Decisões que comportam a ação rescisória

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas109-130

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1 Sentença de mérito

O caput, do art. 485, do CPC, parece indicar que somente as sentenças de mérito são objeto da ação rescisória. Conquanto tal preceito se refira somente à sentença de mérito, é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que a expressão "sentença", aí utilizada, tem sentido amplo, de modo a abranger os acórdãos1 .

Porém, das sentenças que extinguem o processo com julgamento de mérito, elencadas nos incisos do art. 269 do Código de Processo Civil, somente a constante do inciso I, julga verdadeiramente o mérito ou o pedido; ou seja, decide a lide. Pode-se dizer que somente nessa hipótese ocorre o exercício da jurisdição que, substituindo a vontade das partes, julga o pedido do autor. Nos demais casos indicados nos incisos II a V do mencionado preceito normativo, não existe o julgamento do pedido; entretanto, as sentenças, nestas hipóteses, são de mérito por força de lei, ou seja, o legislador lhes atribui este caráter, para que a força da coisa julgada material as torne imutáveis.

Em suma, sentenças de mérito são aquelas em que o juiz decide o pedido ou que apresentam tal qualidade por determinação legal. Pode-se dizer, assim, que as sentenças de mérito podem ser próprias ou impróprias. As primeiras são as que julgam o pedido, enquanto as segundas são aquelas que, embora não decidindo o pedido, são de mérito por força de lei.

Mas, será que tanto as sentenças de mérito próprias quanto as impróprias comportam ação rescisória? Para Humberto Theodoro

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Júnior, deve-se entender por sentença de mérito todas aquelas enumeradas taxativamente nos incisos do art. 269, do CPC. Portanto, pela expressão ‘sentença de mérito’, contida no art. 485 do, CPC, devem-se compreender todas aquelas sentenças previstas nos incisos do art. 269, do CPC.

2 Decisões interlocutórias e terminativas

Quanto às decisões interlocutórias e terminativas, como não fazem coisa julgada material, não são passíveis de rescisória, mas de ação anulatória.

Mas o 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo teve oportunidade de decidir2 que: "A decisão interlocutória pode ser rescindida, fluindo o prazo do seu trânsito em julgado." Trata-se de hipótese em que, ao ensejo do saneamento do processo, julgou-se desnecessária a citação da mulher do réu, quando obrigatória. A sentença de mérito, bem como o posterior acórdão, nada decidiram a respeito da questão, já que havia sido matéria de decisão já preclusa (art. 473, do CPC). Assim, a violação à literal disposição de lei foi cometida por decisão interlocutória anterior à sentença de mérito, qual seja, o despacho saneador, que transitou em julgado pela não interposição de recurso. Embora tenha admitido a rescisória como medida adequada, o mencionado tribunal julgou pela carência da ação, posto que já havia transcorrido o prazo da rescisória, que, no caso, deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão interlocutória.

Entende-se que, nesse caso, como a mulher não integrou o polo passivo da ação, ela era um terceiro em relação à causa e, portanto, nos termos do art. 472, do CPC, a coisa julgada material não lhe atingiria; razão pela qual, poderia ter ingressado com ação declaratória de nulidade, que é imprescritível. O caminho efetivamente escolhido (ação rescisória), embora admitido como adequado, em total afronta ao art. 485 do CPC, acabou prejudicando o direito da autora, furtando-lhe, inclusive, um grau de jurisdição.

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Realmente, no caso, não há de se falar em preclusão pro judicato do saneador, posto que se trata de ato absolutamente nulo. Por outro lado, também não há os efeitos saneadores da sentença final, em razão da coisa julgada material, sustentada por alguns autores; isso porque, como já dito, ela não pode atingir quem não figurou na relação processual (art. 472, do CPC). Por fim, tratando-se de decisão interlocutória, possibilita a propositura de ação anulatória em primeira instância. Segundo Ernane Fidélis dos Santos3, a sentença de procedência em casos tais é tida por inexistente e independe de rescisão. Ademais, a autora da rescisória, ao invés de propô-la contra o despacho saneador, deveria tê-la proposto contra o acórdão proferido em processo sem a presença do litisconsórcio necessário. E, finalmente, se o próprio juiz da causa, após o saneador e antes da sentença final, verificasse a hipótese de nulidade por ausência de litisconsórcio necessário, poderia reexaminar a matéria, em razão de inexistência da preclusão pro judicato da questão.

O STF teve a oportunidade de decidir que o terceiro, em nome de quem está transcrito o imóvel, não citado pessoalmente em ação de usucapião, pode reivindicá-lo por ação ordinária, uma vez que a sentença, em relação a ele, não tem autoridade de coisa julgada e, por isso, desnecessária é a ação rescisória4.

Mas a questão não é pacífica. Existem julgados aceitando a ação rescisória contra decisões interlocutórias, quando estas se revelem como de mérito. Veja, por exemplo, o acórdão proferido pelo 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, admitindo a ação rescisória contra decisão proferida em agravo de instrumento5. Se o agravo só é cabível contra decisões interlocutórias (art. 522, do CPC), como pode o acórdão que o julgou ser passível de ação rescisória? Mas o mesmo acórdão justifica: "Em princípio, as decisões proferidas em agravo de instrumento não examinam o mérito da questão, o que constitui, em tese, óbice previsto no art. 485, do CPC, ao cabimento de rescisória. Contudo, se

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a decisão proferida constitui autêntico exame do mérito, de forma que, deferida ou indeferida a pretensão, não resta outra providência, pondo o decisum fim ao processo, contra ela cabe, evidentemente, ação rescisória." Parece, portanto, que o pressuposto único para o cabimento da ação rescisória é que a decisão tenha analisado o mérito da causa, não importando seja esta interlocutória ou terminativa. A questão é que, não fazendo a decisão interlocutória coisa julgada material, não se pondo fim ao processo, impossível é imaginar-se a sua rescindibilidade.

Logo, no tocante às sentenças que não julgam o mérito, aquelas enumeradas no art. 267 do CPC, entende a maioria da doutrina que elas não comportam ação rescisória. Vicente Greco Filho6 diz: "...se a sentença não é de mérito, a parte não tem interesse processual para rescindi-la porque pode renovar a demanda." Mas a questão não é pacífica, como se verá a seguir.

3 A decisão de carência da ação por falta de uma de suas condições é rescindível

Alguns acórdãos têm entendido que, apesar de o Código de Processo Civil classificar algumas decisões como não de mérito, na realidade, diante do caso concreto, elas se manifestam como sendo efetivamente de mérito. Como exemplo, pode-se citar a decisão que entendeu ser possível a rescisória contra acórdão ou sentença que extingue o processo, pela ocorrência de coisa julgada (art. 267, inciso V), sob argumento de que, embora não se trate de sentença de mérito, impede que seja novamente intentada a ação7.

O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, teve oportunidade de reconhecer o cabimento da ação rescisória contra sentença que reconheceu a carência da ação pela impossibilidade jurídica do pedido, alegando que a matéria decidida é de mérito e não atinente às condições da ação8. O ministro Athos Carneiro, que participou do julgamento, em certo momento de seu voto declara: "É certo que, em

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alguns casos, é fácil distinguirmos carência do núcleo do mérito; em outros, entretanto, essa distinção se revela, na prática, extremamente difícil e parece-me que o caso presente é um deles."

Também o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul decidiu que cabe a rescisória contra sentença que pôs termo ao feito, considerando o autor parte ilegítima9.

Na doutrina têm-se as orientações de Calmon de Passos, Fábio Luiz, Ovídio Baptista da Silva, que, partidários da teoria eclética da ação, sustentam que as condições da ação estão diretamente relacionadas com o mérito da causa. Diz Ovídio Baptista da Silva10: "Quando o Juiz declara inexistente uma das ‘condições da ação’, ele está em verdade declarando a inexistência de uma pretensão acionável do autor contra o réu, estando, pois, a decidir a respeito da pretensão posta em causa pelo autor, para declarar que o agir deste contra o réu - não contra o Estado - é improcedente. E tal sentença é sentença de mérito. A suposição de que a rejeição da demanda por falta de alguma ‘condição da ação’ não constitua decisão sobre a lide, não fazendo coisa julgada e não impedindo a reproposição da mesma ação, agora pelo verdadeiro legitimado ou contra o réu verdadeiro, parte do falso pressuposto de que nova ação proposta por outra pessoa, ou pela mesma que propusera a primeira, agora contra outrem, seria a mesma ação que se frustrara no primeiro processo. Toma-se o ‘conflito de interesses’ existente fora do processo, a que CARNELUTTI denominava lide, como verdadeiro e único objeto da atividade jurisdicional. Como este conflito não fora composto pela primeira sentença que declara o autor carecedor de ação, afirma-se que seu mérito permaneceu inapreciado no julgamento anterior. Daí por que, no segundo processo, com novos figurantes, estar-se-ia a desenvolver a mesma ação. Ora, no segundo processo, nem sob o ponto de vista do direito processual, e muito menos em relação ao direito material, a ação seria...

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