Dependência econômica e sua abordagem na jurisprudência

AutorDaniela Mussolini Llorca Sanchez Andrei - Rodrigo Barreira Roso
Páginas167-182
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ESPAÇO DISCENTE
Resumo: Nem sempre as relações empresariais
se dão entre agentes econômicos igualmente
informados ou que tenham o mesmo poder
econômico. Em muitas dessas situações o
preço e os termos contratuais formalizados
não são mecanismos de ajuste sufi cientes.
O objetivo deste trabalho é avaliar em que
medida e de que forma os princípios da
liberdade de contratar e de respeito aos
termos contratuais formalizados são ob-
servados ou ponderados em vista de outros
princípios nesse tipo de situação. Para tanto,
foram analisadas as respostas que têm sido
apresentadas na jurisprudência brasileira,
especificamente nas decisões do TJSP,
utilizando como referência os contratos de
distribuição. Nesse sentido, é analisada uma
decisão específi ca do Tribunal de Justiça,
com foco na fundamentação legal e no
regime jurídico aplicáveis e realizando-se
uma avaliação estruturada do caso. O que
se extraiu com a pesquisa realizada é que
o Judiciário – com raras exceções – ainda
não reconhece, em sua plenitude, uma teo-
ria geral dos contratos empresariais. Com
frequência se lança mão de instrumentos de
direito civil para, de alguma forma, tutelar os
interesses de uma das partes, nem que isso
importe revisão de contratos empresariais
– ora para completar eventuais lacunas, ora
para alterar frontalmente os termos e condi-
ções fi rmados. Por outro lado, nota-se que
tal intervenção talvez ainda seja necessária,
dada a incompletude ou inadequação dos
instrumentos fi rmados entre as partes nos
casos analisados. A metodologia de pesquisa
utilizada foi a análise doutrinária, legal e
jurisprudencial, esta última exclusivamente
em relação a decisões disponíveis no website
do TJSP e no do STJ, bem como a análise es-
truturada de uma decisão judicial específi ca,
verifi cando a respeito da decisão o regime
jurídico aplicável e a adequação da decisão
a tal regime, bem como as consequências
dela decorrentes.
Palavras-chave: Contratos Empresariais; Contra-
tos de Distribuição; Jurisprudência; Pacta
sunt Servanda; Dependência Econômica;
Código Civil; Teoria Geral dos Contratos
Empresariais.
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
E SUA ABORDAGEM NA JURISPRUDÊNCIA
D M L S A
R B R
1. Introdução. 2. Algumas premissas teóricas. 3. O caso para análise. 4. Fun-
damentação legal e regime jurídico aplicáveis – A visão da jurisprudência. 5.
Avaliação estruturada do caso. 6. O que pode se esperar do futuro – Conclusão.
Não é de se presumir que alguém,
podendo evitá-lo, aceite o prejuízo”.
(Washington de Barros Monteiro)
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REVISTA DE DIREITO MERCANTIL 166/167
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1. Introdução
“O m ercado – segundo Natalino Irti,
no “Prefácio” de obra de Paula Forgioni –
“não é um lugar imaginário e abstrato, mas
uma unidade jurídica, fundada no princípio
do pacta sunt servanda, isto é, no caráter
vinculante e imperativo do acordo”.1
Com esta afi rmativa inaugural, Nata-
lino Irti não apenas introduz o leitor ao que
esperar na obra de Forgioni, mas sintetiza a
pedra angular do direito comercial: o pacta
sunt servanda, este uma derivação direta e
intrínseca do princípio da livre iniciativa, ou
sua vertente na esfera contratual, a liberdade
de contratar.
Se tomados somente estes dois aspectos
em consideração, a liberdade de contratar e
sua consequência lógica, o pacta sunt ser-
vanda, poder-se-ia tentar estabelecer que a
preocupação maior do direito comercial – ao
menos no diz respeito aos contratos empresa-
riais – deveria cingir-se ao aperfeiçoamento
dos instrumentos contratuais, com o objetivo
de torná-los completos e claros, sem margens
para lacunas ou diferentes interpretações.2
Contudo, não é isso o que ocorre na
prática comercial. Conforme observado por
Benjamin Klein,3 a partir da década de 1980
ocorre uma mudança fundamental de para-
digma no mundo dos negócios. Até então os
riscos e as oportunidades de negócios eram
de certa forma previsíveis, sendo possível
criar planos de longo prazo e defi nir proje-
ções confi áveis. Contudo, estas condições
deixaram de se observar na quase totalidade
do mercado. Os anos 1980 marcam a tran-
sição para uma nova fase, caracterizada por
incertezas e descontinuidades abruptas.
Essa nova etapa, que persiste até os
dias atuais, é marcada por transformações
contínuas e profundas. A todo momento o
mercado é afetado por uma miríade de fatores
externos (ou “externalidades”, no jargão dos
economistas). São novas estruturas econô-
micas ou contratuais, novos players, novas
tecnologias, mudanças nos centros de poder
e nas cadeias globais – dentre tantos outros
casos. O mercado, portanto, torna-se um ser
vivo, complexo e em constante mutação.
A dinâmica estabelecida a partir de en-
tão teve impacto profundo nas relações con-
tratuais entabuladas. De um lado, tornou-se
impossível estabelecer contratos completos
(se é que um dia foi possível), dadas a gama
de ocorrências cabíveis e a multiplicida-
de de reações, a crescente frequência de
ocorrências imprevisíveis e a assimetria de
informações entre os envolvidos, resultan-
do em racionalidade limitada dos agentes.
De outro, as dinâmicas estabelecidas nos
mercados globalizados levaram à criação de
complexos relacionamentos, simultaneamen-
te permeados por características contratuais e
hierárquicas,4 levando por vezes à sujeição de
agentes de mercado aos interesses de outros.
O presente trabalho tem como objetivo
tratar justamente deste segundo ponto, ou
seja, de casos em que as relações empresa-
riais se dão entre agentes que não têm a mes-
ma força econômica no mercado, resultando
em situação de sujeição ou dependência entre
os agentes envolvidos. O objetivo é avaliar
1. No “Prefácio” de Natalino Irti in Paula Forgio-
ni, Contratos Empresariais: Teoria Geral e Aplicação,
São Paulo, Ed. RT, 2015, p. 7.
2. Não são poucos os que defendem que o cuidado
com a completude dos instrumentos contratuais deveria
ser a preocupação maior da prática dos contratos empre-
sariais. Defendem que somente por meio de contratos
completos seria possível atingir o ponto ótimo nas
relações contratuais. Nesse sentido, v.: Alan Schwartz
e Robert E. Scott, “Contract interpretation redux”, The
Yale Law Journal 119/926-964, 2010.
3. Benjamin Klein, “Contracting costs and resi-
dual profi ts: the separation of ownership and control” ,
Journal of Law and Economics 26, 1985.
4. Sobre o tema, v.: Oliver Williamson, “Com-
parative economic organization: the analysis of dis-
crete structural alternatives”, Administrative Science
Quarterly, 1991, pp. 269-296; Claude Ménard, “The
economics of hybrid organizations”, Journal of Insti-
tutional and Theoretical Economics 160/345-376, 2004.
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