Decisionismo e Hermenêutica Negativa: Carl Schmitt, Hans Kelsen e a afirmação do poder no ato interpretativo do direito

AutorAndityas Soares de Moura Costa Matos - Diego Antonio Perini Milão
CargoGraduado em Direito da Faculdade de Direito da UFMG - Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho
Páginas111-137
Decisionismo e Hermenêutica Negativa: Carl
Schmitt, Hans Kelsen e a afirmação do poder no
ato interpretativo do direito1
Decisionism and Negative Hermeneutics: Carl Schmitt, Hans Kelsen and the
affirmation of power in the legal interpretative act
Andityas Soares de Moura Costa Matos
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil
Diego Antonio Perini Milão
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil
Resumo: O presente artigo pretende refle-
tir sobre as teorias da interpretação jurídica
nas obras de Carl Schmitt e Hans Kelsen,
demonstrando que, muito embora assumam
diferentes sentidos do decisionismo, essas
teorias acabam por gerar uma hermenêuti-
ca negativa. Para tanto, analisa-se a obra de
Schmitt nos anos de 1910, período ainda mar-
cado por um enfoque neokantiano; nos anos
de 1920, no contexto da crise de Weimar; e
nos anos de 1930, quando Schmitt adere ao
nacional-socialismo. No que diz respeito a
Kelsen, privilegia-se as duas edições da Teo -
ria Pura do Direito (1934 e 1960). Como
conclusão, percebe-se a insuficiência da her-
menêutica negativa.
Palavras-chave: Interpretação Jurídica. Hans
Kelsen. Carl Schmitt. Aplicação do Direito. Poder.
Abstract: This paper intends to reflect upon
the legal interpretation theories presented by
Hans Kelsen and Carl Schmitt. It demonstra-
tes that, however assuming different senses of
decisionism, they end up generating a negati-
ve hermeneutics. For that, the theories made
by Schmitt are analised in the 1910 years, pe-
riod still characterized by a neokantian focus;
in the 1920’s, in the crisis of Weimar; and in
the 1930’s, when Schmitt had accepted the
national-socialism. About Kelsen, the paper
discusses the two editions of Pure Theory of
Law (1934 and 1960). As a conclusion, it is
possible to affirm the insuficiency of the ne-
gative hermeneutics.
Keywords: Legal Interpretation. Hans Kelsen.
Carl Schmitt. Law’s Application. Power.
1 Recebido em: 12/07/2013
Revisado em: 29/10/2013
Aprovado em: 1º/11/2013
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2013v34n67p111
Decisionismo e Hermenêutica Negativa: Carl Schmitt, Hans Kelsen e a afirmação do poder no ato interpretativo do direito
112 Seqüência (Florianópolis), n. 67, p. 111-137, dez. 2013
1 Introdução
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a
possibilidade de união estável homoafetiva (ADI n. 4277 e ADPF n. 132)
e, também, acerca do aborto de fetos anencéfalos (ADPF n. 54) deram
ainda mais relevo às discussões acadêmicas relativas ao eterno dilema da
Teoria Geral do Direito, convertido em problema autônomo da Herme-
nêutica Jurídica, e que diz respeito aos limites da decisão judicial – se é
que existem – diante do ordenamento jurídico positivo, repercutindo não
apenas no campo hermenêutico, mas, sobretudo, no da validade e apli-
cação do direito. Apesar das atuais análises sobre o tema, na maioria das
vezes, partir de um enfoque pós-positivista ou jusmoralista, baseando-se
na teoria da argumentação de Robert Alexy e na ideia do direito como
integridade de Ronald Dworkin,2 não será a abordagem específica do pre-
sente trabalho.
Ao que parece, a discussão interpretativa pode ser dirigida para o
que Carl Schmitt chamou de “os três tipos de pensamento jurídico”, a sa-
ber: normativismo, decisionismo e ordem concreta, conforme exposto em
seu influente artigo de 1934, Über die Drei Arten des Rechts-wissenschaf-
tlichen Denkens (SCHMITT, 2001b). Assim, pretende-se realizar um es-
tudo da decisão judicial a partir das obras de Hans Kelsen e de Carl Sch-
mitt, contrapondo – em cada autor e entre eles – uma teoria da validade
do direito a uma teoria da aplicação/interpretação jurídica, sublinhando
inclusive as possíveis continuidades e descontinuidades no diálogo entre
ambos os pensadores. A escolha desses dois autores em detrimento de ou-
tros tidos como mais “atuais” se deve não apenas ao fato de eles serem
clássicos, mas deriva fundamentalmente da percepção que ambos tinham
de sua época, que, em muitos sentidos, se assemelha à nossa, na qual o
Poder Judiciário é chamado a “pôr peias” – ou a “se unir”, como ocorreu
2 Apesar de nosso posicionamento, é preciso observar que há divergência em classiÝcar
o pensamento desses autores, sobretudo de Dworkin, como pós-positivista. Assim, por
exemplo, Luis Prieto Sanchís classiÝca Dworkin como jusnaturalista (SANCHëS, 2009,
p. 423-425), enquanto Alfonso García Figueroa prefere ver nele apenas um antipositivista,
sem ligá-lo especiÝcamente ao pós-positivismo. (FIGUGROA, 2009, p. 216)

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