Democracia, Constituição e Relações Exteriores: o papel do Direito e da Cidadania no Contexto do Novo Constitucionalismo Latino-Americano

AutorSérgio Urquhart Cademartori - José Alberto Antunes de Miranda
CargoCentro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil - Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil
Páginas93-124
Democracia, Constituição e Relações Exteriores:
o papel do Direito e da Cidadania no Contexto do
Novo Constitucionalismo Latino-Americano
Democracy, Contitution and Foreign Relations: the role of Law and
Citizenship in the New Latin American Constitutionalism Context
Sergio Urquhart Cademartori
Centro Universitário La Salle, Canoas – RS, Brasil
José Alberto Antunes de Miranda
Centro Universitário La Salle, Canoas – RS, Brasil
Recebido em: 26/09/2015
Revisado em: 13/11/2015
Aprovado em: 09/03/2016
Resumo: Estudos de Direito Constitucional apre-
sentam o Constitucionalismo como um processo
de evolução linear. Ora, nem sempre essa mesma
evolução é encontrada nos países do terceiro mun-
do, como é o caso dos países da América Latina. A
relação entre o Novo Constitucionalismo Latino-
-Americano e democracia surge no centro dos de-
bates acadêmicos suscitando a questão central de
saber até que ponto a soberania popular pode es-
gotar todo o seu exercício de legitimação do poder
em um texto constitucional. Caso emblemático é o
das normas explicitamente voltadas para orientar
as relações externas do país que estabelecem prin-
cípios balizadores da ação do Estado, disciplinan-
do os procedimentos e competências institucio-
nais dos diferentes agentes, organismos e poderes
públicos envolvidos na questão. Os Ministérios
das Relações Exteriores permanecem refratários a
essas influências, mas os movimentos sociais bus-
cam alianças com setores do Estado que também
querem mais espaço na agenda diplomática.
Palavras-chave: Constituição. Democracia.
Relações Exteriores. Novo Constitucionalismo
Latino-Americano.
Abstract: The rules explicitly aimed to guide
the external relations of a country established
principles of the state action, regulating the
procedures and institutional responsibilities of
the different actors, organizations and public
authorities involved in the issue. Constitutional
Law studies have Constitutionalism as a linear
evolution process, this same evolution is not always
found in third world countries, as is the case of
Latin America. The relationship between the New
Latin American Constitutionalism and democracy
appears in the center of academic debates raising
the central question of the extent to which popular
sovereignty may exhaust all his legitimacy power
of exercise in a constitutional text. The formulation
process of external relations has changed, with
more and more groups within the Latin American
society pushing for representation of their interests.
The Ministries of Foreign Affairs remain refractory
to these influences, but social movements seek
alliances with state sectors that want more space on
the diplomatic agenda.
Keywords: Constitution. Democracy. Foreign
Affairs. New Latin American Constitutionalism.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n72p93
94 Seqüência (Florianópolis), n. 72, p. 93-124, abr. 2016
Democracia, Constituição e Relações Exteriores: o papel do Direito e da Cidadania no Contexto do
Novo Constitucionalismo Latino-Americano
1 Introdução
A constituição deve ser considerada como uma norma não desvin-
culada da realidade e do meio social: na medida em que o direito é uma
realização de fins considerados úteis e desejados como necessários, deve
aquela partir da realidade empírica como pré-condição para atingimento
de suas metas – este é o modo de funcionamento de uma constituição di-
rigente.
O propósito desse artigo é saber até que ponto a democracia e as
normas constitucionais existentes representam efetivamente um conjunto
significativo capaz de referenciar e organizar – internamente ao âmbito
do Estado e da participação da sociedade – as ações voltadas para o de-
sempenho das relações exteriores, no âmbito do chamado novo constitu-
cionalismo latino-americano.
Como regra geral, tais relações são vistas fundamentalmente en-
quanto decorrência da política externa governamental e das influências
que ela sofre dos diferentes segmentos da sociedade. Em função dessa
perspectiva administrativista de tratamento da inserção do Estado na co-
munidade internacional, a política exterior tem manifestado, conceptual e
historicamente, uma contumaz resistência à penetração, participação e o
controle democráticos (DALLARI, 1994, p. 15).
O conjunto de relações externas de um país é determinado a partir
de procedimentos complexos, que envolvem inúmeros parâmetros fixa-
dos por agentes distintos. Dessa forma, determinados organismos públi-
cos, entidades privadas, organizações não governamentais, enfim uma
quantidade grande de agentes, a partir de determinados critérios, valores,
interesses e objetivos próprios, procura intervir no processo decisório
acerca da inserção do país no quadro das relações internacionais.
Para este estudo, realizou-se revisão bibliográfica e análise docu-
mental de material disponibilizado nos sites governamentais de países
que são representativos nos avanços da democracia e da participação ci-
dadã e no que diz respeito ao papel do direito e da cidadania a partir do
novo constitucionalismo latino-americano no campo da relação democra-
cia, constituição e relações exteriores.
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Sergio Urquhart Cademartori – José Alberto Antunes de Miranda
2 Democracia e Relações Exteriores
As ações de relações externas de um país resultam de um somatório
de variáveis econômicas e políticas e não de variáveis excludentes entre
si, além da consideração das determinações estruturais e conjunturais.1
Isso nos leva a refletir sobre o estatuto teórico-político da política ex-
terna: constitui a mesma uma política de governo ou uma política de Es-
tado? Em princípio, considera-se que a política externa represente os inte-
resses nacionais (ou os interesses permanentes), realizando, portanto, uma
política de Estado. Por isso, se diz que nessa espécie de política uma
relativa continuidade. Em relação aos governos, ressalva-se o surgimento
de algumas mudanças de estilo ligadas à personalidade e ao estilo individu-
al dos atores, bem como de adequação aos constrangimentos conjunturais.
A ide nti fica ção m ais a cur ada d o pro cess o de t omad a de de cis ão em
política externa mostra-se fundamental para a captação da complexidade
das decisões tomadas, que são influenciadas por interesses estratégicos de
inúmeros indivíduos e grupos afetados pela atuação internacional de seus
Estados, tanto no executivo desses países como no legislativo e nos grupos
de interesse.2 As decisões internacionais do Estado geram efeitos distribu-
tivos domésticos, podendo alterar o equilíbrio de forças interno e afetar a
maximização de ganhos por tais indivíduos e grupos, como seu desempe-
nho em processos eleitorais, por exemplo (HUDSON, 2005, p. 11-13).
Segundo Snyder, Bruck e Sapin (1962), na análise do processo de-
cisório, o objeto de estudo deixa de ser o Estado, enquanto entidade abs-
trata, passando para a avaliação dos grupos ou seres humanos que tomam
as decisões em nome do Estado.3
1 A política externa é constituída por um conjunto de iniciativas que emanam do ator
estatal, tendo em vista mobilizar para o serviço o máximo de fatores disponíveis tanto no
ambiente interno como no ambiente externo (MERLE, 1992, p. 18).
2As ações de política externa não podem ser compreendidas sem a apreciação das suas
fases de implementação as quais são tão importantes quanto o processo decisório, se
observarmos que os resultados são com frequência diferentes das intenções originais
(HILL, 2003, p. 51).
3 A maior contribuição de Snyder, Bruck e Sapin (1962) para os estudos de política externa
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