Operações com derivativos: Uma introdução multidisciplinar e algumas lições da crise no Brasil

AutorAlexsandro Broedel Lopes
Páginas17-26

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1. Introdução

O tema sobre o qual versa este artigo são as operações com derivativos. Devido à extensão do tema, nós o subdividimos em seis categorias:

(i) aspectos operacionais,

(ii) aspectos contábeis,

(iii) opções reais e investimentos em ativos permanentes,

(iv) questões do Direito Tributário e Societário,

(v) regulação prudencial e

(vi) lições da crise recente.

Essa divisão está orientada pelo fato de os instrumentos financeiros derivativos possuírem várias facetas que impactam diferentes aspectos da realidade econômica e jurídica. A consideração uníssona de uma de suas dimensões é frágil do ponto de vista de se entender a extensão de sua complexidade e impacto na sociedade. Longe de ter como objetivo exaurir o tema este artigo visa somente oferecer uma reflexão introdutória sobre as complexidades da realidade das operações com derivativos.

Outro aspecto que orienta a discussão aqui apresentada é a multi e interdis-ciplinaridade do tema. Para que se possa entender adequadamente o fenômeno instrumento financeiro derivativo é necessário o apoio de conhecimentos advindos das teorias de Finanças, Contabilidade, do estudo do Direito e da Regulação. É comum, porém árido e infrutífero, a tentativa de se entender as razões que motivam estruturas de hedge, por exemplo, somente pelo ponto de vista financeiro.

2. Aspectos operacionais

Esta seção está subdividida nas seguintes subseções: (i) definições, (ii) principais produtos, (iii) finalidades, (iv) apreçamento (precificação), e (v) gestão de riscos.

  1. Definições

    Instrumentos financeiros derivativos têm sido tradicionalmente definidos como aqueles instrumentos financeiros cujo valor depende do comportamento de um ati-

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    vo subjacente ou underlying (Hull, 1997). O Pronunciamento n. 133 do FASB (FASB, 1998) apresenta uma definição mais precisa desses produtos. Segundo o FASB, instrumentos financeiros derivativos devem possuir três características concomitantes, a saber: (i) investimento inicial nulo ou muito pequeno, (ii) presença de um ou mais ativos subjacentes e (iii) liquidação em uma data futura. Dentro dessa definição assume papel importante a presença de um ativo subjacente cujo valor seja obtido de forma objetiva. Normalmente, esse valor é encontrado por intermédio de cotações em bolsas de mercadorias e ações ou publicado por um órgão independente como um instituto de pesquisas. Esse fato explica porque existem derivativos negociados sobre o resultado de uma copa do mundo e não existem derivativos negociados sobre placas de aço.

    Apesar do grande interesse demonstrado pelo setor siderúrgico não existem bolsas de negociação e placas de aço nem formas objetivas de se apurar seu valor de mercado. É importante ressaltar que essa definição foi adotada pelas normas contá-beis internacionais (IAS 39, Financial Instruments: Recognition and Measurement) e, conseqüentemente, pelo Pronunciamento Técnico CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) n. 14: Instrumentos Financeiros - Reconhecimento e Mensuração.

    Assim, para que surja um novo instrumento financeiro derivativo duas condições precisam se estabelecer. Inicialmente, deve haver um interesse econômico no comportamento futuro da variável em questão advinda da grande flutuação do seu valor, dos impactos econômicos da mesma no resultado das empresas ou de ambos. Em segundo lugar, essa variável, que será base para a operação com o derivativo, deve ser objetivamente determinada por intermédio de sua cotação em bolsa de valores (no caso das ações) ou determinada de forma independente (no caso do índice de inflação). Atendidas essas condições não existem limites para o surgimento de novos produtos.

    O crescente mercado de derivativos climáticos exemplifica essa situação.

    A BM&F Bovespa é freqüentemente classificada entre as dez maiores bolsas de mercadorias e derivativos do mundo. Os profissionais atuantes no Brasil também são considerados de nível internacional nesse setor. O mercado, no entanto, ainda é bastante concentrado nos derivativos relacionados a taxas de juros, câmbio e cupom cambial.

    Apesar do crescimento dos derivativos agropecuários nos últimos anos, a participação desses ainda é pequena em relação ao total. Outro fenômeno recente do mercado de derivativos brasileiro é a popularização dos contratos que vem tendo seu valor reduzido para atender às demandas de pequenas empresas e investidores individuais.

  2. Principais produtos

    Os produtos derivativos básicos são de quatro naturezas: (i) contratos a termo ou forwards, (ii) contratos futuros, (iii) swaps e (iv) opções. Esses contratos são operados individualmente no mercado ou dentro de estratégias que se classificam em três famílias: (i) estratégias com um derivativo e o ativo objeto, (ii) estratégias com derivativos de mesma natureza, e (iii) estratégias com derivativos de naturezas diferentes. Os derivativos podem ainda ser classificados como do tipo tradicional (plain vanilla) nos quais as cláusulas contratuais são padronizadas ou do tipo exótico nos quais as cláusulas básicas são modificadas para atender à demanda dos investidores.

    Os contratos atermo são os derivativos mais simples pois envolvem o compromisso de se comprar/vender um ativo em uma data futura. Os contratos a termo surgiram na negociação de produtos agrícolas entre produtores e compradores conforme apresenta Bernstein (1996). Eles podem ser negociados em bolsas de valores ou em mer-

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    cado de balcão organizado. Nos contratos a termo não existem desembolsos iniciais e nem intermediários pelos participantes. A liquidação somente é realizada no vencimento. A grande maioria dos contratos a termo é liquidada sem a entrega da mercadoria - é feito um mero ajuste financeiro no vencimento. Um derivativo dessa natureza muito negociado no Brasil é o NDF (Non Deliverable Forward) que se refere a um contrato a termo sem entrega de dólares em uma data futura. Supondo que o contrato a termo realizado em 1.3.2009 defina o preço de exercício (strike ou preço de entrega) para o dólar no dia 1.6.2009 em R$ 1,80/US$. Não existe fluxo financeiro entre a data da contratação e o vencimento (exceto por taxas, corretagens e emolumentos pagos à Bolsa e às corretoras). No vencimento (supondo que o dólar à vista esteja cotado a R$ 1,90/US$) o comprador receberá R$ 0,10 por cada dólar negociado (normalmente os contratos são de US$ 100,000). Esse valor ainda deverá ser multiplicado pelo número de contratos para que se apure o valor final de pagamento. Não existe a necessidade de compra e respectiva entrega dos dólares. Todo o ajuste é feito pela diferença, em reais.

    Os contratos a termo estão envolvidos em grande incerteza a respeito da capacidade de pagamento das partes no vencimento. Como não existem desembolsos iniciais e nem intermediários, toda a variação é realizada financeiramente no vencimento do contrato. Esse processo gera significativo risco de crédito para as partes (no caso do mercado de balcão) e para a bolsa (no caso de operações realizadas no pregão). Para resolver esse problema as bolsas de valores criaram os chamados contratos futuros que são, essencialmente, contratos a termo nos quais os pagamentos...

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