Democracias constitucionais em crise: mapeando as estratégias institucionais que levam à erosão democrática

AutorLucas Azevedo Paulino
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, Brasil
Páginas274-309
Democracias constitucionais em crise:
mapeando as estratégias institucionais que
levam à erosão democrática1
Constitutional Democracies in Crisis: mapping the
institutional strategies that lead to the democratic erosion
Lucas Azevedo Paulino*
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil
1. Introdução
Democracias constitucionais estão em crise ou sob stress pelo mundo2. As
instituições democráticas pluralistas – tais como imprensa livre, sociedade
civil e o estado de direito – estão sob o ataque de líderes eleitos em países
como Venezuela, Rússia, Turquia, Hungria, Filipinas e Polônia. Mesmo em
países com democracias mais consolidadas – como Estados Unidos, Ín-
dia, Japão e Israel – existe a preocupação, em alguma medida, de que tais
regimes não estariam funcionando tão bem como no passado. Com um
líder com pretensões hegemônicas ou um aspirante a autocrata no poder,
instituições democráticas permanecem nominalmente, mas são esvaziadas.
Embora muitas vezes a competição eleitoral continue ocorrendo, os ad-
1 Artigo produzido durante o Doutorado Sanduíche (2018/2) na Universidade de Harvard
financiado por bolsa de estudos da CAPES.
* Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Pesquisador Visitante (Visiting Fellow) na Universidade de Harvard (Doutorado Sanduí-
che). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais, na área de concentração Teoria Constitucional, Direitos Humanos e Institui-
ções Democráticas. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto para o Desenvolvi-
mento Democrático. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:
lucasapaulino@gmail.com.
2 GRABER; LEVINSON; TUSHNET, 2018; GUASTI, 2018.
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versários dos detentores do poder nesses contextos – oposição, imprensa
e minorias – são tratados como inimigos, e os mecanismos constitucionais
de controle – os freios e contrapesos institucionais – são enfraquecidos3.
Pesquisadores no direito constitucional e na ciência política buscam
compreender esse fenômeno do declínio na qualidade das democracias
constitucionais sob diversos conceitos e enquadramentos analíticos, tais
como: “democracia em erosão”4, “democracia em retrocesso”5, “recessão
democrática”6, “decadência democrática”7, “desconsolidação democrá-
tica”8, “decomposição constitucional”9, “desvio iliberal” ou “guinada ili-
beral”10, “autoritarismo discreto”11. Livros recém-publicados, tais como
“Como as Democracias Morrem”12, “Como a Democracia Chega ao Fim”13,
“Democracias Constitucionais em Crise?”14, “Pode Acontecer Aqui? Autori-
tarismo na América”15, “Como Salvar uma Democracia Constitucional?”16,
“Crises da Democracia”17, demonstram a multiplicação do interesse atual e
também o receio de pensadores do constitucionalismo e da ciência política
com a degradação incremental das democracias constitucionais.
De acordo com Larry Diamond18, desde a Revolução dos Cravos em
Portugal em 1974, que inaugurou a “terceira onda” de democratização glo-
bal no mundo, na expressão de Samuel P. Huntington19, até 2007, houve
uma expansão contínua e gradual de países que transitaram de regimes de
3 GUASTI, 2018.
4 GINSBURG; HUQ, 2018.
5 BERMEO, 2016.
6 DIAMOND, 2015.
7 DELY, 2017.
8 FOA; MOUNK, 2017.
9 BALKIN, 2018.
10 BUSTIKOVA; GUASTI, 2017.
11 VAROL, 2015.
12 LEVITSKY; ZIBLATT, 2018.
13 RUNCIMAN, 2018.
14 GRABER; LEVINSON; TUSHNET, 2018.
15 SUNSTEIN, 2018.
16 GINSBURG; AZUZ, 2018.
17 PRZEWORSKI, 2019.
18 DIAMOND, 2015.
19 HUNTINGTON, 1991.
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governo autoritários para sistemas no qual os cidadãos, por meio do su-
frágio universal, podem substituir seus líderes em eleições regulares, justas
e livres. Em 1974, só 30% dos estados independentes eram democracias,
cerca de 46 países, concentrados em países desenvolvidos do Ocidente,
com poucas exceções fora disso. Em 2006, esse número atingiu cerca de
60% dos estados independentes, algo entre 114 e 116 países.
No entanto, desde então, houve uma estagnação do número existente
de democracias e iniciou-se uma tendência de deterioração nos indica-
dores empíricos – apresentado nos relatórios anuais de instituições que
avaliam regimes democráticos como Freedom House , Varieties of Democracy
(V-DEM) e The Economist Intelligence Unit – sobre a qualidade das práti-
cas constitucionais e democráticos existentes em distintos países, com o
agigantamento do Poder Executivo, o enfraquecimento do pluralismo, do
processo eleitoral e do estado de direito em alguns países. Para Diamond20,
a recessão democrática nessa última década abrangeria quatro distintas
categorias de países: aprofundamento de autoritarismo em estados não-
-democráticos, a aceleração do colapso autoritário em regimes democráti-
cos, um declínio na estabilidade da qualidade de democracias novas, e um
declínio no vigor e no desempenho de democracias estabelecidas e mais
longevas. Todavia, Tom Gerald Dely21 já defende que a ideia de decadência
democrática abrange as duas últimas categorias, quais sejam o declínio na
qualidade das democracias novas e na das mais longevas.
Com efeito, os objetivos principais deste trabalho consistem em com-
preender melhor o conceito de erosão democrática em regimes de governo
contemporâneos e as estratégias institucionais que um líder democrático
eleito pode adotar para corroer os alicerces de uma democracia constitu-
cional, de acordo com a literatura do direito constitucional comparado e
da ciência política, analisando o estado da arte sobre as principais obras e
artigos sobre o tema. Com isso, traçar parâmetros objetivos para verificar se
o atual presidente, no decorrer do seu mandato, ou qualquer outro que ve-
nha a sucedê-lo, independente do campo ideológico, incorrerão em práticas
que levem à degradação do regime democrático-constitucional brasileiro.
Para explicar esse fenômeno, em primeiro lugar, o presente artigo bus-
cará esclarecer qual é o conceito de democracia que está em crise ou sob
20 DIAMOND, 2015.
21 DELY, 2017.
Lucas Azevedo Paulino

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