A delação premiada na operação Lava-Jato

AutorMaria Alice Franco Logrado
CargoAcadêmica de direito
Páginas126-135

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Instrumento jurídico utilizado no combate aos ilícitos cometidos por agentes públicos e organizações criminosas, o benefício concedido ao réu em ação penal possibilita redução da pena

A delação premiada, ou colaboração premiada, como também é conhecida, encontra-se regulamentada, no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei 12.850/13. Trata-se de uma técnica de investigação criminal na qual o Estado oferece benefícios àquele que prestar informações úteis para elucidação de determinado fato delituoso. Atualmente, a delação premiada é um dos institutos jurídicos mais comentados, sendo que sua notoriedade se deve em grande parte às informações divulgadas na mídia acerca da operação Lava-Jato.

Referida iniciativa é fruto de uma força-tarefa da Polícia Federal que investiga o maior caso de corrupção de que até então se tomou conhecimento no Brasil, envolvendo o mais alto escalão da política, empreiteiros e doleiros, contando até o presente momento com 163 delações, segundo dados do Ministério Público Federal1.

Apesar de sua ampla utilização, há juristas que abominam referido instituto por entenderem que o Estado está institucionalizando a "traição", e fundamentando a condenação nas palavras de outro não menos criminoso, conforme será demonstrado no decorrer do trabalho. Esta parcela de entendimento também sustenta que delator e delatado, apesar de terem cometido o mesmo crime, possuirão tratamento penal diferenciado, na medida em que o delator poderá ter sua pena reduzida ou até mesmo perdoada, o que não se coaduna com o princípio fundamental da igualdade, adotado pela Constituição Federal.

Em que pesem os entendimentos contrários, é cediço que os maiores avanços obtidos pela opera-ção Lava-Jato decorreram das delações, haja vista a dificuldade de se investigar os famosos crimes de "colarinho branco", principalmente porque envolvem políticos e empresários.

1. Origem histórica da delação premiada

A delação premiada é um dos principais mecanismos de prova utilizados na operação Lava--Jato, e sua origem histórica remonta à Idade Média, durante o período da Inquisição (PaRanaguá, 2014).

Durante a Inquisição, a confissão espontânea do comparsa possuía menor valor que daquele que confessava sob tortura. Entendia-se que o corréu, confessando de forma espontânea, possuía maior inclinação em mentir em desfavor do outro do que o torturado. Assim, era melhor vista a confissão mediante tortura.

Segundo Badaró2, "na Inquisição, a ideia era de que o autor do crime era inimigo do inquisidor, portanto ele podia usar todos os poderes para obter uma confissão, inclusive utilizando tortura".

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No ordenamento jurídico brasileiro, a delação premiada surgiu pela primeira vez nas Ordenações Filipinas (1603-1807), que traziam um livro específico sobre a delação premiada, sob a nomenclatura de colaboração premiada, ao tratar do crime de falsificação de moedas. Sendo assim, aquele que "desse prisão" a outro, poderia ser perdoado, independentemente se o acusado estivesse envolvido no crime em tela ou cometido outro crime (BadaRó apud BeRmudez, 2017).

A DELAÇÃO PREMIADA SURGIU PELA PRIMEIRA VEZ NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS (1603-1807), QUE TRAZIAM UM LIVRO ESPECÍFICO SOBRE A COLABORAÇÃO PREMIADA, AO TRATAR DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE MOEDAS

Ainda no que se refere a esse período, a delação premiada também se fez presente em outros momentos histórico-políticos, como na conjuração mineira de 1789, em que o conjurado coronel Joaquim Silvério dos Reis foi perdoado de suas dívidas pela Fazenda Real em troca da delação de seus colegas, os quais foram presos e acusados do crime de lesa-majestade, ou seja, traição cometida contra a pessoa do rei. Acerca deste episódio histórico, elucida Cardoso:

No Brasil a delação premiada surgiu ainda na época em que o país era uma colônia de Portugal. Foi no ano de 1789, no caso da inconfidência Mineira (Mota, 1991ª, p. 8), na capitania de Minas Gerais que o Coronel Joaquim Silveiro Reis delatou todos envolvidos em um plano separatista idealizado por Tiradentes, com o objetivo de superar as altas taxas da Coroa Portuguesa ao Brasil.

O benefício oferecido a Silvério foram isenções fiscais, posses e nomeações. Na época Tiradentes assumiu a culpa, inocentando todos os envolvidos, sendo posteriormente enforcado e esquartejado, por isso, atualmente Tiradentes é tido como um herói pela história e o coronel Silvério um dos maiores traidores (CardoSo, 2015).

Referido instituto também esteve previsto no Código Criminal de 1830.

Mais tarde, durante a ditadura militar (1964-85), a delação foi usada de forma reiterada a fim de se descobrirem supostos criminosos, ou seja, aqueles que estavam contra o regime militar3.

Com a redemocratização, diversas leis passaram a prever o instituto, a saber: Lei 8.072/90 - Crimes Hediondos; Lei 7.492/86 - Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; Lei 8.137/90 - Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária; Lei 9.269/96 - nova redação ao § 4º do art. 159 do Código Penal; Lei 9.613/98 - Da Lavagem de Capitais; Lei 9.087/99 - De Proteção às Vítimas e Testemunhas; Lei 11.343/06 - Lei de Drogas; Lei 12.850/13 - Das Organizações Criminosas.

1.1. Delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro

A delação premiada é um instrumento jurídico utilizado no combate aos crimes cometidos em concurso de agentes ou organizações criminosas, pelo qual um membro do grupo fornece informações que ajudam nas investigações. Esse instituto vem se desenvolvendo e ganhando notoriedade em virtude da ineficiência do Estado em investigar e punir tais crimes.

A doutrina pátria conceitua a delação premiada como as informações prestadas por um acusado, que facilitam a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e que ensejam o perdão judicial ou a redução da pena do delator, conforme lições de aqcuaviva (2008, p. 168):

Expressão do jargão forense que denomina conjunto de informações prestadas pelo acusado que, favorecendo a identificação dos demais coautores ou participes do crime, a localização da vítima e a recuperação total ou parcial do proveito do crime, enseja o perdão judicial do delator ou a redução da pena.

Analisando por outro viés, Nucci vê a delação como um "dedurismo" institucionalizado pelo Estado, e um "mal necessário" frente ao aumento contínuo da criminalidade e da complexidade das organizações criminosas, conforme o entendimento abaixo transcrito:

É o dedurismo oficializado, que, apesar de moral-mente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade (2010, p. 778).

Já Damásio de Jesus (2005) conceitua da seguinte maneira:

Incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu inter-

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rogatório (ou em outro ato). "Premiada", porque, incentivado pelo legislador, é concedido um prêmio para o delator, que acaba por resultar-lhe em benefícios, como por exemplo, a redução de pena, o perdão judicial, a aplicação de regime penitenciário brando.

De acordo com os conceitos trazidos, depreende-se que, para o reconhecimento da delação premiada, o crime deverá ter sido praticado em pluralidade de agentes, no qual o delator se declara culpado, acarretando sua autoincriminação, mas obtém um prêmio, consistente na redução da pena ou até mesmo no perdão judicial.

No Brasil, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, que dispõe sobre as organizações criminosas, a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, prevê no artigo 3º, inciso I, a colaboração premiada como um meio de obtenção de prova nos crimes cometidos por organizações criminosas, e os artigos que se sucedem trazem os procedimentos a serem observados, conforme se transcreve, in verbis:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

O artigo 4o, § 6o, da lei em análise dispõe que o juiz não participará do acordo de delação premiada, haja vista que este será realizado entre acusado, defensor e Ministério Público, ou delegado de polícia, ouvido o Ministério Público. Ao magistrado caberá analisar somente se estão presentes os requisitos para homologação do acordo, consoante § 7º do mesmo dispositivo. A 5a turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 84.609, já se posicionou no sentido de que, presentes esses requisitos, "sua incidência é obrigatória".

Por outro turno, caberá ao juiz avaliar o benefício cabível de acordo com a colaboração do acusado. Nos termos da supracitada lei, o delator poderá ser absolvido por meio do perdão judicial, ou, se condenado, ter sua pena reduzida em até 2/3 (a lei...

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