Defesa jurisdicional individual de natureza cível

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas157-191

Page 157

1. 1 Aspectos iniciais

É preciso reconhecer que a família, a sociedade e o Estado podem promover medidas significativas e decisivas na integral proteção dos direitos e interesses das crianças e dos adolescentes, independentemente das eventuais medidas individuais ou coletivas no plano jurisdicional.

Restou destacado que as medidas que mais contribuem para a melhor qualidade de vida da população infanto-juvenil são aquelas direcionadas para o fortalecimento das bases familiares e implantadas pela própria sociedade. Obviamente, a sociedade é, também, prestigiada com a melhor qualidade da proteção familiar.

Como promotor ou agente de mudanças, o Estado beneficia-se também da melhor qualidade de vida da família e da sociedade. Aliás, é bom que se diga: além do Estado, crianças e adolescentes são os maiores beneficiários da integral proteção jurídica da sociedade e da família.

Nem sempre, no entanto, os componentes da família, da sociedade e do Estado agem na forma determinada pela legislação em vigor, seja no pólo passivo ou ativo das respectivas relações jurídicas. Muitos pais abandonam ou violam os direitos dos próprios filhos. Os membros da sociedade não participam dos conselhos e não cobram melhor qualidade na atuação do Conselho Tutelar e Conselho de Direitos. O Estado não promove ou articula políticas públicas aptas a fortalecer a cidadania. Muitas vezes atua de forma desorganizada e sem objetividade. São claras situações de violação dos direitos e interesses da comunida-

Page 158

de infanto-juvenil. Ora, assim, é a partir da lesão aos novos direitos - praticados pela família, sociedade e Estado - que surge a possibilidade do uso da tutela jurisdicional.

Esgotadas as múltiplas alternativas de solução dos litígios, no plano social, administrativo e político-estatal nasce a necessidade e a possibilidade da proteção da tutela jurisdicional, agora sob a responsabilidade do Poder Judiciário. É nesta esfera de atuação que o ECA e a CF aprimoraram, incentivaram e reforçaram a maior atuação do Poder Judiciário. Diferentemente do que era preconizado pelo Código de Menores, o Juiz de Direito com base nas regras do devido processo legal e a partir dos eventuais pedidos formulados pelas partes, deve impor o cumprimento da legislação constitucional e estatutária vigente. De forma mais efetiva e de acordo com os modernos anseios infanto-juvinis.

Ao invés de agir como órgão meramente assistencialista e/ou repressor, o Poder Judiciário passa a compor a última trincheira na defesa de direitos eventualmente violados. Se ultrapassada a fase jurisdicional, sem a solução adequada e em tempo hábil fatalmente ocorrerá a perda, violação ou perecimento definitivo dos direitos ou interesses jurídicos das crianças e dos adolescentes.

É interessante lembrar que, na maioria das vezes, é Estado que mais comparece nos procedimentos processuais, na qualidade de réu das ações individuais e coletivas, ajuizadas nas diversas instâncias do Poder Judiciário. A partir de simples consulta ao sítio eletrônico do STJ pode ser visualizado que a União, estados-membros, DF e municípios respondem por mais de setenta por cento das ações judiciais. É o Estado que não cumpre seu papel.

Sãodiversasasformasdepacificação dos litígios envolvendo as crianças e os adolescentes, na qualidade de titulares de direitos e interesses indisponíveis, juridicamente protegidos pela legislação brasileira, por meio do Poder Judiciário, seja no formato individual ou coletivo.

Antes, porém, de conhecer os aspectos essencialmente básicos do processo civil de natureza individual de defesa dos direitos e interesses das crianças e dos adolescentes é importante recordar que diferentemente do processo coletivo brasileiro, as regras e princípios do processo civil individual existem há muito mais tempo e foram criados a partir dos paradigmas do mundo clássico greco-romano, segundo THEODORO JÚNIOR.1

Page 159

Em que pese a longevidade de sua existência, o processo civil ainda tem sido pouco utilizado, principalmente na defesa dos direitos fundamentais de natureza constitucional e, algumas vezes, quando utilizado, não esgota sua importante função, em virtude do uso inadequado pelos operadores do Direito.

Noutras vezes, ainda que utilizado de forma escorreita pelas partes, os pedidos formulados não recebem, em tempo hábil e de forma integral, a almejada proteção jurisdicional.

Em outras situações, devido ao formalismo dominante não protege eficientemente os interesses submetidos à apreciação jurisdicional. Urge, portanto, como forma de melhorar sua utilização na proteção dos direitos infanto-juvenis, conhecer sua evolução histórica, características, formas de utilização e alcance para, a partir daí, torná-lo mais efetivo e eficiente.

Crianças e adolescentes - como sujeito de direitos e deveres - vivem em sociedade. Portanto, lesões aos seus direitos decorrem diretamente do convívio social. É lição comum que, para resolver os conflitos sociais, o homem criou o Estado e lhe concedeu plenos poderes, inclusive meios coercitivos hábeis fazer valer sua vontade, segundo as regras do processo.

É sabido que a partir do surgimento do Estado - com a proibição do exercício arbitrário das próprias razões - sentiu-se a necessidade de criar mecanismos de solução pacífica dos litígios, por meio do próprio aparelho estatal. Para promover a solução das disputas, foi criado o processo. Assim, foi o mecanismo criado pelo Estado para alvitrar em caráter definitivo, possíveis soluções aos conflitos sociais, sempre que requerida sua intervenção formal, pelos titulares dos direitos envolvidos.

Não bastava, porém, apenas criar, formalmente, o processo como o meio de solução de litígios. Era necessário buscar uma forma capaz de permitir que as pessoas físicas ou jurídicas, eventualmente lesadas em seus direitos e interesses, pudessem dirigir-se ao Estado e requerer que as controvérsias e/ou violação de direitos fossem pacificamente solucionados. Dessa necessidade de iniciar o processo nasceu o direito de ação, ou seja, o direito que qualquer pessoa - física ou jurídica - inclusive o próprio Estado tem de exigir a solução de seus conflitos.

Criados os institutos jurídicos do processo e da ação faltava, porém, uma estrutura de poder capaz de solucionar os conflitos e, ao mesmo tempo, manter-se eqüidistante e acima das pessoas envolvidas. Sabido que, muitas vezes, o próprio Estado poderia lesar ou defender

Page 160

direitos foi criado o poder jurisdicional, como uma das instâncias capazes de solucionar e pôr fim aos conflitos. É inerente ao Poder Judiciário, ao agir nessa qualidade, que suas decisões sejam respeitadas e cumpridas. Essa é a qualidade pertinente à jurisdição: poder-dever do Estado-Juiz de solucionar os fatos litigiosos.

Assim, conforme NUNES,2 jurisdição, ação e processo formam a trilogia básica de qualquer processo, em qualquer grau de jurisdição.

Historicamente percebeu-se que a partir do momento que o Estado avocou para si a solução pacífica dos conflitos sociais e proibiu a justiça pelas próprias mãos, ocorreu significativa procura pela prestação da tutela jurisdicional. Coincidentemente, o aumento da busca da proteção jurisdicional liga-se ao amadurecimento da democracia. Na realidade, quanto mais firme e duradouro um sistema democrático - com instituições na plenitude de suas funções - maior prestígio goza a proteção jurisdicional. Assim, é próprio dos países civilizados estruturar e/ou organizar as principais formas de solução de conflitos sociais, por meio do Poder Judiciário.

A maior busca da proteção de direitos no Brasil, por meio do Poder Judiciário, foi significativamente ampliada a partir da entrada em vigor da atual Carta Magna. O Estado-Juiz assumiu responsabilidade ímpar na solução dos conflitos. Na maioria das vezes, os conflitos submetidos à apreciação do juiz envolvem ações ou omissões dos entes estatais. Assim, a partir de 1988 o Poder Judiciário passou a compor uma das mais importantes estruturas de solução de litígios sociais, sobretudo frente ao estado.

A evolução da busca da proteção estatal - junto ao Poder Judiciário - provocou a crescente especialização dos operadores do Direito e a diversificação e complexidade dos litígios. Ficaram mais evidentes os litígios penais, trabalhistas, comerciais, administrativos, tributários, ambientais etc. Direitos que não recebiam a proteção estatal passaram a ser discutidos na esfera jurisdicional.

Como visto, os direitos básicos - fundamentais - do homem sempre existiram no ordenamento jurídico brasileiro. O que mudou a partir de 1988 foi a possibilidade de melhor qualidade na proteção desses direitos junto ao Poder Judiciário.

Percebe-se, portanto, que os rudimentos, dados históricos e características do processo demandam maior profundidade na inves-

Page 161

tigação científica. A temática é palpitante e sedutora. Entretanto, será abordada, com maior carga de exclusividade, a tutela jurisdicional a partir das regras e princípios previstos no ECA. E no CPC, subsidiariamente.

A tutela administrativa individual e o sistema de punição dos adolescentes não serão examinados uma vez que guardam especificidades próprias e que merecem estudo diferenciado dos estreitos limites do presente trabalho. Assim, resta excluído o aprofundamento das discussões processuais mais específicas, sistema administrativo-punitivo e o sistema de aplicação das medidas sócio-educativas.

Observa-se no sistema brasileiro, duas grandes classes de direitos. Aqueles de conteúdo material; e aqueles de conteúdo processual. Os primeiros, por meio da lei, criam direitos e obrigações para as pessoas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT