Defesa do estado e das instituições democráticas

AutorEduardo dos Santos
Páginas733-756
CAPÍTULO XXI
DEFESA DO ESTADO
E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
1. INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 dedicou o seu Título V para tratar da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas, no qual estão regulamentados o Estado de Defesa, o Estado de
Sítio, as Forças Armadas e a Segurança Pública.
Assim, sob esse título, nosso sistema constitucional, por um lado, institucionalizou as
Forças Armadas e a Segurança Pública para a defesa do Estado, que se volta a: i) defesa do
território nacional; ii) defesa da soberania nacional; e iii) defesa da pátria.
Por outro lado, para a defesa das instituições democráticas consagrou o chamado sistema
constitucional de crises, composto pelo Estado de Defesa e pelo Estado de Sítio e que visa a
manutenção ou o reestabelecimento da ordem em momentos de anormalidade, instituindo
verdadeiros “Estados de Exceção” (constitucionalizados) dentro do Estado Democrático de
Direito, nos quais a legalidade ordinária é momentaneamente mitigada, dando lugar a uma
legalidade constitucional extraordinária, cujo objetivo principal é superação da crise com
a manutenção do Estado Democrático de Direito e a mínima onerosidade para os direitos
fundamentais.
Esse sistema de crises está positivado na Constituição como forma de preservar a própria
ordem constitucional, o regime democrático e o equilíbrio entre os poderes, superando desde
as crises político-institucionais, até as demais situações extraordinárias de instabilidade e
crise, como guerras, pandemias, crises econômicas, desastres naturais etc., revelando-se, em
nosso constitucionalismo, como um sistema jurídico extraordinário, cujas medidas devem
ser adotas em caráter de excepcionalidade.
Aqui é importante não confundir a excepcionalidade das medidas, que são fruto de uma
legalidade constitucional extraordinária, com uma potencial arbitrariedade das medidas,
que são fruto do excesso e do desvio de poder durante a execução dessas medidas. É por
isso que as medidas que podem ser tomadas na vigência do Estado de Defesa e do Estado de
Sítio já estão previstas na própria Constituição, além de só poderem ser adotadas de forma
excepcional e temporária, quando se mostrarem necessárias a solução dos problemas reais
e concretos que estejam sendo enfrentados, visando sempre o reestabelecimento da norma-
lidade institucional e a defesa do Estado Democrático de Direito.
Ademais, justamente buscando evitar arbitrariedades, decisões impensadas, ou
mesmo golpes “constitucionais” (ou constitucionalizados) é que nosso sistema constitu-
cional estabeleceu, como limite circunstancial ao Poder Constituinte Reformador, que a
Constituição não pode ser emendada na vigência de estado de defesa ou de estado de sítio
(art. 60, §1º, CF/88).
Por f‌im, vale dizer que, em que pese a doutrina tradicionalmente identif‌ique o
sistema constitucional de crises apenas pelo Estado de Defesa e pelo Estado de Sítio,
a verdade é que há um sistema constitucional que busca prevenir e solucionar os mo-
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DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO • EDUARDO DOS SANTOS
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mentos de crises e anormalidades que permeia toda a Constituição, desde os princípios
fundamentais (consagrando a separação de poderes, por exemplo), passando pelos
direitos fundamentais (consagrando, a participação do povo na vida política do Estado,
por exemplo), pela organização do Estado (estabelecendo as competências dos entes
federados e as formas de superar os conf‌litos de competência entre eles), pela organi-
zação dos Poderes (consagrado um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes),
dentre outros títulos da Constituição. Assim, muitas vezes, embora estejamos, em tese,
diante de circunstâncias que permitiriam a decretação de Estado de Defesa ou de Estado
de Sítio, é possível superar a crise ou a anormalidade sem a sua decretação, optando-se
por outros meios e instrumentos constitucionais mais brandos, como, por exemplo, um
Decreto para Garantia da Lei e da Ordem.
2. PRINCÍPIOS INFORMADORES
Com base na clássica lição de Aricê Moacyr Amaral Santos,1 é possível apontar os
seguintes princípios informadores do sistema constitucional de crises:
1) Excepcionalidade: implica reconhecer que a regra é prevalência da legalidade cons-
titucional ordinária, com o pleno funcionamento das instituições democráticas, na lógica
do Estado Democrático de Direito. Assim, as medidas do sistema constitucional de crises
só podem ser adotas em situações excepcionais (como exceção) de desequilíbrio, sempre
visando o reestabelecimento da normalidade institucional e a defesa do Estado Democrático
de Direito.
2) Necessidade: implica reconhecer que as medidas do sistema constitucional de
crises só podem ser implementadas se não for possível reestabelecer a normalidade
constitucional por outro meio menos gravoso, pois o Estado de Defesa e o Estado de
Sítio são a última ratio da defesa do Estado Democrático de Direito, de modo que, a
decretação dessas medidas sem que se caracterize a necessidade, conf‌igurará golpe de
Estado. Assim, nas palavras de Aricê Moacyr Amaral Santos, sua decretação é condicio-
nada à ocorrência de pressuposto fático (previsto na Constituição), sendo que os meios de
respostas e as limitações de direito adotas têm sua executoriedade restrita e vinculada a cada
anormalidade em particular e, ainda, ao tempo e lugar.2
3) Temporariedade: implica reconhecer que essas medidas devem ter prazo deter-
minado e, caso a normalidade seja reestabelecida antes do prazo f‌ixado, elas devem ser
imediatamente encerradas, de modo que, a decretação dessas medidas sem respeito à
temporariedade, conf‌igurará a instauração de um regime totalitarista ditatorial.
4) Obediência estrita à Constituição: implica reconhecer que essas medidas devem
obedecer estritamente às normas constitucionais, especialmente, àquelas que as regulam,
visando sempre o reestabelecimento da normalidade institucional e a defesa do Estado
Democrático de Direito, sob pena de se caracterizarem como medidas arbitrárias, abusivas
e inconstitucionais.
5) Controle político-judicial: implica reconhecer que essas medidas, que são imple-
mentadas pelo Poder Executivo, devem ser controladas pelo Poder Legislativo (controle
político) e pelo Poder Judiciário (controle judicial), a partir da lógica do sistema de freios e
1. SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O Estado de Emergência. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981.
2. Ibidem, p. 33.
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