Definindo precedentes

AutorGabriel Sardenberg Cunha
CargoMestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Advogado. Vitória/ES. E-mail: gabriel@sbhd.adv.br.
Páginas102-144
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 3. Setembro a Dezembro de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 102-144
www.redp.uerj.br
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DEFININDO PRECEDENTES1
DEFINING PRECEDENTS
Gabriel Sardenberg Cunha
Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES). Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Advogado.
Vitória/ES. E-mail: gabriel@sbhd.adv.br.
RESUMO: Sabe-se que o precedente, enquanto forma de justificação dotada da autoridade
de quem o promove, invariavelmente incide no fenômeno jurídico, especialmente no
particular da argumentação jurídica, e serve para, em maior ou menor grau, conformar o
julgamento de casos futuros análogos. Sob essa noção que outrora se firmou a máxima do
treat like cases alike, que serve de esteio racional para o sistema comumente designado de
stare decisis. Se, pois, é da natureza do precedente ser hábil a conformar, resta, porém,
saber-se de fato o que é um precedente; o que faz com que uma decisão judicial passada
seja materialmente um precedente para julgamentos futuros. É buscando responder essa
pergunta que este trabalho objetiva definir o precedente para ao final dizer-se que
precedente será aquela decisão na qual, no momento de sua interpretação pelo juízo futuro,
identifica-se: uma pretensão de universalidade calcada no princípio da universalidade do
imperativo categórico de Kant, e a ocorrência de um exercício interpretativo operativo
capaz de enriquecer as regras legais das quais se vale o direito positivo. Com esses dois
critérios permite-se identificar a quais decisões deve ser atribuída a qualidade de
precedente para, assim, ser possível sistematizar-se o modelo de precedentes judiciais
estatuído pelo Código de Processo Civil de 2015.
PALAVRAS-CHAVE: precedente, stare decisis; definição; universalidade; interpretação
operativa.
1 Artigo recebido em 24/04/2019 e aprovado em 27/08/2019.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 3. Setembro a Dezembro de 2019
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ABSTRACT: It is known that precedent, as a form of justification endowed with the
authority of those who pass it, invariably unfolds upon the juridical phenomenon,
especially regarding legal reasoning, and serves, to a greater or lesser extent, to conform
the ruling of analog future cases. Under this notion that it was once established the maxim
of treat like cases alike, which in turn serves as a rational mainstay for the system
commonly referred to as stare decisis. If, then, precedent’s ability to conform is a given, it
remains, however, to comprehend what is exactly a precedent; what makes a past court
decision be materially a precedent for future judgments. It is endeavoring to answer this
question that this essay aims to define precedent so as to ultimately assert that precedent
will be that decision in which, at the moment of its interpretation by the later judge, it is
identified: a pretension of universalizability based on Kant’s categorical imperative’s
principle of universalizability, and the occurrence of an operative interpretative exercise
capable of enriching the legal rules of which positive law avails itself. With these two
criteria one can identify to which decisions should be assigned the quality of precedent in
order to then be made possible to systematize the model of judicial precedents established
by the 2015’s Code of Civil Procedure.
KEY WORDS: Precedent; Stare decisis; Definition; Universalizability; Operative
interpretation.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Precedente: conceito e definição. 3 Teoria dos precedentes
normativos vinculantes. 4 A definição de precedente. 5 Precedente em sentido estrito e
precedente em sentido amplo. 6 A pretensão de universalidade. 6.1 Pretensão de
universalidade e conferência de unidade ao direito. 6.2 Pretensão de universalidade, Cortes
Supremas e Cortes de Justiça. 6.3 Pretensão de universalidade e racionalidade. 7 A
interpretação operativa. 7.1 Interpretação operativa e subsunção. 7.2 Interpretação
operativa e precedente existente. 7.3 Interpretação operativa e pretensão de
universalidade. 8 Conclusões. Referências bibliográficas.
CONTENTS: 1 Introduction. 2 Precedent: concept and definition. 3 Theory of normative
binding precedents. 4 The definition of precedent. 5 Precedent stricto sensu and precedent
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 3. Setembro a Dezembro de 2019
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lato sensu. 6 The pretension of universalizability. 6.1 Pretension of universalizability and
the granting of unity to law. 6.2 Pretension of universalizability, Supreme Courts and
Courts of Justice. 6.3 Pretension of universalizability and rationality. 7 The operative
interpretation. 7.1 Operative interpretation and subsumption. 7.2 Operative interpretation
earlier precedents. 7.3 Operative interpretation and pretension of universalizability. 8
Conclusions. Bibliographic references.
1 INTRODUÇÃO
O advento do Código de Processo Civil de 2015 certamente inaugurou girada
paradigmática que acolheu várias das novas tendências discutidas no terreno acadêmico da
processualística brasileira.
Uma das reformas apuradas é a expressa adoção de um modelo de precedentes
judiciais, que maturou as conhecidas noções de jur isprudência persuasiva e de
jurisprudência dominante e que verteu o novo regime processual para a tendente
aproximação entre as tradições da common e da civil law2.
Assim, parte o estatuto de uma declarada preocupação com a integridade e com a
coerência do entendimento dos tribunais. Preocupação esta que, oriunda da lógica de uma
teoria dos precedentes, encontra basilar fundamento na conferência, pela jurisdição, de
tratamento igual a casos também iguais (rectius: semelhantes) treat like cases alike -
como forma de imprimir racionalidade ao ordenamento a partir de razões universalizáveis
e como meio de agregar conteúdo ao texto normativo. Portanto, precisamente por isso que
o art. 926 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe que “os tribunais devem
uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
2 Conquanto não haja unanimidade no entendimento de que seria errônea a difundida noção de o Brasil ser
um país estritamente de civil law (quanto a essa d iscussão, cf. ZANETI JR., Hermes. A constitucionalização
do pr ocesso: o modelo constitucional da justiç a brasileira e as relações entre processo e constituição. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2014, p. 16-20 e p. 23), a doutrina, inclusive em dimensão internacional, acena
harmonicamente para uma crescente apro ximação entre as duas grandes tradições jurídicas ocidentais (cf.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: SAFE,
1999, p. 124; TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Trad. Chiara de Teffé. Civilistica.com, Rio
de Janeiro, a. 3, n. 2, 2014, p. 3; MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In:
MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (Eds.). Interpr eting precedents: a comparative study.
Abingdon: Routledge, 2016, p. 2 e ZANETI JR., Hermes. O va lor vincula nte dos precedentes: teoria dos
precedentes normativos formalmente vinculantes. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 354).

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