Decisão Monocrática N° 07222897920218070000 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 16-07-2021

JuizALVARO CIARLINI
Data16 Julho 2021
Número do processo07222897920218070000
Órgão2ª Turma Cível

Poder Judiciário da União Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Gabinete do Desembargador Alvaro Ciarlini Autos nº 0722289-79.2021.8.07.0000 Classe judicial: AI - Agravo de Instrumento (202) Agravante: Abigail da Silva Santos Agravados: Vert Vivant Comercio de Joias Ltda Saleem Ahmed Zaheer Joselita De Brito de Escobar Mohamad Hassan Jomaa G44 Brasil S/A G44 Brasil Serviços Administrativos Ltda G44 Brasil Holding Ltda Inoex Serviços Digitais Ltda G44 Mineração Ltda H Jomaa e G44 Mineração Ltda D e c i s ã o Trata-se de agravo de instrumento interposto por Abigail da Silva Santos contra o despacho proferido pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Taguatinga-DF, nos autos do processo nº 0718641-07.2020.8.07.0007, assim redigido: ?Uma vez definida a competência deste Juízo para processar e julgar o presente feito, cumpre dar-lhe prosseguimento. No entanto, impende acentuar que o julgamento proferido pela egrégia Corte em sede de conflito negativo de competência define a competência jurisdicional, mas não o direito aplicável à espécie, sendo certo ademais que os fundamentos do acórdão prolatado não fazem coisa julgada formal ou material (art. 504, inciso I, CPC). Neste sentido, impende que a petição inicial seja devidamente emendada para adequação ao entendimento e procedimentos definidos por este Juízo Cível para o caso concreto. Nesse sentido, tendo em vista o disposto no artigo 10 do CPC, deverá a parte autora promover emenda à inicial levando em consideração as seguintes diretrizes: 1. Da inexistência de relação de consumo e da inaplicabilidade das normas do CDC Em primeiro lugar, cumpre reafirmar o entendimento deste Juízo no sentido de que a relação contratual entabulada entre as partes não configura relação de consumo, razão por que inaplicáveis as normas do Direito consumerista no caso concreto. Corroborando este entendimento, importante destacar que a CVM examinou especificamente, em data recente 29/06/2020, o caso sub examen, concluindo pelo reconhecimento das irregularidades cometidas pela G44 BRASIL S/A e seus sócios (JOSELITA E BRITO ESCOBAR e SALEEM AHMED ZAHEER), sob o fundamento de que ?o contrato de investimento coletivo ofertado publicamente pelos Acusados constitui um valor mobiliário nos termos do inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, razão pela qual a conduta daqueles configura infração ao § 1º do artigo 19 do mesmo diploma legal.? Por essa razão, aplicou aos réus as sanções administrativas devidas (condenação ao pagamento de multas de R$250.000,00 para cada um, totalizando R$750.000,00), conforme decisão colegiada exarada no Processo Administrativo Sancionador CVM n. 19957.007994/2018-51, Reg. Col. Nº 1309/2019, Diretor relator Gustavo Machado Gonzalez).[1] Neste importante julgamento, a d. Autarquia Federal demonstrou que a relação jurídica entabulada entre os investidores e a sócia-ostensiva não é de consumo, mas sim de contrato de sociedade em conta de participação de investimento coletivo. Nesse sentido, destacou o eminente Relator o conceito de ?contrato de investimento coletivo ? CIC?, in verbis: ?39. A Acusação não se refere à intermediação de negócios com contratos Forex ou com criptomoedas, mas a uma oferta irregular de contratos de investimento coletivo. 40. O conceito de contrato de investimento coletivo tem natureza nitidamente instrumental. Sua função é delimitar a competência do regime mobiliário e, consequentemente, da CVM. 41. O inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976 traz os critérios caracterizadores de um contrato de investimento coletivo no ordenamento brasileiro. Segundo o referido dispositivo, quando ofertados publicamente, quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros são valores mobiliários, sujeitos ao regime daquela lei. 42. O conceito de contrato de investimento coletivo foi declaradamente transplantado dos Estados Unidos, sendo inspirado na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no célebre caso Securities and Exchange Commission v. W. J. Howey Co. (?Howey?), julgado em 1946. O caso envolvia a oferta de pequenos terrenos nos quais seria desenvolvido o cultivo de laranja, combinada com a contratação opcional de um contrato de prestação de serviço para cultivo e operação da propriedade. 43. O conceito de contrato de investimento coletivo pode abarcar negócios com diversos formatos nos mais variados setores16. Com efeito, a diversidade de ativos e projetos nos quais os recursos captados mediante ofertas de contratos de investimento coletivo foram investidos no passado é prova eloquente de que a destinação dos recursos, isoladamente considerada, é fator de pouca ou nenhuma relevância para a análise acerca da existência de um CIC. Laranjas certamente não são valores mobiliários, assim como não o são quartos de hotel, vagas de garagem, bois e avestruzes, para ficar apenas em alguns dos exemplos mais famosos no Brasil. 44. Do mesmo modo, o local onde o empreendimento será desenvolvido tende a ser irrelevante para o exame. As oportunidades de investimento ofertadas em Howey continuariam a ser valores mobiliários caso os laranjais não estivessem na Flórida, mas em São Paulo, assim como a busca da poupança brasileira para um investimento coletivo na engorda de boi pode configurar um contrato de investimento coletivo independentemente do local em que o gado irá pastar. 45. Em resumo: pode haver contrato de investimento coletivo mesmo quando a totalidade dos recursos captados é aplicada em outro país na criação, desenvolvimento ou aquisição de ativos ou atividades que não estão sujeitos à disciplina da CVM. Afinal de contas, o conceito tem natureza instrumental e o regime mobiliário não busca proteger laranjas, quartos hotéis, bois ou criptoativos, mas a poupança brasileira. (...) 49. Assim, passo a examinar se o investimento nas cotas da SCP da G44 preenche os requisitos caracterizadores do contrato de investimento coletivo. 50. No julgamento do Processo Administrativo CVM nº RJ2007/1159318, o Diretor Relator Marcos Barbosa Pinto elencou seis requisitos para a caracterização de determinados arranjos como contratos de investimento coletivo, que desde então têm orientado as análises da área técnica. São eles: (i) a existência de um investimento; (ii) a formalização do investimento em um título ou contrato, pouco importando, contudo, a natureza jurídica do instrumento ou do conjunto de instrumentos adotados; (iii) o caráter coletivo do investimento; (iv) o direito, decorrente do investimento, a alguma forma de remuneração; (v) que essa remuneração tenha origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros que não o investidor; e (vi) que os títulos ou contratos sejam objeto de oferta pública. 51. Desde o julgamento do referido processo, o Colegiado analisou diversos outros casos envolvendo alegadas ofertas públicas irregulares de contratos de investimento coletivo. Ao longo dos diversos casos, o Colegiado teve a oportunidade de se debruçar com mais vagar em muitos dos requisitos da versão tropicalizada do Howey Test, o que justifica, na minha concepção, certos ajustes aos critérios que vem informando a atuação da área técnica. 52. Com relação ao investimento, já se decidiu que o aporte pode se dar em dinheiro ou em outros bens suscetíveis de avaliação econômica19. 53. No tocante à formalização do investimento em um título ou contrato, a decisão no Processo Administrativo CVM nº RJ2007/11593 enfatizou que a natureza jurídica do instrumento ou do conjunto de instrumentos adotados era irrelevante para fins da análise acerca da existência de um CIC. Esse aspecto foi ressaltado em decisões mais recentes, que destacaram a prevalência da essência econômica nessa análise. 54. Nessa perspectiva, parece-me que a melhor forma de interpretar a referência a ?quaisquer outros contratos ou títulos?, constante do inciso IX, é com foco no ?quaisquer outros? e não no ?contrato ou título?. O modo pelo qual o investimento foi formalizado, no mais das vezes, será relevante sobretudo como meio de prova. 55. Em outra frente, com relação ao requisito de que os ?lucros esperados decorram dos esforços do empreendedor e de terceiros?, o Colegiado já decidiu que a participação pouco expressiva do investidor não teria o condão de descaracterizar o contrato de investimento coletivo, desde que os esforços de terceiros sejam predominantes.? Guardadas essas premissas, a d. Comissão avaliou o caso concreto, nos seguintes moldes: ?56. Feitas essas observações, passo ao caso concreto. 57. No tocante à caracterização de oferta pública, não resta dúvida quanto à presença dos meios e instrumentos utilizados para fazer a proposta de investimento chegar aos potenciais investidores, com enquadramento no inciso III do § 3° do artigo 19 da Lei n° 6.385/1976, regulamentado pelo artigo 3° da Instrução CVM n° 400/2003 (destaquei): ?Art. 3º São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes elementos: (...) IV ? a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida ao público em geral com o fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários.? 58. Também não há dúvida quanto à existência de investimento. Os aportes eram inicialmente feitos em dinheiro, mediante cartão de crédito, e, a partir de certo momento, com criptomoedas. Esse fato, todavia, em nada modifica a conclusão, uma vez que se trata de bem...

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