O depósito recursal e a reforma trabalhista: Incertezas

AutorAna Paula Pavelski
Páginas381-390

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1. Introdução

A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei n. 13.467/2017, traz em seu bojo diversas mudanças que afetam o Direito Material e o Direito Processual do Trabalho. Interpretações consagradas pela doutrina e pela jurisprudência são modificadas pelo legislador, sob a pecha de modernizar uma CLT considerada obsoleta.

Cite-se como exemplo, no direito material, a possibilidade de supressão da gratificação de função de confiança a qualquer tempo, o que se verifica na nova redação do art. 468, parágrafo único da CLT, e que já era objeto de antigo entendimento sumulado2 do TST no sentido de que, recebida por dez anos ou mais pelo trabalhador, ainda que este fosse destituído da função de confiança, não poderia ter a gratificação suprimida, tendo em vista a necessidade de estabilidade financeira do contrato.

Em termos de direito processual, pode ser citado como exemplo um dos aspectos que se analisa no presente artigo, pois a jurisprudência consagrada do TST firmou entendimento de que a gratuidade da justiça não isenta do depósito recursal, dada a sua natureza de garantia do juízo. Porém, o legislador da Reforma expressamente alterou dispositivo legal de forma a prever a citada isenção.

O citado depósito surgiu com a Lei n. 5.442/1968, já com finalidade determinada de garantir antecipadamente o valor de execução. Estava vinculado ao valor de salário mínimo e, em dezembro de 1988, com o advento da Lei n. 7.701/1988, em atenção à previsão constitucional de impossibilidade de o salário mínimo corresponder a fator de vinculação econô-mica, tratou o legislador de inserir valores de referência. A seguir, a Lei n. 8.177/1991 trouxe a previsão de valores, que foram atualizados pela Lei n. 8.542/1992 e que, com base no disposto neste mesmo diploma legal, vêm sendo atualizados pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Ainda em termos de depósito recursal, o tema do presente texto, demonstrar-se-ão as demais mudanças, tais quais as relativas ao depósito em si, que passa a ser em conta judicial e seus critérios de atualização, bem assim a possibilidade de determinados empregadores pagarem apenas metade do valor, tais como entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.

Além da gratuidade da justiça como causa já citada para isenção do depósito, abordar-se-ão as demais possibilidades trazidas pelo legislador, tais como entidades filantrópicas e empresas em recuperação judicial, ressaltando-se que o legislador, talvez pela pressa em aprovar o novo texto de lei, “esqueceu” de citar a massa falida para estas isenções. Abordar-se-á a possibilidade de substituição do depósito pelo seguro garantia judicial e pela fiança bancária.

Finalmente, como em muitos outros pontos das novas regras, ou seja, consciente de que a Reforma não traz certezas, ao menos no atual panorama, serão sugeridos aspectos que podem geram dúvidas cotidianas, inclusive quanto à possibilidade de interpretação, ainda que desde já se discorde de que a nova redação do §4º do art. 899 da CLT permite entender que o empregado também teria que realizar depósito recursal.

2. Necessidade do Depósito Recursal e Natureza Jurídica

Em se tratando de recursos, basicamente, os requisitos de admissibilidade dividem-se em dois grupos: os intrínsecos e os extrínsecos. Caso não sejam preenchidos, a consequência é o não conhecimento do apelo, ou seja, a análise do mérito não será realizada pelo órgão competente.

Os intrínsecos, também denominados subjetivos, portanto relativos às partes, têm sido elencados pela doutrina3 como legitimidade, interesse recursal e capacidade processual. Dentre os requisitos extrínsecos, também conhecidos como objetivos, porque dizem respeito ao recurso em si, podem ser citados4 a tempestividade, o preparo e a

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regularidade de representação. Há quem5 ainda cite a adequação e a recorribilidade da decisão, pois no Processo do Trabalho tem-se a regra geral6 de irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias, conforme previsão do art. 893, § 1º7 da CLT.

Compondo o preparo, cuja ausência ou irregularidade acarreta a deserção, o depósito recursal, conforme IN n. 3/938 do TST, inciso I, tem natureza de garantia do juízo, o que leva à conclusão de que tem natureza híbrida9.

Decorre deste entendimento, qual seja o de natureza de garantia do juízo, uma série de outras regras que atualmente lhe são aplicáveis, conforme a seguir se traçam considerações.

Não se pode confundir o depósito recursal com mera taxa10 judiciária como as custas, por exemplo, pois ele não está vinculado a uma prestação de serviço pelo Estado. Se assim fosse entendido, deveria ser recolhido em qualquer espécie de decisão, ou seja, mesmo nos casos de decisões meramente declaratórias ou que determinem obrigações de fazer, tais como: em que se tem uma decisão que reconhece vínculo de emprego, em que se determina retificação ou anotação de CTPS, determinação de entrega de PPP. Porém, dada a natureza de garantia do juízo, somente será realizado em casos de condenação em pecúnia, conforme o início das redações dos §§ 1º e

  1. 11 do art. 899 da CLT, que mencionam “condenação de valor”, confirmadas pela Súmula n. 16112 do TST.

O outro ponto que não permite confundir o depósito recursal com taxa é o fato de que, caso a parte que o efetue, porque condenada em pecúnia, posteriormente ao recurso seja absolvida desta condenação, a mesma IN n. 3/1993 do TST, no inciso II, “g”, prevê que o valor será devolvido a quem depositou. Esta devolução a quem o efetuou também será verificada para o caso de as partes realizarem acordo e nada estipularem quanto aos valores de depósito. Caso fosse considerado taxa, esta devolução não aconteceria.

A doutrina especializada ainda cita que o depósito não pode ser equiparado a fiança judicial porque quem faz o depósito é a própria13 parte e a fiança pressupõe que um terceiro seja o fiador, bem assim não se poderia cogitar de confisco porque este diz respeito a tributo e, ainda, o valor do depósito não vai para os cofres do Estado.

Intimamente ligado a essas afirmações, a jurisprudência e doutrina firmaram entendimento de que o depósito recursal não viola a isonomia (art. 5º, da CF) porque as partes, especialmente empregado e empregador, são historicamente desiguais e, regra geral, o empregador tem condições materiais14 de efetuar o pagamento necessário.

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Não fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF) porque não impede que o empregador ingresse em juízo, sendo autor de ação trabalhista. Além disso, o próprio STF, nas ADIs 836 e 884, já firmou entendimento de que o depósito ora analisado não fere o exercício do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV da CF), pois o legislador estabeleceu limites de valores para este depósito e não se pode desconsiderar que em uma demanda trabalhista “são apreciados e discutidos direitos essencialíssimos, créditos que têm caráter alimentar”15, sendo possível, “ao legislador processual estabelecer certos entraves a recursos.”16 Não se pode deixar de considerar, ainda, a expressiva parcela doutrinária que defende a ideia de que o duplo grau de jurisdição não se trata de princípio absoluto e nem encontra previsão constitucional expressa.17 A jurisprudência, inclusive com supedâneo no entendimento do STF, assim tem se reiterado:

RECURSO DE REVISTA — INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DO DEPÓSITO RECURSAL — INOCORRÊNCIA — ADICIONAL DE INSALUBRIDADE — MATÉRIA PROBATÓRIA — HORAS EXTRAS — COMPENSAÇÃO — MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA — DESCONTOS — AUTORIZAÇÃO PRÉVIA INEXISTENTE — HONORÁRIOS PERICIAIS — VALOR ELEVADO — DISSENSO INESPECÍFICO — DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS — JÁ AUTORIZADOS
— FISCAIS — DIVERGÊNCIA INAPTA. A exigência do depósito recursal (art. 899 da CLT), já vetusto traço distintivo do Processo do Trabalho, não atenta contra o devido processo legal nem contra a ampla defesa ou duplo grau de jurisdição (este ainda mais restrito) porque o direito de ação e de acesso ao Judiciário não é incondicional, vale dizer, está sujeito ao disciplinamento pertinente da legislação processual. E esta pode dificultar a interposição de recursos protelatórios e, ao mesmo tempo, viabilizar, mais rápido e facilmente, a execução do título judicial (celeridade), mormente tendo em conta a natureza da lide, seu valor e o credor hipossuficiente. E o Excelso Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIN 836-6/93, que trata do depósito do art. 899 da CLT, à luz das modificações introduzidas pela Lei n.
8.542/92, não vislumbrou qualquer ofensa aos princípios constitucionais balizadores do processo. Por outro lado, a discussão sobre o reconhecimento da insalubridade tem nítido conteúdo fático, ainda mais quando o E. Regional Catarinense diz não terem sido fornecidos os EPI’s (Súmulas ns. 126 e 80). Também inadmissível o recurso quanto às horas extras mormente pela vedação do exame fático e pela falta de prequestionamento da compensação. O mesmo se diga no que tange aos descontos, se o Regional destaca a falta de prévia autorização, cuja exis-tência agora não pode ser investigada. Inespecífico o dissenso em torno do valor dos honorários periciais, razoáveis segundo a Corte de origem, o que não equivale aos excessivos tratados nos arestos cotejados. E a pretensão exigiria revolvimento fático. Não há interesse recursal no pedido dos descontos previdenciários, já autorizados desde a sentença. E quanto aos fiscais, ineficaz a divergência, que ignora a incompetência material assentada na origem. Recurso não conhecido.18

Seguindo esses raciocínios, o depósito recursal tem a...

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