A delegação para alienação de bens por particulares no direito italiano: reflexões com vistas ao debate da desjudicialização da execução civil no Brasil

AutorCamilo Zufelato e Lucas Vieira Carvalho
Páginas357-385
A DELEGAÇÃO PARA ALIENAÇÃO DE BENS
POR PARTICULARES NO DIREITO ITALIANO:
REFLEXÕES COM VISTAS AO DEBATE
DA DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO CIVIL
NO BRASIL
Camilo Zufelato
Livre docente e doutor pela USP. Professor-Associado de Direito Processual Civil da
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. Advogado.
Lucas Vieira Carvalho
Mestrando e graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP; Advogado.
1. INTRODUÇÃO
A desconcentração dos procedimentos executivos por parte do Poder Judiciário
é uma proposta que vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, espe-
cialmente em face do Projeto de Lei 6.204/19, que prevê a possibilidade de encargo de
sujeitos particulares – e fora da estrutura judiciária – para coordenar atos executivos.
Essa discussão também encontra paralelos em ordenamentos jurídicos estran-
geiros, com destaque para o italiano. Desde os anos 1990, a doutrina italiana vem
propondo formas possíveis de desjudicializar atos executivos a f‌im de torná-los mais
ef‌icientes, competitivos e incisivos. Essas discussões levaram à alteração do Código
de Processo Civil italiano em 1998, com o acréscimo do art. 591-bis que possibilita a
delegação das operações de venda de bens expropriados judicialmente a particulares.
Por meio desse instituto, que após algumas reformas essenciais assumiu um
caráter praticamente obrigatório e não mais facultativo, o Código de Processo Civil
italiano determina que as providências para as vendas dos bens imóveis e dos bens
móveis registráveis sejam desenvolvidas necessariamente por pessoas que não es-
tejam na estrutura do Judiciário, cabendo ao juiz da execução1 o poder de controle
1. No processo civil italiano, diversamente do brasileiro, no qual um mesmo juiz é encarregado da fase de
conhecimento e execução, há a divisão entre as f‌iguras do “giudice ordinario” e do “giudice dell’esecuzione”,
que, de acordo com o artigo 484 do Código de Processo Civil Italiano é responsável por dirigir a fase de
expropriação. Segundo a doutrina especializada, a f‌igura de um juiz específ‌ico para execução se volta para
o desempenho de atividades materiais voltadas a tornar o resultado da expropriação forçada mais rápido e
ef‌icaz. SOLDI, Anna Maria. Manuale dell’esecuzione forzata. 2 ed. Milano: CEDAM, 2009, p. 13. A Corte de
Cassação italiana, equivalente em linhas gerais ao Superior Tribunal de Justiça brasileiro, def‌iniu, por ocasião
do julgamento da sentença 5.697 de 22 de dezembro de 1977, que o poder conferido ao juiz da execução pelo
ordenamento jurídico italiano é de direção do processo executivo, concretizado por meio do cumprimento
de atos executivos e da emanação de ordens para a execução destes, que se somam ao posterior controle
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e f‌iscalização quanto às atividades que esses indivíduos desenvolverão no decorrer
da delegação.
Embora as atividades passíveis de delegação pelo ordenamento jurídico italiano
não abarquem a totalidade da fase executiva, o confronto do instituto, dos sujeitos
delegáveis e das próprias atividades que lhes são incumbidas, podem contribuir para as
atuais discussões de desjudicialização dos atos executivos no processo civil brasileiro.
Por f‌im, ainda em um contexto de desjudicialização da execução no direito
comparado, a despeito do presente artigo ter como f‌inalidade a análise da delegação
das operações de venda a particulares no direito italiano, não se desconhecem as ini-
ciativas de outros ordenamentos jurídicos estrangeiros também no presente sentido,
a exemplo do direito português e o francês, as quais, contudo, não serão abordadas
neste escrito. Enquanto o direito francês investe o huissier de justice do encargo das
tarefas envolvendo a fase de execução, o direito português implementou a f‌igura do
agente de execução. Em ambos os casos, assim como no direito italiano, trata-se de
um agente externo ao Poder Judiciário, encarregado do acompanhamento da fase
de execução, variando o nível de responsabilidade e a extensão das tarefas passíveis
de realização por cada um deles2.
2. A DELEGAÇÃO ENQUANTO MEDIDA DE DESJUDICIALIZAÇÃO DA
EXECUÇÃO NO DIREITO ITALIANO
A ideia de desjudicialização da execução, no direito brasileiro, traz diversas
interpretações e complicações, mas pode ser essencialmente encarada como a
desconcentração dos atos da execução do Poder Judiciário, alocando-os a terceiros
externos.3 Nessa classif‌icação, o foco é direcionado à f‌igura do Poder Judiciário e não
de legitimidade e adequação de tudo aquilo que for praticado durante a fase de execução. Texto original:
“Il potere conferito dal vigente ordinamento processuale al giudice dell’esecuzione, al f‌ine di pervenire al
soddisfacimento dei creditori procedenti o intervenuti, è un potere di direzione del processo esecutivo,
che si concreta nel compimento della serie successiva e coordinata degli atti che lo costituiscono, e cioè
nel compimento diretto di atti esecutivi e nell’ordine, ad altri impartito, di compimento di atti esecutivi,
nonché nel successivo controllo della legittimità ed opportunità degli atti compiuti, con il conseguente
esercizio del potere soppressivo e sostitutivo, contenuto nell’ambito e nei limiti segnati dalle norme di
rito che disciplinano il processo executivo [...]”. CASSAZIONE, Sentenza n. 5697 del 22 dicembre 1977.
Disponível em: https://www.avvocato.it/massimario-32648/. Acesso em 15 jul. 2021.
2. Neste sentido, alguns estudos da doutrina pátria: THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico.
Novas perspectivas para atuação da tutela executiva no direito brasileiro: autotutela executiva e “desjudicia-
lização” da execução. Revista de Processo. v. 315, p. 109/158. maio. 2021; GAIO JUNIOR, Antônio Pereira.
Execução e desjudicialização: modelos, procedimento extrajudicial pré-executivo e o PL 6.204/2019. Revista
de Processo. v. 306. p. 151-175. ago. 2020; THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas codif‌icações francesa
e portuguesa e a desjudicialização da execução forçada. In: MEDEIROS NETO, Elias Marques; RIBEIRO,
Flávia Pereira (Coord.). Ref‌lexões sobre a desjudicialização da execução civil. Curitiba: Juruá, 2020; RODRI-
GUES, Marco Antonio; RANGEL, Rafael Calmon. O procedimento extrajudicial pré-executivo lusitano
(PEPEX): algumas lições para o sistema brasileiro. Revista de Processo. v. 282. p. 445/471. ago. 2018.
3. CILURZO, Luiz Fernando. A desjudicialização na execução por quantia. São Paulo, 2016, Dissertação (Mes-
trado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 29.
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