Defi nições e abrangência. A amplitude da lei

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani, Daniel Gemignani
Páginas48-95
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Q
3
DEFINIÇÕES E ABRANGÊNCIA. A AMPLITUDE DA LEI
Na primeira década do século XXI, o intenso desenvolvimento de novos meios te-
lemáticos e informatizados de acompanhamento e supervisão das atividades laborais
veio colocar em cheque o modelo legal, que até então priorizava a atuação direta e pre-
sencial como requisito necessário para possibilitar o controle de jornada, levando à
alteração do comando normativo anterior, com a promulgação da Lei n. 12.551/2011, que
conferiu nova redação ao art. 6º da CLT nos seguintes termos:
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos
da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equipa-
ram, para f‌i ns de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervi-
são do trabalho alheio. (marcas nossas)
Ao contemporizar os contornos da subordinação, positivando critérios próprios
para a conf‌i guração da subordinação remota, além de abrir novos caminhos para a caracte-
rização da subordinação estrutural(52), a referida lei conferiu ao conceito tradicional de
subordinação nova conf‌i guração jurídica, estabelecendo que os instrumentos telemáti-
cos de controle e supervisão em nada se diferenciam daquele tradicional contato
presencial entre o trabalhador e o empregador.
Ademais, veio exigir nova interpretação do disposto no inciso I do art. 62 da CLT,
ao estabelecer que esses novos meios telemáticos criam novas possibilidades de supervi-
são, tornando compatível o exercício da atividade externa com a f‌i xação e o controle de
cumprimento efetivo da jornada de trabalho.
Esta alteração legislativa teve impacto direto na atividade dos motoristas prof‌i ssio-
nais, cujo trabalho tem por característica essencial o fato de não se realizar de forma
presencial no estabelecimento do empregador, preparando caminho para o advento da
Lei n. 12.619/2012, que surgiu não só para disciplinar as especif‌i cidades de uma catego-
ria prof‌i ssional diferenciada, mas também para propor uma nova organização do sistema
protetivo trabalhista, que desborda os limites meramente contratuais para abranger todo
o entorno social em que se dá a prestação de trabalho.
Neste contexto, cumpre analisar qual a abrangência do sistema normativo que re-
gulamentou a atividade do motorista prof‌i ssional e, no aspecto, qual a extensão da Lei
Com base na Lei n. 12.619/2012, na 1ª edição deste livro f‌i xamos o posicionamento
de que, diferentemente do que poderia sugerir a literalidade do parágrafo único de seu
art. 1º, era necessário proceder à interpretação deste preceito em conformidade com o
seu caput, levando à conclusão de que a lei não excluiu os motoristas prof‌i ssionais não
(52) Subordinação estrutural, conceito definido por Mauricio Godinho Delgado na obra Direitos Fundamentais na
Relação de Trabalho — LTr Editora — São Paulo — 2006 — v. 70 — n. 6 — p. 667, reafirmado nas edições posteriores
da obra Curso de Direito do Trabalho — LTr Editora — São Paulo — constando da edição 11 — ano 2012 — na p. 298.
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empregados de sua regulamentação, dentre os quais o transportador autônomo de carga
(TAC), cuja atividade é regulamentada pela Lei n. 11.442/2007.
Sublinhamos, à época, que tal ocorria por se tratar de um estatuto prof‌i ssional pró-
prio, norma especial destinada a disciplinar toda a categoria dos motoristas prof‌i ssionais,
tanto autônomos quanto celetistas, que anteriormente estavam inseridos na norma geral
constante do inciso I do art. 62 da CLT.
Apesar de ter revogado o art. 1º da Lei n. 12.619/2012, o disposto na Lei n. 13.103/2015
corrobora a interpretação por nós sustentada na 1ª edição, isto é, de que a regulamenta-
ção da atividade do motorista prof‌i ssional é ampla, protegendo todos os que laboram
nesta atividade(53), como explicita seu art. 1º, que não fez qualquer distinção entre celetis-
tas e autônomos, in verbis:
Art. 1º É livre o exercício da prof‌i ssão de motorista prof‌i ssional, atendidas as condições e qualif‌i cações
prof‌i ssionais estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. Integram a categoria prof‌i ssional de que trata esta Lei os motoristas de veículos auto-
motores cuja condução exija formação prof‌i ssional e que exerçam a prof‌i ssão nas seguintes atividades
ou categorias econômicas:
I — de transporte rodoviário de passageiros;
II — de transporte rodoviário de cargas.
Acrescente-se a análise o disposto no art. 15 da Lei n. 13.103/2015 que, ao disciplinar
a f‌i gura do TAC Auxiliar (transportador autônomo de cargas auxiliar), aduz expressa-
mente que:
Art. 15. A Lei n. 11.442, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 4º
§ 3º Sem prejuízo dos demais requisitos de controle estabelecidos em regulamento, é facultada ao TAC a cessão
de seu veículo em regime de colaboração a outro prof‌i ssional, assim denominado TAC — Auxiliar,
não implicando tal cessão a caracterização de vínculo de emprego.
§ 4º O Transportador Autônomo de Cargas Auxiliar deverá contribuir para a previdência social de
forma idêntica à dos Transportadores Autônomos.
§ 5º As relações decorrentes do contrato estabelecido entre o Transportador Autônomo de Cargas e seu
Auxiliar ou entre o transportador autônomo e o embarcador não caracterizarão vínculo de emprego.
(marcas nossas)
À parte os inevitáveis questionamentos, que vem surgindo quanto à caracterização
do vínculo empregatício do Transportador Autônomo de Cargas Auxiliar, o certo é que
o novo texto passou a admitir expressamente a aplicação da lei ao transportador autôno-
mo de cargas, não havendo amparo para sustentar posição diversa.
Neste contexto, cabe menção a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.322,
ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres
(CNTTT), e em trâmite no STF, que advoga a aplicação ampla do referido preceito, na
mesma direção que sustentamos.
(53) No mesmo sentido, PASSOS, Edésio; PASSOS, André; NICOLADELI, Sandro Lunard; NASCIMENTO, Giovani. Norma-
tização do ato de dirigir por trabalhador subordinado in PASSOS, André, PASSOS, Edésio e LUNARD, Sandro
(Organizadores). Motorista Profissional: Aspectos críticos e apontamentos de inconstitucionalidade da Lei n. 13.103/2015:
com remissões à Lei n. 12.619/2012. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 33: “A Lei n. 13.103/2015 retira a referência ao
vínculo de emprego, ampliando o seu alcance subjetivo também para todos e quaisquer trabalhadores especializados na
condução de veículos, independentemente da atividade econômica desenvolvida pelo empregador, sejam esses trabalha-
dores empregados ou não, inclusive motoristas autônomos.” (grifos do original).
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Registre-se, por oportuno, que com base neste mesmo fundamento, insurgimo-nos
contra a aparente restrição contida no inciso I do art. 235-A, que preceitua:
Art. 235-A. Os preceitos especiais desta Seção aplicam-se ao motorista prof‌i ssional empregado:
I — de transporte rodoviário coletivo de passageiros;
II — de transporte rodoviário de cargas. (marcas nossas)
Vê-se, pois, que ao restringir a aplicação da lei apenas ao transporte rodoviário coleti-
vo de passageiros, poder-se-ia sustentar exclusão dos motoristas prof‌i ssionais que atuam
de forma diversa como, por exemplo, em serviços de táxi e locação de carro com motorista
(inclusive por meio de aplicativos como, e.g., Uber, Cabify, 99Taxi), entre outros em que o
transporte rodoviário não ocorra na modalidade coletiva, o que conf‌i guraria retrocesso
institucional e inconstitucionalidade f‌l agrante, por violação do disposto nos incisos IV do
A aplicação ampla da lei, conforme defendemos desde a 1ª edição desta obra, agora
encontra respaldo também na Emenda Constitucional n. 82/2014. Com efeito, ao acres-
centar o § 10 ao art. 144 da CF/88, reconheceu o constituinte derivado a importância da
segurança viária para garantir a “preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e de seu patrimônio nas vias públicas”, o que evidentemente abrange a atuação
de todos os motoristas prof‌i ssionais, independentemente da natureza jurídica do contra-
to existente.
Assim, concluímos pela ampla aplicação das normas que regulam a atividade do
motorista prof‌i ssional.
3.1. A APLICAÇÃO DA LEI E A CARACTERIZAÇÃO DE CATEGORIA
DIFERENCIADA
Nesta toada, claramente evidenciado o escopo legal de abarcar não só os motoristas
prof‌i ssionais que se ativam para transportadoras, como também todos os motoristas pro-
f‌i ssionais que se ativam para tomadores que exercem atividade preponderante diversa
daquela relacionada aos transportes, posto que referidos prof‌i ssionais integram categoria
diferenciada(54).
Logo, tem-se que as disposições legais protetivas incluem, também, os motoristas
prof‌i ssionais que exercem suas atividades em empresas que exploram outra atividade
econômica preponderante, haja vista a natureza peculiar da função desempenhada.
Conforme pontuamos desde a introdução deste livro, ao enfrentar antigas discus-
sões com novos olhares, a Lei n. 12.619/2012 teve o mérito especial de desnudar a relação
intrínseca que existe entre as questões referentes à duração da jornada e os tempos de
descanso com a preservação da higidez física e mental não somente do motorista prof‌i s-
sional, mas também de terceiros, usuários das rodovias e vias públicas, que com ele
compartilham o mesmo meio ambiente de trabalho, chamando atenção para a importân-
cia da precaução e abrindo novas perspectivas para as ações de prevenção de acidentes
de trabalho.
(54) Cabe aqui o registro de que houve o cancelamento da Orientação Jurisprudencial n. 315, da SBDI-1/TST, pela
Resolução n. 200/2015, para dispor que “é considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito de
empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de modo geral, não enfrenta o trânsito das
estradas e cidades.”.

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