Delegado de polícia deve viabilizar acordo de não persecução penal

A lei 13.964/19, mais conhecida por “Pacote Anticrime”, trouxe em seu bojo diversas atualizações legislativas, todas elas com sua importância para o sistema jurídico penal brasileiro.

Acerca das inovações trazidas, traz perplexidade o fato de não haver abordagem direta ao inquérito policial, já que esta ferramenta é o principal instrumento de investigação existente no país e, como regra, indispensável à propositura de uma ação penal justa.

Ademais, a investigação criminal, por representar um importante filtro contra acusações infundadas e temerárias, é instrumento essencial à administração da justiça[1], perdendo o legislador uma oportunidade de ir além.

Ainda que disposições diretas atualizadoras não tenham vindo, necessário que o operador do direito, no caso o Delegado de Polícia, utilize toda a sistemática da atual legislação para compatibilizar a investigação criminal aos princípios e direitos constitucionais e convencionais conferidos aos envolvidos durante o inquérito policial, motivo pelo qual entendemos com importante a abordagem do tema.

No que toca ao acordo de não persecução penal, trata-se de verdadeiro instituto despenalizador, viés de política criminal tipicamente humanizadora, com característica nítida de uma prática restaurativa permitindo, quando for o caso, um olhar voltado para a vítima conforme se verifica do art. 28-A, I do CPP.

Analisando o acordo sob o enfoque principiológico, não restam dúvidas que o novel instituto mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal nas infrações de médio potencial ofensivo, desde que estejam presentes os requisitos do caput do art. 28-A do CPP, bem como não esteja o agente inserido em nenhuma das situações previstas no § 2° do mesmo artigo.

Saliente-se, ainda, que nos termos dos incisos do art. 28-A estão os efeitos do ato impostos pela lei para a realização do acordo, em rol exemplificativo, conforme o inciso V, senão vejamos: “cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada”.

Guilherme de Souza Nucci[2] aponta que o acordo de não persecução penal deverá funcionar antes do ingresso da ação penal em juízo, não envolvendo uma transação penal, já que esta é aplicada para infrações penais de menor potencial ofensivo. Ainda conforme o autor, não se trata do “instituto do plea bargain” conferindo-lhe caráter de acordo definitivo, sem o devido processo legal, pois seria questionada sua constitucionalidade.

Rogério Sanches Cunha[3], por sua vez, conceitua o instituto como o

“ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado”.

Diante do apresentado, o acordo de não persecução parece não impactar diretamente na atividade do Delegado de Polícia, pois trata-se, nos moldes do art. 28-A e seu § 3°, de ato, frise-se, “firmado” pelo membro do Ministério Público.

Neste diapasão, é possível inferir que “firmado” é sinônimo de “acordado”, restando a seguinte indagação: é possível equiparar esse ato da justiça penal consensual a um negócio jurídico processual? A resposta que se impõe é negativa.

A uma porque negócio jurídico possui seus efeitos amplamente produzidos de acordo com a vontade das partes, desde que não seja proibido e que seja exequível. Trata-se de ato jurídico em sentido estrito porquanto possui seus efeitos jurídicos definidos em lei[4], conforme elenco dos efeitos previsto no art. 28-A do CPP.

Entendemos que se trata de um ato processual porque regido pelas normas do processo penal, como acorre com a colaboração premiada [5] firmada pelo Delegado de Polícia que, não obstante sequer exista processo, à luz da teoria do processo como relação jurídica, é denominada de negócio jurídico processual.

Assim sendo, o acordo de não persecução penal é um ato jurídico stricto sensu processual e verdadeiro direito subjetivo do indiciado, conforme abordaremos adiante.

Em uma leitura açodada não haveria de recair nenhum dever ao Delegado de Polícia quanto a eventual orientação do indiciado acerca da possibilidade de propositura do acordo de não persecução penal pelo agente fiscal. Neste sentido, muito menos poderá atender a qualquer requisição do agente ministerial para este fim.

Contudo, o Direito Processual Penal brasileiro, há tempos, vem adotando ferramentas de promoção à justiça penal negocial, e não é por outra razão que a lei já autorizou outros institutos para esse fim como a transação penal, conciliação, mediação e a suspensão condicional do processo.

Não obstante a colaboração premiada ser conceituada como um negócio jurídico processual (e um meio de obtenção de prova - ou seja, uma técnica especial de investigação criminal), sedimentou-se a...

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