A (des)necessidade do conceito de capital social no direito societário brasileiro: uma análise à luz dos direitos norte-americano e europeu

AutorAugusto Rodrigues Coutinho de Melo Filho
Páginas85-145
Resumo
O trabalho analisa o tema do capital social no direito societário brasileiro. Seu
objetivo é demonstrar, do ponto de vista jurídico, os malefícios e benefícios
que o instituto promove. Apesar de ser tido como um conceito clássico e es-
sencial no Brasil para as sociedades com limitação de responsabilidade de seus
sócios, este instituto vem sendo cada vez mais criticado no sentido de que não
desempenha suas funções clássicas (organização, produção e proteção de cre-
dores) de maneira efetiva nos dias atuais.
Nesse contexto, o direito societário moderno vem passando por uma evo-
lução no sentido de questionar a efetividade de seus institutos. A análise aqui
proposta do capital social segue esse raciocínio.
Para auxiliar na interpretação do instituto no Brasil, serão estudadas as
lições e legislações dos ordenamentos europeu e norte-americano, nos quais
o tema já foi amplamente debatido. O tratamento dado pelo Revised Model
Business Corporation Act, legislação modelo norte-americana, e pela Segunda
Diretiva do Capital da União Europeia ao instituto serão comparados com o
tratamento da Lei das S.A. para o capital social.
Por m, serão identicadas particularidades do instituto do capital social
no Brasil em relação aos ordenamentos estrangeiros, que demonstram que
uma eventual supressão do conceito de capital social no Brasil possuiria carac-
terísticas próprias que não estão presentes na Europa e nos Estados Unidos.
Nesse contexto, serão identicados os custos legislativos que uma eventual
mudança do regime de capital social teria no sistema legislativo brasileiro.
Palavras—chave:
Capital social; funções do capital social; proteção de credores; direito societá-
rio contemporâneo; Revised Model Business Corporation Act; Segunda Diretiva
do Capital da União Europeia.
A (DES)NECESSIDADE DO CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL NO
DIREITO SOCIETÁRIO BRASILEIRO : UMA ANÁLISE À LUZ DOS
DIREITOS NORTE-AMERICANO E EUROPEU
auGusto rodriGues Coutinho de Melo filho
86 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2015
Introdução
O capital social é um conceito em crise. Dentre os diversos institutos existentes
no direito societário, este tem sido objeto de diversas críticas pela literatura
jurídica — em especial a norte-americana — a ponto de levar vários países a
questionarem a necessidade de manutenção deste conceito no âmbito de suas
legislações pátrias.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a mudança que o regime
do capital social tem passado nas últimas décadas, a m de determinar se o
instituto cumpre as funções que lhe foram historicamente atribuídas. Isso por-
que, apesar de este conceito ter sido interpretado pelos juristas, durante mais
de três séculos, como um “dogma” do direito societário, desde o nal do século
XX ele tem sido posto em xeque.
Nesse sentido, referimo-nos à evolução pela qual vem passando o direito
societário, no qual a análise sobre a efetividade que os institutos societários
clássicos desempenham na prática empresarial contemporânea mostra-se de
fundamental importância para determinar sua utilidade no sistema jurídico vi-
gente. Por meio de tal análise, alguns doutrinadores armam que a legislação
sobre o capital social não cumpre, efetivamente, os objetivos a que se propõe.
Apesar da existência de extensa doutrina estrangeira questionando o con-
ceito de capital social — e, consequentemente, propondo a exibilização ou
extinção de tal conceito dos respectivos ordenamentos pátrios —, no Brasil o
tema não é discutido com tal magnitude. Mais do que isso, são poucos os tra-
balhos acadêmicos que cuidaram de questionar a noção de capital social à luz
das particularidades da legislação brasileira.
Não se pretende, contudo, chegar a uma conclusão nal sobre o tema,
tendo em vista a limitação inerente a um trabalho de monograa. O que se pre-
tende, não obstante, é que o leitor tenha uma visão geral de como o tema vem
sendo tratado nos ordenamentos estrangeiro e pátrio, e tire a sua conclusão
— com base nos argumentos expostos a seguir — se o capital social merece a
ampla importância que lhe é dada pela legislação societária brasileira.
Metodologia
Temos o seguinte problema geral de pesquisa: “o conceito de capital social, tal
como originalmente concebido, é necessário dentro do atual estágio de desen-
volvimento do direito societário brasileiro?”.
No âmbito de análise deste problema geral, é possível identicar alguns
problemas especícos, que também serão tratados ao longo deste trabalho.
São eles: (i) as funções atribuídas ao capital social são efetivamente desem-
penhadas por ele?; (ii) os benefícios associados ao capital social superam seus
custos para prática empresarial? (iii) as funções do capital social são desempe-
A (DES)NECESSIDADE DO CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL 87
nhadas por outros institutos societários de maneira mais eciente?; e, nalmen-
te, (iv) a noção de capital social pode ser, parcial ou totalmente, suprimida do
ordenamento jurídico pátrio em razão desses outros institutos?
A hipótese aqui levantada é que o capital social não é um conceito ne-
cessário para o direito societário brasileiro, posto que: (i) não desempenha
de maneira efetiva as funções a ele atribuídas; (ii) traz custos para a prática
empresarial que superam os seus benefícios; (iii) existem institutos societários
alternativos que promovem as funções do capital de maneira mais eciente; e
(iv) o capital social pode ser suprimido, parcial ou totalmente, do ordenamento
pátrio vigente.
Para que a referida hipótese seja testada, elaborou-se um estudo eminen-
temente teórico, no qual foram analisados trabalhos acadêmicos, pareceres
jurídicos, precedentes, projetos de legislação e legislações societárias sobre
o tema. Esse referencial teórico demonstra o tratamento do capital social nos
direitos brasileiro, norte-americano e europeu. Na primeira parte do trabalho,
procuraremos fazer uma descrição do instituto segundo os doutrinadores bra-
sileiros e estrangeiros. Na segunda parte, com um viés mais crítico, analisare-
mos as legislações estrangeiras sobre o tema e questionaremos a noção de
capital social concebida no Brasil.
Considerações Iniciais
Antes de se debruçar sobre o tema, é importante tecer algumas considerações
preliminares para contextualizar o objeto deste trabalho.
Primeiramente, o conceito de capital social abrange diferentes áreas do
conhecimento, de modo que tal conceituação extrapola a esfera do direito so-
cietário. Como é sabido, o capital social exerce um papel relevante no âmbito
das ciências contábeis, do direito tributário e das nanças empresariais.
Consequentemente, uma possível alteração no regramento do capital social
acarretaria mudanças, diretas ou indiretas, para outras áreas do conhecimento
— as quais não serão abordadas neste trabalho. Limitaremos o nosso campo de
análise ao direito societário, mesmo que conceitos nanceiros e contábeis pos-
sam ser invocados eventualmente, para melhor entendimento do tema.
Segundo, pelo fato de a matéria do capital social estar codicada no
direito brasileiro, a supressão ou relativização deste conceito demandaria
uma alteração da legislação vigente. A alteração legislativa, por denição,
envolve custos diversos relacionados à mudança do sistema em vigor, que
transcendem o âmbito de análise deste trabalho. Não obstante, o trabalho
cuidará de expor, em linhas gerais, quais seriam os principais desaos en-
frentados pelo legislador brasileiro caso uma reforma da legislação societária
viesse a ocorrer.

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