O debate sobre a reforma agrária no contexto do Brasil rural atual

AutorLauro Mattei
CargoProfessor do curso de Graduação em Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da Universidade Federal de Florianópolis
Páginas234-260
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p234
234 234 – 260
O debate sobre a reforma agrária
no contexto do Brasil rural atual
Lauro Mattei1
Resumo
Neste artigo, faz-se uma breve discussão sobre as principais teses em debate sobre a pertinên-
cia da reforma agrária no início do século XXI. Parte-se de uma contextualização do meio rural
brasileiro atual após décadas de transformações estruturais para, posteriormente, apresentar as
teses favoráveis e as teses contrárias à reforma agrária. Por um lado, observa-se que existe um
grupo expressivo de pesquisadores que defende a reforma agrária por entender que este ainda é
um instrumento ef‌icaz no combate à pobreza e as desigualdades sociais e regionais e, por outro,
registra-se a presença de um grupo de pesquisadores que avaliam que o tempo da reforma agrária
já passou e que este não é mais um instrumento necessário no Brasil no século XXI. Concluímos
que, neste cenário, o debate acadêmico é bem menos relevante comparativamente aos períodos
anteriores, especialmente durante o pós-guerra.
Palavras-chave: Brasil. Desenvolvimento rural. Reforma agrária.
1 Introdução
As últimas décadas do século XX foram marcadas por importantes mu-
danças na estrutura produtiva e na dinâmica socioeconômica rural brasileira,
com impactos sobre as distintas formas de agricultura e de ocupações exis-
tentes em todas as grandes regiões do país. Diversos fatores contribuíram de-
cisivamente para conformar esse novo cenário, destacando-se a consolidação
de um modo de produção capitalista na agricultura assentado na produção
de commodities agropecuárias em larga escala; o intenso processo migratório
no sentido rural-urbano; as mudanças expressivas nos processos de trabalho
por meio da adoção de princípios e técnicas ligadas ao padrão global de acu-
mulação de capital; a emergência e expansão de novas formas de ocupação
das populações rurais; novas formas de reordenação dos espaços geográcos
rurais relacionados às esferas da produção e do consumo; e o surgimento de
1 Professor do curso de Graduação em Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos
da Universidade Federal de Florianópolis (UFSC). Coordenador geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/
CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
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novos temas relacionados ao mercado de trabalho rural, como são os casos das
duplas ocupações, da pluriatividade e da multifuncionalidade da agricultura.
A partir dessas transformações estruturais gerou-se uma nova dinâmica
nas relações econômicas e sociais no meio rural brasileiro, as quais alteraram
a estrutura e a composição do trabalho rural. Por um lado, a expansão desse
novo padrão produtivo conduziu a um processo crescente de integração da
agricultura aos demais setores econômicos, fazendo com que o ritmo e a dinâ-
mica da produção estejam cada vez mais subordinados aos movimentos gerais
da economia do país. Por outro, a integração vertical da produção naquilo
que cou conhecido com os complexos agroindustriais alterou o mercado de
trabalho agrícola e o poder de decisão sobre o processo produtivo. Agora, a
decisão sobre o que produzir e como produzir deixou de ser uma tarefa es-
pecíca do agricultor e passou a ser condicionada por uma série de variáveis
determinadas pelo conjunto de agentes econômicos envolvidos no processo
produtivo. Isso signica dizer que atualmente o poder decisório está muito
mais concentrado no âmbito de determinados segmentos da cadeia produtiva
e bem menos na gura do agricultor.
De um modo geral, verica-se que essas mudanças impactam mais for-
temente o sistema da agricultura familiar, o qual vem se especializando e per-
mitindo que as lides agrícolas sejam crescentemente asseguradas apenas pelo
chefe da exploração, liberando os demais membros familiares que passam a
buscar ocupação em atividades fora da agricultura. Nessa lógica, é crescente
o número de famílias de agricultores das regiões com grande presença do sis-
tema familiar de produção agrícola que procuram se reproduzir socialmente
desenvolvendo, simultaneamente, atividades agrícolas e não agrícolas, com
implicações diretas sobre a dinâmica geral do emprego no meio rural do país.
Especicamente em relação ao trabalho rural, é perfeitamente visível a
subordinação dos agricultores à dinâmica global do capital, uma vez que as
agroindústrias passam a deter um maior controle sobre as ações dos agricul-
tores, abrindo a perspectivas para que estes se transformem em empregados
a domicílio, porém sem qualquer vínculo empregatício formal. Além disso,
outras transformações em curso promovem também uma expansão da exibi-
lização e da informalização do trabalho agrícola, fato que pode ser observado
no aumento do número de agricultores com emprego fora das proprieda-
des, bem como na combinação de diferentes atividades dentro da própria

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