Demandas da vida real envolvendo a utilização de células-tronco

AutorSuiá Fernandes de Azevedo Souza
Páginas110-117

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É notório1 que nos últimos 50 anos a bioética gerou inúmeras polêmicas. Como não poderia ser diferente, no âmbito jurídico, igualmente cresceu o debate em torno do chamado “biodireito”. De um lado, setores mais conservadores e, do outro, os que defendem a liberdade científica. O foco do problema era o embate entre desenvolvimento das pesquisas com células-tronco e o respeito aos princípios da Constituição Federal. Nesse aspecto, nota-se que a providência que mais chamou a atenção foi a promulgação, em 2005, da Lei de Biossegurança, de grande importância para os juristas. Entretanto, vale ressaltar que, muito antes desta lei, os tribunais vêm apresentando soluções, através dos seus julgados, aos casos do cotidiano envolvendo células-tronco, pois, como diz o brocardo romano, ubi societas, ibi jus.

Assim, tendo em vista a contribuição do Direito para a sociedade contemporânea, é que se desenvolveu o presente estudo, no sentido de mapear e sistematizar a solução dos tribunais, tendo por base principal sua jurisprudência.

Do resultado dessa coleta, fez-se uma reunião de todos eles e, posteriormente, os dividiu em categorias, conforme o pedido de provimento jurisdicional. Ressalte-se que, tal distinção foi possível principalmente pela divisão de competência dos tribunais estabelecida na Constituição Federal.

Dessa divisão, surgiram três categorias: a do “Direito à saúde”, a da “Defesa do Patrimônio Genético brasileiro” e do “Debate constitucional”2.

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Assim, depois de reunidas as características comuns entre os acórdãos, pôde-se estabelecer os parâmetros utilizados pelos magistrados e destacar a contribuição dos mesmos à ciência jurídica.

A primeira categoria foi denominada de “Direito à saúde” por suas características materiais e processuais. Foram julgados nos Tribunais Federais da 4ª Região (abrangendo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) e da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) no ano de 2006 e tinha no pólo passivo a União, um Estado-membro ou empresas de Planos de Saúde. Quanto aos dois primeiros entes, pleiteou-se a complementação ou a integridade do valor para a viabilização de cirurgia de transplante de células-tronco em hospitais distantes da residência dos enfermos.

Em geral, os casos dessa categoria tinham por objeto a inclusão do doente (autor da ação) em tratamentos experimentais, envolvendo ciclos de quimioterapia, radioterapia, conjugados e combinados com injeção de células-tronco. Para se chegar ao ponto de recorrer ao Judiciário, o enfermo encontrava-se na fase mais avançada do tratamento, qual seja, o transplante para recebimento de células-tronco de cordão umbilical.

Como argumento de defesa, em todos os casos esteve presente o disposto no art. 196 da Constituição, qual seja, a do Estado de prover condições plenas de acesso à saúde de tratamentos e medicamentos. Além do mais, a escolha de procedimentos experimentais seria uma tentativa desesperada por parte do autor em busca da cura de sua doença.

Do outro lado, os entes públicos se defendiam com a impossibilidade de pagamento de um tratamento experimental individual, frente à tutela da coletividade. Argüia-se, igualmente, que a assistência à saúde está fundada em recursos orçamentários predefinidos e não poderia ser modificada por casos isolados.

Com esses argumentos, notou-se que houve uma clara divisão por parte dos julgadores.

De um lado, deferiam o pedido autoral com base no art. 23, II da Constituição Federal e na razoável disponibilidade de meios pelos quais os autores seriam transportados aos hospitais para tratamento.

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Por outro, viam que, mesmo levando em consideração a responsabilidade solidária dos entes públicos em prover o acesso à saúde, em muitos deles não se encontrou verossimilhança na gravidade do estado de saúde alegado nos autos e nos laudos médicos.

Em suma, percebe-se que, no tocante ao custeio de transporte e tratamento de doenças com células-tronco, falta nos magistrados um amadurecimento no entendimento, posto estar dos dois lados a Constituição da República.

Ainda incluída nesta categoria está a problemática envolvendo o custeio de tratamento com células-tronco pelas empresas privadas de...

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