Dependência química e políticas públicas: um desafio para o Biodireito

AutorRodrigo Arnoni Scalquette e Patrícia Vanzolini
Páginas205-231
CAPÍTULO 6
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POLÍTICAS
PÚBLICAS: UM DESAFIO PARA O BIODIREITO
Rodrigo Arnoni Scalquette
Doutor em Filosoa do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie – UPM/SP. Professor de Direito Penal e História do Direito da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.
Patrícia Vanzolini
Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/
SP. Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/
SP. Professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Advogada.
Sumário: 6.1. Noções introdutórias – 6.2. Conceito e classicação das drogas; 6.2.1. Psico-
lépticos; 6.2.2. Psicanalépticos ; 6.2.3. Psicodislépticos – 6.3. Drogas comumente usadas
no mundo – 6.4. Políticas Públicas sobre Drogas; 6.4.1. Princípios e Objetivos do Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas; 6.4.2. Prevenção do uso indevido de drogas;
6.4.3. Atividades de atenção e de reinserção social de usuários ou dependentes de drogas –
6.5. O debate sobre a constitucionalidade da política adotada pela Lei 11.343/2006 – Recurso
Extraordinário – RE 635.659; 6.5.1. Princípio da alteridade; 6.5.2. Alternativas político-cri-
minais mais ecazes – 6.6. Redução de danos: uma experiência brasileira – 6.7. Internação
compulsória – 6.8. Conclusões – 6.9. Referências Bibliográcas
6.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
A dependência química sempre foi questão tormentosa em diversas áreas do
saber: medicina, psicologia, sociologia, direito e porque não dizer do biodireito.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a dependência química como
um transtorno mental que afeta inúmeras pessoas no Brasil e no mundo, tornando
a questão da dependência um problema social e, portanto, afeto à saúde pública e,
nessa seara, deve haver políticas públicas claras nessa realidade da vida – esse é um
desaf‌io para o Biodireito.
Inicialmente, neste capítulo, devemos entender o que vem a ser dependência
ou farmacodependência, vejamos:
A farmacodependência ou simplesmente dependência, segundo a Organização Mundial de
Saúde, pode ser denida como “um estado psíquico e, às vezes físico, causado pela interação
entre um organismo vivo e um fármaco; caracteriza-se por modicações do comportamento e
outras reações que compreendem sempre um impulso irreprimível para tomar o fármaco, em forma
contínua ou periódica, a m de experimentar seus efeitos psíquicos e, às vezes, para evitar o mal-
estar produzido pela privação. A dependência pode ser ou não acompanhada de tolerância. Uma
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mesma pessoa pode depender de um ou mais fármacos”. É um verdadeiro estado de escravidão
da pessoa à droga, podendo ser de natureza física ou psíquica.1
Esse estado de escravidão da pessoa à droga leva o indivíduo a ser colocado do
“lado de fora” das relações sociais tidas como normais e, em geral, a pessoa é adjeti-
vada de drogada, maconheira, noia e, na maior parte das vezes, é alijada da própria
família e da sociedade, partindo, então, para a delinquência.2
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, defensor público em São Paulo, com relação
à dependência química, pondera que:
O primeiro ponto a esclarecer é que a questão das drogas deve ser compreendida a partir de um ponto
de vista racional, ou seja, como uma questão da saúde pública, não travestida de questões morais
ou tabus. A dependência química já é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, e são de
conhecimento geral as funestas consequências da disseminação do uso de drogas como fato gerador de
violência, desde a familiar até a formação de organizações criminosas que se servem do vício alheio.3
Para compreendermos melhor a questão das drogas, a partir de um ponto de
vista racional,4 devemos em primeiro lugar conceituá-las e classif‌icá-las.
6.2. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS
Drogas, entorpecentes ou psicotrópicos são compostos químicos, naturais ou não,
que, agindo sobre o cérebro, produzem estados de excitação, depressão ou alterações
variadas no psiquismo”.5
Jean Deley e Pierre Deniker, farmacologistas franceses, f‌izeram a classif‌icação
dos psicotrópicos em três grupos:6 a) psicolépticos; b) psicanalépticos e c) psicodislép-
ticos. Vejamos cada um deles:7
1. DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 259.
2. “Regra da quantidade mínima: Um crime é cometido porque traz vantagens. Se, à ideia do crime, fosse ligada
a ideia de uma desvantagem um pouco maior, ele deixaria de ser desejável.” FOUCAULT, Michel. Vigiar e
Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014, p. 93.
3. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial.
Volume 1. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 247.
4. “Na falta de um sistema formalizado de fontes positivas, a fonte de legitimação do direito e o objetivo da
ciência jurídica não era o direito positum de uma qualquer auctoritas, mas precisamente a sua veritas ou
natura: ou seja, diretamente a justiça ou o direito natural, imediatamente extraídos, por meio da razão e da
cognição, da ciência ou do saber jurídico.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal.
Prefácio da 1. ed. italiana, Noberto Bobbio. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 801.
5. DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Op. Cit., p. 259.
6. Há autores que além dos três grupos acrescentam um quarto chamado de pampsicotrópicos. Os pampsico-
trópicos “são drogas modernas, utilizadas como anticonvulsivantes, mas que podem induzir dependência
física ou psíquica. Têm aplicação clínica em determinados estados de angústia e depressão, devendo ser
administrados sempre sob supervisão médica”. DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 260.
7. Ibidem, p. 259.
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