vítima,
subsidiada por outros elementos de convicção.
Princípio do livre convencimento das instâncias
judicantes, desde que devidamente motivado.
Recurso a que se nega provimento. (STF – RHC
86.674 – RJ – Primeira Turma – p. 57).
Vige em nosso sistema o princípio do livre
convencimento motivado ou da persuasão racional,
segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com
ampla liberdade os elementos de prova constantes dos
autos, desde que o faça motivadamente, com o que
se permite a aferição dos parâmetros de legalidade
e razoabilidade adotados nessa operação intelectual.
Não vigora mais entre nós o sistema das provas
tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia
previamente o valor, a força probante de cada meio de
prova. Tem-se, assim, que a conssão do réu, quando
desarmônica com as demais provas do processo, deve
ser valorada com reservas. Inteligência do art. 197 do
CPP. [RHC 91.691, rel. min. Menezes Direito, j. 19-2-
2008, 1ª T, DJE de 25-4-2008.]
Mirabete669 ensinava que:
Adotou a lei o princípio do livre convencimento
(ou livre convicção, ou da verdade real), segundo o
qual o Juiz forma sua convicção pela livre apreciação
da prova, não cando adstrito a critérios valorativos
e apriorísticos e é livre em sua escolha, aceitação e
valoração. “Todas as provas são relativas; nenhuma
delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessa-
riamente maior prestígio que outra. Se é certo que
o Juiz ca adstrito às provas constantes dos autos,
não é menos certo que não ca subordinado a ne-
nhum critério apriorístico no apurar, através delas, a
verdade material. O Juiz criminal é, assim, restituído
à sua própria consciência” (Exposição de Motivos,
item VII). Fica claro, porém, que o Juiz está adstri-
to às provas dos autos, não podendo fundamentar
qualquer decisão em elementos a eles estranhos: o
que não está nos autos não está no mundo (quod
non est in actis non est in mundo).
669 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit.
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Atualizando a posição do renomado autor. A reforma
processual penal permite que o Juiz rme sua convicção
não só por provas produzidas no procedimento judicial,
mas também, de forma excepcional, por elementos
informativos colhidos na investigação, como as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Todavia, registre-se que as provas produzidas no
curso do processo judicial devem ser produzidas com
a devida participação dialética das partes, em ob-
servância aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, funcionando como verdadeira condição de
existência da prova (Renato Brasileiro, 2011, p.835).
O novo art. 155 foi taxativo:
O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da
prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
EXEMPLO PRÁTICO I
Um exemplo de uma prova que embora produzida
no procedimento inquisitorial pode ser usada na
fundamentação de uma condenação é o exame de
corpo de delito, interceptação das comunicações
telefônicas decretada no curso do Inquérito Policial –
art. 3º, I, da lei 9.296/1996 (prova cautelar) ou outra
prova pericial que em razão da sua natureza não
poderá ser repetida. Esta prova será submetida ao
chamado contraditório diferido ou postergado.
EXEMPLO PRÁTICO II
Um exemplo de cautelar antecipada é a oitiva de
uma testemunha ou até da vítima que está muito doente
e, provavelmente, se não for auscultada com urgência,
não poderá ser ouvida no procedimento judicial.
INDAGAÇÃO PRÁTICA III
Responda esta questão oriunda do contexto
prático forense:Quanto ao critério de apreciação
da prova, existe alguma exceção à teoria adotada
pelo Brasil?”
Resposta. O Brasil adotou o sistema do sistema
da persuasão racional (ou sistema do livre convenci-
mento motivado), mas entendo que há duas exceções:
Embora o Brasil tenha adotado o sistema do livre
convencimento motivado ou persuasão racional,
verica-se as exceções abaixo:
Primeira exceção: No Tribunal do Júri há, em
parte, a adoção do sistema da convicção íntima
(ou sistema da livre apreciação), porque os jurados
apreciam o valor da prova sem precisar fundamentar
a sua decisão. Já o Juiz de Direito, ao proferir sua
decisão, terá que motivar a sua decisão (volta para o
sistema do livre convencimento motivado).
Segunda exceção: No art. 158 do Código de
Processo Penal há, por inteira disposição legal, proi-
bição de o Juiz considerar a conssão como prova
da materialidade da infração penal, ou seja, foi ado-
tado o sistema do critério positivo legal, porque o
Juiz não tem liberdade para apreciar plenamente a
prova da materialidade, pois a conssão já tem valor
preestabelecido em lei.
Outra exceção é o § único do art. 155 do CPP,
que constitui resquício da prova tarifada.
1.3.2. Condenação fundamentada em ele-
mentos informativos conjugados
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Responder esta questão elaborada em um
concurso jurídico: “Dizer, objetivamente, se o Juiz
pode condenar o réu com base em prova – toda?
alguma? nenhuma? – colhida no inquérito policial”.
Resposta: Nos termos do art. 155 do CPP, é
inadmissível a condenação baseada “unicamente” em
elementos colhidos na fase inquisitorial. Entretanto,
não há que se falar em inobservância ao disposto
o Magistrado confronta os elementos informativos
obtidos na fase extrajudicial (inquérito policial) com
as demais provas colhidas judicialmente, submetidas,
portanto, ao crivo do contraditório.
Leia-se: o que a lei veda é a condenação baseada
“exclusivamente em elementos informativos colhidos
na fase inquisitorial”, portanto, os elementos infor-
mativos conjugados com as provas colhidas judicial-
mente, podem fundamentar a condenação.
Exemplo interessante é o do réu que tendo
confessado o crime na fase policial, se retrata pe-
rante a autoridade policial e mesmo assim é conde-
nado com base no conjunto probatório, tendo inclu-
sive direito a atenuante da conssão.
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