A defesa no plano executivo fiscal

AutorPaulo Cesar Conrado
Páginas275-309
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Capítulo 9
A DEFESA NO PLANO EXECUTIVO FISCAL
9.1 Introdução
A especial presunção de que se investe o crédito fazen-
dário – decorrente não só de sua origem (ato administrativo),
mas também de sua exteriorização em documento que é le-
galmente definido como título executivo (Certidão de Dívida
Ativa) – não o coloca à margem de relativização.212
Assim, a despeito da afirmação, a priori, de que execução
fiscal é categoria que não se harmoniza com a ideia de ampla
defesa, é preciso tomá-la com certo cuidado.
É que, quando se fala que o pressuposto da Certidão de
Dívida Ativa repugna o exercício da ampla defesa, não se deve
concluir, com isso, que a obrigação subjacente àquele docu-
mento é absolutamente indiscutível. Longe disso!
É preciso diferençar, nesse contexto “veículo” e “con-
teúdo”, “meio” e “mensagem”: (i) o título (Certidão de Dívida
Ativa) representa, em nível executório, o “veículo/meio” pelo
212. “Art. 3º. (...)
Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por
prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.” (Lei n. 6.830/80).
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PAULO CESAR CONRADO
qual a obrigação de fundo se exterioriza; (ii) a obrigação, por
seu turno, deve ser vista como “conteúdo”, como “mensagem”,
portada por aquele documento. Dada a peculiar forma de pro-
dução do “veículo”, seu “conteúdo” reveste-se de especial pre-
sunção; não, porém, de intocabilidade: a obrigação (“conteúdo”
portado pelo “veículo”) pode ser alvo de reação do executado,
a quem se há de conferir, no ciclo executório, a prerrogativa de
impugná-la. Para tanto, deverá se valer de um “veículo” pró-
prio, expressamente identificado no sistema normativo: os em-
bargos previstos pelo art. 16, caput, da Lei n. 6.830/80.213
Antes, portanto, de se atribuir força peremptória à afir-
mação segundo a qual execução é categoria processual que
não se compagina com a ideia de ampla defesa, devemos ad-
mitir que a pretensão executiva é impugnável, sim, desde que
mediante o “veículo/meio” apropriado.
9.2 Embargos à execução
9.2.1 Natureza jurídica
Os embargos à execução, tomados como veículo pelo qual
o sujeito passivo da obrigação exequenda oferece resistência,
podem ser definidos como verdadeiro sucedâneo da figura da
contestação – modalidade usual, no âmbito cognitivo, para
oposição de resistência a uma dada pretensão. Só é possível,
no entanto, assim entendê-los (aos embargos), se os olharmos
a partir de seu conteúdo material;214 se tomados formalmente,
observando-se sua condição de “veículo/meio” de exterioriza-
ção de defesa, os embargos hão de ser definidos como proces-
so, ostentando, por essa perspectiva, autonomia formal relati-
vamente ao executivo fiscal.
213. “Art. 16. O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, conta-
dos: (...).”
214. Usando outros termos: os embargos, se vistos em seu núcleo (oposição à pre-
tensão executória), oficiariam, de fato, como “defesa”.
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EXECUÇÃO FISCAL
Considerados por esse último ângulo – o que significa de-
fini-los, insista-se, em função de sua dimensão formal, não por
seu conteúdo –, os embargos à execução fiscal podem (e de-
vem) ser vistos a partir das regras que disciplinam a formação,
o desenvolvimento e a extinção de todo e qualquer processo.
Vale dizer: como se passa com a generalidade dos processos,
também os embargos estariam vinculados à produção de um
específico veículo provocativo do Estado-juiz – a petição inicial.
De certo modo, portanto, falar de embargos significa falar
de exercício, pelo executado, do direito de ação. Diversamente
do que ocorre na generalidade dos casos, lembre-se, todavia,
que o direito de que falamos (o direito de ação de embargos,
repise-se) tende à veiculação de resistência, oficiando, pragma-
ticamente, como defesa. Por isso, aliás, sua identificação como
um direito secundário: seu exercício estaria sob a dependência
do prévio exercício de um “outro” direito de ação, justamente o
portado pela Fazenda Pública credora. Aí está a razão pela qual
se diz, amiúde, que a relação processual instrumentalizadora
do direito de ação de embargos é dependente de outra relação,
a executiva – tida, essa última, como principal, portanto.215
Sob outro viés, possível dizer que os embargos, como cate-
goria processual, incluir-se-iam no grupo das demandas cogniti-
vas, assim definindo-se uma vez que projetam tutela (sentença)
tendente ao reexame da obrigação estampada na Certidão de
Dívida Ativa. Mais: consideradas as situações ordinárias, pode-
mos acrescentar que os embargos, como canal de produção de
tutela cognitiva, buscariam a deflagração de um específico efeito
– a desconstituição da exigibilidade da obrigação exequenda.
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215. “Art. 736. (...)
Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, au-
tuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que
poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pes-
soal.” (Código de Processo Civil de 1973).
O correspondente desse dispositivo, no Código de Processo Civil de 2015, é o art.
art. 914.
216. Tanto em sua perspectiva objetiva (“desconstitui-se, total ou parcialmente, a
obrigação por força da inexigibilidade da prestação que lhe subjaz”), como

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