Declaração da prescrição de ofício pelo juiz ? na fase de conhecimento

AutorFrancisco Rossal de Araújo - Rodrigo Coimbra
Páginas117-122

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A faculdade de o Juiz declarar a prescrição de ofício tem sido objeto de grandes polêmicas e alterações legislativas, segundo os interesses que defendem ou repelem tal possibilidade.

Este ponto será abordado sob a ótica da prescrição da fase de conhecimento (prazos prescricionais para ajuizar as pretensões por meio da ação trabalhista) e não da prescrição intercorrente (que pode correr no curso do processo, na fase de execução).

A Lei n. 11.280/2006 — integrante da chamada terceira onda de reforma do Código de Processo Civil de 1973 — revogou expressamente o art. 194 do Código Civil e incorporou, ao CPC/1973, a regra segundo a qual o julgador deve conhecer de ofício da prescrição (art. 219, § 5º, do CPC/1973). A partir de então, por força da possibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao Processo do Trabalho (art. 769, CLT), passou-se a questionar a aplicabilidade dessa norma nas ações trabalhistas.

Essa mudança afeta toda a nossa tradição jurídica sobre prescrição extintiva, pois sendo uma exceção, desde o direito romano, a prescrição sempre precisou ser oposta mediante requerimento da parte interessada, para poder ser declarada pelo juiz.296 Em outras palavras, o que inibe a pretensão é à exceção da prescrição e não propriamente a prescrição, ou seja,

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não basta o decurso do prazo prescricional para que seja inviável o exercício da pretensão, deverá haver a exceção.297

Não obstante, por escolha política do legislador, o direito processual civil brasileiro298

contraria essa característica diferenciada da prescrição que a acompanha desde o seu surgimento nas fontes romanas299, determinando que “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” (Lei n. 11.280/2006, que altera o § 5º do art. 219 do CPC de 1973).

Essa significativa alteração legislativa aproxima a prescrição da decadência300 (a impossibilidade de ser conhecida de ofício pelo juiz, antes dessa alteração legislativa, discernia a prescrição da decadência), na contramão do esforço secular de distinguir os institutos e de considerar a prescrição exceção, que, como tal, exige provocação da parte interessada, gerando controvérsias também no processo comum.301

Além disso, a pronúncia, pelo juiz, de prescrição ou da decadência, sem que esse assunto tenha sido previamente debatido pelas partes, afronta o dever de diálogo, como especial concretização da colaboração entre o juiz e as partes no processo302, e, ao mesmo tempo,

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afronta a segurança jurídica e a efetividade do processo303, pois pode, exemplificativamente, fazer com que a parte prejudicada tenha que interpor recurso para, por exemplo, informar o juiz de que houve renúncia, interrupção, suspensão, ou impedimento da prescrição (arts. 191 e 197 a 204 do Código Civil de 2002), ou impedimento da decadência nos casos dos absolutamente incapazes (art. 208 do Código Civil de 2002), o que poderia ser evitado de forma efetiva e segura304, se fosse realizado prévio diálogo com as partes.

Esclarece Luciano Athayde Chaves305 que “a lógica da mudança repousa na tentativa de se evitar que um feito tramite, por exemplo, perante o primeiro grau de jurisdição sem que a prescrição tenha sido alegada pelo réu em sua resposta, somente o fazendo em grau de recurso, após o dispêndio de energia e de trabalho em torno da máquina judiciária, o poderia ser evitado caso a matéria pudesse ser arguida ex officio pelo Juiz”.

No Direito do Trabalho, quer material quer processual, não há qualquer dispositivo vedando nem autorizando o Juiz a reconhecer de ofício a prescrição, razão pela qual o tema fica submetido ao princípio da subsidiariedade306, que requer omissão da legislação trabalhista (requisito observado no caso da prescrição de ofício) e compatibilidade com as normas materiais e processuais trabalhistas (arts. e 769 da CLT, respectivamente).

A aplicação ou não da prescrição de ofício no Processo do Trabalho fica remetida à aná-lise da compatibilidade dessa normativa com o Direito do Trabalho e o Processo do Trabalho.

Nesse contexto, são duas as correntes sobre a possibilidade ou não de declaração da prescrição pelo juiz sem requerimento da parte interessada, no Processo do Trabalho:

  1. Uma das correntes pugna pela aplicabilidade do art. 219, § 5º, do CPC, com o argumento de que o legislador conferiu à prescrição o status de matéria de ordem pública, visando resguardar o interesse geral da coletividade, em relação ao qual não se sobrepõe o interesse individual da parte, devendo a prescrição ser declarada de ofício no Processo do Trabalho.

    Alguns autores defensores dessa corrente apontam que a partir da alteração promovida pela Lei n. 11.280/2006 a prescrição passa a ter natureza publicista — de norma de ordem

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    pública —, daí porque impõe-se sua declaração de ofício pelo juiz. Francisco Antônio de Oliveira307, por exemplo, diz que “com a nova natureza (pública) da prescrição, ela será declarada pelo juiz diretor (dominus processus), de ofício, caso não o faça o réu em contestação”.

    Manoel Antônio Teixeira Filho308 defende que a normativa de Processo Civil que determina ao juiz aplicar de ofício a prescrição “incidirá no Processo do Trabalho pelo mesmo motivo que o art. 219, § 5º, do CPC, em sua redação anterior, era pacificamente aplicado ao Processo do Trabalho. Não haverá antagonismo com o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal”.

    De acordo com Sergio Pinto Martins309 a declaração de ofício da prescrição está fun-dada nos princípios da segurança jurídica e da celeridade processual e “mesmo em caso de revelia, o juiz irá declarar de ofício a prescrição”.

    Mauricio Godinho Delgado310 aceita a aplicação da prescrição de ofício apenas quando a questão não envolver relação de emprego, como nas lides intersindicais, ou nas execuções fiscais decorrentes de multas administrativas impostas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por exemplo.

    Luciano Athayde Chaves311 sustenta a aplicação da prescrição de ofício na Justiça do Trabalho, inclusive nas lides que envolvem relação de emprego, desde que o juiz, antes de decretar a prescrição de ofício, oportunize o contraditório das partes, dando vistas dos autos ao reclamante para que possa demonstrar existência de alguma causa interruptiva, impeditiva ou suspensiva da prescrição, e ao reclamado para que se manifeste a respeito da prescrição. Esse também é o entendimento de Bezerra Leite312, segundo o qual, silêncio do reclamado valerá valer como renúncia tácita.

  2. A outra corrente entende que não...

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