Decisão Monocrática N° 07034717920218070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 11-02-2021

JuizMARIA IVATÔNIA
Data11 Fevereiro 2021
Número do processo07034717920218070000
Órgão5ª Turma Cível

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete da Desa. Maria Ivatônia Número do processo: 0703471-79.2021.8.07.0000 Classe judicial: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: HAYDEE CAMPOS MOREIRA DE SOUSA ROSA AGRAVADO: G44 BRASIL S.A, G44 BRASIL SCP, G44 BRASIL SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, G44 BRASIL HOLDING LTDA, INOEX SERVICOS DIGITAIS LTDA, SALEEM AHMED ZAHEER, JOSELITA DE BRITO DE ESCOBAR D E C I S Ã O Trata-se de agravo de instrumento interposto por HAYDEE CAMPOS MOREIRA DE SOUSA ROSA contra pronunciamento proferido nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Restituição de Valores ajuizada contra G44 BRASIL S.A, G44 BRASIL SCP, G44 BRASIL SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, G44 BRASIL HOLDING LTDA, INOEX SERVICOS DIGITAIS LTDA, SALEEM AHMED ZAHEER e JOSELITA DE BRITO DE ESCOBAR nos seguintes termos: "Trata-se de ação denominada de 'rescisão contratual c/c restituição de valores e danos morais c/c pedido de tutela de urgência' proposta por HAYDEE CAMPOS MOREIRA DE SOUSA ROSA em desfavor de G44 BRASIL S/A e outros, na qual formula os seguintes pedidos principais: 1. Restituição de haveres investidos na sociedade em conta de participação entabulada entre as partes; 2. Indenização de danos morais; 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com o reconhecimento da relação de consumo; reconhecimento do grupo econômico e inversão do ônus da prova; desconsideração da personalidade jurídica. Assim delineada a causa deduzida em juízo, entendo que a petição inicial comporta emenda, como passo a fundamentar e decidir: 1. Da sociedade em conta de participação estabelecida entre as partes O tipo societário, não personificado, denominado 'sociedade em conta de participação' é positivado no artigo 991 do Código Civil, segundo o qual, 'na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.' Como leciona Fábio Ulhoa COELHO: 'A conta de participação se constitui da seguinte forma: um empreendedor (chamado sócio ostensivo) associa-se a investidores (os sócios participantes), para a exploração de uma atividade econômica. O primeiro realiza todos os negócios ligados à atividade, em seu próprio nome, respondendo por eles de forma pessoal e ilimitada. Os agentes econômicos que entabulam negociações com o sócio ostensivo não precisam saber, necessariamente, que a atividade em questão é explorada, sob a forma de conta de participação. Com os participantes, o ócio ostensivo tem contrato, pelo qual aqueles são obrigados a prestar determinadas somas, a serem empregadas na empresa, e são, em contrapartida, credores eventuais, por uma parcela dos resultados desta.' (COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, vol. 2, 9ª ed. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 477) Como já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça, 'apesar de despersonificadas, as sociedades em conta de participação decorrem da união de esforços, com compartilhamento de responsabilidades, comunhão de finalidade econômica e existência de um patrimônio especial garantidor das obrigações assumidas no exercício da empresa.' (REsp 1230981/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 05/02/2015) [grifei] A definição doutrinária e jurisprudencial se amoldam perfeitamente ao caso concreto. Na espécie, não há negar que o negócio jurídico entabulado entre as partes é de 'Sociedade em Conta de Participação' (doravante 'SCP'), com prazo indeterminado, pois assim reconhecido expressamente pelo autor (conforme termo de adesão de Id 79210476(e seguintes) ao contrato-padrão registrado perante o Cartório do 2º Ofício de Registros de Títulos e documentos de Brasília sob o n. 0004274073, de 08/03/2019, livro e folha BE826-229). Com efeito, dispõem as cláusulas 1.1 e 1.3 deste contrato padrão sub examen: Ƈ.1 É instituída a presente Sociedade por Conta de Participação, intitulada SCP e formadas pelo SÓCIO OSTENSIVO e pelos SÓCIOS PARTICIPANTES por ela admitidos; ( ) 1.3 O prazo de duração da sociedade é por tempo indeterminado, iniciando suas atividades a partir da assinatura deste instrumento'. Tal asserção é corroborada pela cláusula 5.15 do contrato: 'Neste ato o SÓCIO PARTICIPANTE declara que não compõe a Sociedade como acionista, que a participação nos lucros são percebidos exclusivamente na forma do item 5.3 e que essa relação é regida exclusivamente pelos artigos 991 a 996 da Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Novo Código civil Brasileiro.' [normas que regulam a SCP] Por fim, de forma a todos compreensível, a cláusula 6.6.1 esclarece que o autor teve conhecimento prévio do conteúdo do contrato, que este foi entabulado sem nenhum vício de consentimento e que 'as prestações, obrigações e riscos aqui assumidos estão dentro de suas condições econômico/financeiras.' Quanto ao objeto social, os indícios decorrentes dos elementos documentais colacionados nos autos sugerem que, consoante as disposições do contrato, a SCP entabulada entre as partes visou à implementação de verdadeira (e ilícita) captação de poupança popular, mediante a arregimentação de recursos financeiros no Mercado Financeiro, mais especificamente entre os investidores pessoa física, a serem aportados por múltiplos sócios participantes, não sendo o autor o único, recursos esses que seriam investidos, primordialmente, na atividade econômica de compra e venda de criptomoedas e 'agenciamento de negócios', prevendo-se uma contrapartida aos participantes a título de participação nos lucros decorrentes dessa atividade econômica, consistindo numa contraprestação 'diária' proporcional ao capital integralizado (cláusula 5.3), a ser creditada em conta de cartão eletrônico titularizado pelo sócio-participante (denominado Zen Card). 2. Das operações com criptoativos As negociações com criptoativos, embora esses constituam fonte de controvérsias e desconfianças, nomeadamente em virtude de serem uma novidade tecnológica de grande complexidade e pelo fato de ainda não possuírem um marco regulatório específico ou geral, não constituem por si mesmas a prática de ato ilícito, seja porque estão amparadas no princípio constitucional da liberdade privada, por força do qual ninguém está obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF/88), seja porque, em geral, são reconhecidas como tal pelos órgãos reguladores nacionais (Comissão de Valores Mobiliários e Secretaria da Receita Federal). Em recente normativo, a Secretaria da Receita Federal definiu como criptoativo 'a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal.' (art. 5º, I, IN RFB 1.888/2019) Além de lícitas, as operações com criptoativos (e seus derivativos) constituem uma prática amplamente disseminada no Mercado financeiro nacional e internacional, podendo ser realizadas por entidades financeiras e não financeiras, denominadas de 'plataformas de negociação' (exchanges de criptoativos), desde que sejam observadas as recomendações da Comissão de Valores Mobiliários e que sejam prestadas as informações pertinentes às operações à Secretaria da Receita Federal, quais sejam a compra e venda, a permuta, a doação, a transferência, a retirada, a cessão temporária, a dação em pagamento, a emissão e quaisquer outras formas de transferência de criptoativos, como determina a Instrução Normativa RFB n. 1.888, de 03/05/2019 (modificada pela IN RFB n. 1.899, de 10/07/2019). Com efeito, a mencionada norma infralegal define como 'exchange de criptoativo' 'a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.' (art. 5º, II, IN RFB 1.888/2019) É de se destacar que não deve causar espécie o fato de os criptoativos poderem ser negociados por pessoas jurídicas não financeiras, porquanto o surgimento das moedas virtuais guarda precisamente este propósito de desburocratização. A própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em comunicado oficial, destaca que o surgimento dos criptoativos decorreu da intenção de indivíduos e empresas de efetuarem, de forma transfronteiriça e desburocratizada, operações de pagamentos e transferência financeiras sem a intermediação de órgãos públicos ou instituições financeiras, de forma praticamente anônima, mediante uma sofisticada 'tecnologia de registro descentralizado' (DLT ? Distributed Ledger Technology), somente sendo possível o acesso na Blockchain por meio de senha secreta, verbis: 'Os criptoativos são ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores. Esses ativos surgiram com a intenção de permitir que indivíduos ou empresas efetuem pagamentos ou transferências financeiras eletrônicas diretamente a outros indivíduos ou empresas, sem a necessidade da intermediação de uma instituição financeira. Tal propósito serviria - inclusive - para pagamentos ou transferências internacionais.' ( ) O funcionamento dos criptoativos se baseia em uma tecnologia de registro descentralizado, um tipo de contabilidade ou livro-razão distribuído em uma rede ponto a ponto de computadores espalhados ao redor do mundo. Toda transação realizada é divulgada para a rede, e somente será aceita após um complexo sistema de validação e de uma espécie de consenso da maioria dos participantes da rede. Com...

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