Delação Premiada

AutorHeráclito Antônio Mossin/Júlio César O.G. Mossin
Ocupação do AutorAdvogado criminalista/Advogado criminalista
Páginas29-235

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2. 1 Histórico e definição

A delação premiada é instituto de natureza penal, posto que se constitui fator de diminuição da reprimenda legal ou do perdão judicial, causa extintiva da punibilidade.

Como é conhecido, em consequência da fraqueza do Estado em combater de modo eficiente a criminalidade que se desenvolveu em âmbito nacional, essa cresceu, se desenvolveu de modo significativo, não só na multiplicidade de prática de delitos que ofendem gravemente bens jurídicos não só das pessoas, bem como do próprio Estado, como também houve a proliferação de pessoas delinquentes, que acabaram se juntando, formando grupos, se constituindo, dessa maneira, em autênticas organizações criminosas que estão se fortalecendo no correr dos tempos, enquanto que os Orgãos de combate à criminalidade estão se definhando, enfraquecendo, perdendo o minguado poder que tiveram ao longo dos tempos.

Em circunstâncias desse matiz, procurando combater essa fragilidade, a própria incompetência do Estado em reprimir as práticas delitivas, buscou-se uma alternativa, por sinal pouco recomendada, uma vez que obriga o aplicador do direito a conferir recompensa ao criminoso que denuncia seu comparsa, quer diminuindo sua pena na eventualidade de ser condenado, quer, de maneira extrema, conferindo-lhe o perdão judicial, que se constitui causa extintiva de punibilidade (art. 107, inc. IX, CP). O que se conclui é que o Estado se aliou ao delinquente para ambos lutarem em oposição à criminalidade.

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Dentro do quadrante em que estão sendo vertidas considerações que gravitam em torno da delação premiada, não escapou da observação do Desembargador Federal Tourinho Filho a seguinte crítica acre:

A delação (traição) premiada revela a incompetência do Estado na luta contra o crime, na ineficiência do sistema de persecução criminal. Vale-se, então, da fraqueza de caráter de determinados indivíduos. A delação premiada é a institucionalização da traição.27

De forma indubitável e deplorável, assiste-se diariamente por intermédio dos meios de comunicação, a negociata intensa entre os órgãos da persecução penal, notadamente afetos à Procuradoria da República e aqueles que estão sendo objeto de investigação criminal, sobre a promessa de prêmio diante da delação de seus comparsas, sem qualquer tipo de limitação e controle daquilo que se constitui a “defesa” do dedo-duro.

Isso ocorrendo, com toda a certeza, não estão os orgãos da perseguição do crime na fase pré-processual em coletar elementos sobre a prática delitiva e seus autores, coautores ou partícipes, por meio de profunda investigação, mas se abastecem na facilidade daquele que, censuravelmente, “entrega” seus parceiros de crime, procurando a obtenção de um prêmio.

Disso vai resultar, inexoravelmente, o surgimento de graves erros judiciários, porquanto se o agente se presta a delatar, a trair seu companheiro de crime, em busca de maior recompensa, que certamente também será objeto de incitação de orgãos investigatórios, ele irá apontar indevidamente mais do que efetivamente ocorreu, aconteceu. Não se pode esperar outra conduta, que não seja essa, daquele que promove a delação, porquanto se cuida de indivíduo cujo caráter e aspecto da personalidade responsável pela sua forma habitual e constante de agir que lhe é peculiar, enfim sua índole, sua concepção moral inexoravelmente viciosa, sem o resquício de qualquer virtude.

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É importante deixar registrado, uma vez que a delação premiada efetivamente existe, é uma realidade nacional, é um continuísmo daquilo que já ocorria na legislação reinol, notadamente no Código Filipino, que irá incidir, como já está efetivamente acontecendo, na qualidade de “muleta” auxiliar do Ministério Público, que o Poder Judiciário seja bastante equilibrado e diligente para medir e sopesar a verdade, a realidade e o alcance dessa “traição”, para não cometer erros judiciários de grande monta. A facilidade decorrente da confissão do delator para o magistrado formar sua persuasão racional, não só relativamente a ele, mas também em torno de demais corréus ou partícipes, nunca pode ser um instrumento simplista, mas o aplicador do direito deve verificar com todo o zelo e cuidado todos os elementos de prova que se encontram arrostados nos autos, para se convencer com segurança se procede a delação, a negociata do acusado com órgãos da perseguição criminal.

Aliás, o que está sendo asseverado tem ainda mais procedência a partir do momento em que se concebe que a delação, como novo meio de prova, é legítimo, porém não se pode perder de horizonte, que ele é “meio de prova imoral.”28Sob outro matiz analítico, não se pode perder de horizonte, que o delator ao entregar aquele que com ele praticou a infração típica (coautor), ou contribuiu para que ela se efetivasse (participação) confessa sua incursão delituosa, o que praticamente enseja sua condenação, salvo se essa admissibilidade não se revelar harmônica com os demais elementos de prova contidos nos autos, a teor do que se encontra normatizado no art. 197 do Código de Processo Penal (“O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”).

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Diante do dispositivo trasladado, o aplicador do direito por inter-médio de seu livre convencimento deverá fazer uma avaliação, em consonância com as provas arrostadas nos autos em decorrência da pertinente instrução processual.

Isso implica deixar afirmado, o que sempre será mantido no correr desta dissertação, que a confissão, diferentemente do que ocorria na Idade Média, quando prevalecia o sistema da certeza legal ou tarifaria, em cujo seio a confissão era a rainha das provas.

Assim sendo, sobrevindo absolvição, o prêmio advindo de sua denúncia perde integralmente sua eficácia, ficando registrado unicamente para autenticar a falta de lealdade que ele teve em relação a seu comparsa, pois que a recompensa em questão somente pode ser outorgada em caso de acolhimento da pretensão punitiva.

Do ponto de vista histórico, no que diz respeito ao surgimento da delação premiada no direito estrangeiro, o instituto se notabiliza na Itália, a partir de 1970, em que se procurou criar mecanismos para combater o terrorismo e a extorsão mediante sequestro, subversão da ordem democrática e sequestro com finalidade terrorista, propiciando uma apenação menos rigorosa a todos aqueles que cooperavam no combate a esse tipo de delito, tidos como “Colaboradores da Justiça”, desde que cumpridos os requisitos legais.

Nessa época a imprensa italiana criou o chamado “pentinismo”, com a precípua finalidade de indicar a figura penal que se encontrava encartada no art. 3º da Lei n. 304/82. Era assim apelidado o agente que, na vigência do processo penal, confessa sua própria responsabilidade em termos de prática delitiva, assim como provia às autoridades notícias úteis objetivando a reconstituição de fatos delituosos aliados notadamente ao terrorismo e a individualização das pessoas que envolveram na respectiva prática delitiva.

Já nos idos de 1980, na Itália, o instituto foi empregado e apelidado de Operação Mãos Limpas, cuja finalidade precípua era exter-

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minar com a máfia, sendo certo que em consonância com a legislação desse país, aquele que aceita colaborar com o desmantelamento de organizações criminosas tem como recompensa a redução da sanctio legis.

De um modo geral para efeito de cunho legislativo, o instituto abordado se encontra, na Itália, disciplinado pelo Código Penal, nos arts. 289bis (sequestro de pessoa com o fim de terrorismo ou subversão), inciso IV ( Il concorrente che, dissociandosi dagli altri, si adopera in modo che il soggetto passivo riacquisiti la libertà é punito com la reclusione da due a otto anni (...) e 630 (sequestro da pessoa com fim de extorsão), inciso IV (al concorrente che, dissociandosi dagli altri, si adopera in modo che il soggetto passivo riacquisiti la libertà, senza che tale resultado sia consequenza dell prezo della liberazionem si aplicano le pene previste dall’articolo 605 (...).”

Em complemento, as leis n. 304/82, 34/87 e 82/91, também contém disposições relativas à delação premiada.

Nos Estados Unidos, nos anos de 1960, o instituto foi introduzido por intermédio da Lei Ricco, sendo certo que a delação em espécie funciona por meio do conhecido Delação Premiada, compreendendo um acordo entre o Ministério Público e o réu no que concerne à redução da pena quando houvesse condenação, que, posteriormente para que produza seus reais efeitos, deve ser homologado pelo juiz.

De se deixar assentado, posto que conveniente, que o órgão do Ministério é quem dirige a investigação policial, decidindo pela propositura ou não da ação...

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