Defeitos do Negócio Jurídico e Princípio da Conservação

AutorAnderson Schreiber
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil da UERJ. Professor da Fundação Getulio Vargas ? FGV. Membro da Academia Internacional de Direito Comparado. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado
Páginas33-51
Defeitos do Negócio Jurídico e Princípio da
Conservação
Anderson Schreiber1
Sumário: – 1. O negócio jurídico no direito contemporâneo; – 2.
Princípio da conservação dos negócios jurídicos; – 3. Conservação
dos negócios jurídicos defeituosos; – 4. Revisão judicial do negócio
jurídico eivado de lesão ou estado de perigo; – 5. Conclusão.
1. O negócio jurídico no direito contemporâneo
Categoria que assume papel de inquestionável destaque no
âmbito da teoria geral do direito é o negócio jurídico. Na defini-
ção de Antônio Junqueira de Azevedo, “negócio jurídico é todo
fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o orde-
namento jurídico atribui os efeitos designados como queridos”.2
É possível, portanto, delinear dois elementos distintivos da cate-
goria: (a) um elemento voluntarístico, sempre externalizado por
meio de uma declaração da vontade; e (b) um elemento conse-
quencial, consubstanciado na produção de efeitos ex voluntate,
associados ao programa que o agente pretende realizar com o
cumprimento do ato.3 Daí a doutrina se referir ao negócio jurí-
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1 Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Professor da Fundação
Getulio Vargas – FGV. Membro da Academia Internacional de Direito
Comparado. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.
2 Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico: existência, validade e
eficácia, 4ª ed., São Paulo: Saraiva: 2002, p. 16.
3 Natalino Irti, La Scuola di Messina in un libro sui fatti giuridici, in
Salvatore Pugliatti, I fatti giuridici, revisão e atualização de Angelo Falzea,
dico como “o regulamento de interesses estipulado pela autono-
mia privada”.4
O direito romano não conheceu o negócio jurídico.5 A for-
mulação da categoria deve-se à Pandectística alemã, do século
XIX, que pretendeu cristalizar em uma noção abstrata o poder
da vontade individual, em sua mais ampla expressão. Concebido
como declaração de vontade apta a produzir efeitos jurídicos, o
negócio jurídico estrutura-se em torno da vontade do indivíduo,
que passa a ser a pedra de toque da sua disciplina jurídica. Nessa
perspectiva, a vontade individual torna-se não apenas suficiente
para constituir obrigações, mas passa também a constituir o ele-
mento de legitimação do vínculo obrigacional. Pouco importa se
o conteúdo da obrigação é justo ou equilibrado, pouco importa
se as partes estão em situação de equilíbrio ou disparidade. Vale
a máxima que, ainda hoje, muitos de nós trazemos em nosso in-
consciente: “obrigou-se porque quis”. O querer, por si só, basta-
ria para justificar o efeito vinculante.
No Brasil, a categoria do negócio jurídico não encontrou aco-
lhida na codificação civil de 1916, que tratava apenas do ato ju-
rídico como gênero. Clovis Bevilaqua, em sua Teoria Geral do
Direito Civil, não alude ao negócio jurídico, embora noticie ha-
ver, no direito alemão, “tendência a estabelecer-se distinção en-
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Milão: Giuffrè, 1996, p. xiv: “Il concetto di programma segna un grado
estremo di depsicologizzazione dell’atto (e, più incisivamente ed emblematica-
mente, del negozio giuridico). Il programma, come qualcosa ‘scritto prima’ –
il greco ‘progràphein’ – non è un volere che si realizza, ma un annuncio, un
discorso prospettico, il quale ‘attende attuazione’. Poiché l’effetto giuridico è
per sua indole futuro, le parti, nel compiere l’atto o nello stipulare l’accordo,
sono in grado soltanto di svolgere una considerazione prospettica: cioè, di
descrivere configurare prevedere.”
4 Gustavo Tepedino, Esboço de uma classificação funcional dos atos jurí-
dicos, in Revista Brasileira de Direito Civil, v. 1, jul./set. 2014, p. 16.
5 Em que pese a opinião minoritária em contrário de autores como: Ger-
hard Dulckeit, Zur Lehre vom Rechtsgeschäft im Klassischen römischen
Recht, in Festschrift für Fritz Schulz, Band 1, Weimar, 1951.

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