Desafios contemporâneos da ciência do direito do trabalho: uma análise crítica à luz da sociologia do trabalho na sociedade pós-moderna

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas139-147

Page 139

Apresentação

Este artigo convida o leitor a uma leitura sistêmica do direito do trabalho na pós-modernidade, expondo os subs-tanciais impasses que encontra a ciência laboral no contexto da pós-modernidade. Tudo isso examinado à luz da sociologia do trabalho, investigando as mudanças nas relações sociais e trabalhistas; os aspectos positivos e negativos de tais mudanças, dentre elas: a forma como a identidade das pessoas vem sendo afetada, máxime diante da flexibilização dos direitos laborais; estilos de vida, movimentos sociais, a forma como os menos favorecidos exercem poder sobre os mais favorecidos e que tipos de novos conflitos afloram, dentre outros fatores, analisados de maneira crítica. São analisadas, outrossim, as constantes mudanças sociais na família, na cultura e na política, o enfraquecimento das reivindicações sindicais diante da dominação do capital financeiro, em que os contratos de trabalho são cada vez mais negociados, bem como a forma como os excluídos reagem à exclusão, além dos impactos que o constante enfraquecimento e perda dos direitos sociais, em especial, os direitos trabalhistas, terão sobre a democracia, a cidadania e a política. Colima-se, dessa forma, analisar de forma crítica os novos desafios enfrentados pela ciência laboral na sociedade pós-moderna, cada vez mais globalizada e “líquida”, com espeque em todas as contribuições que a sociologia do trabalho tem a nos oferecer diante da análise social do direito laboral, em uma sólida discussão sobre o tema e ao final concluindo pela necessidade de interpretação das mudanças sociais de forma a adequá-las aos anseios dos trabalhadores na atual contexto da pós-modernidade.

1. Considerações iniciais

A ideia do presente artigo surgiu a partir de profundas reflexões, a partir do cenário de agruras que assola o País.

Neste contexto, emerge uma hermética e demasiada inquietação com a possibilidade de enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores, diante do atual cenário de problemas financeiros, políticos e diversas mudanças sociais, com que se depara atualmente, não podendo o obreiro, mais uma vez, “pagar o pato”, pela grave crise, que surgiu a partir, principalmente do “câncer” da corrupção, da má administração por parte do Poder Público, da alta carga tributária, da falta de investimentos em setores como a ciência, a tecnologia e educação, dentre outros fatores.

Para contornar a atual crise, e buscar meios de reerguer o País, têm-se falado em “reforma trabalhista”, com especial destaque, para a chamada “flexibilização de direitos trabalhistas”, alegando que a legislação laboral é rigorosa

Page 140

em demasia e antiga. Com o advento da globalização e o aumento da competitividade de produtos em nível global, bem como produtos e serviços com padrões de qualidade mais exigentes, tem levado a corrente “flexibilista” a pensar que tal flexibilização irá alavancar o crescimento econômico e solucionar ou diminuir a crise do desemprego. E este é um dos principais desafios contemporâneos da ciência do Direito do Trabalho que tem estado em pauta, dentre outros desafios que serão destacadas ao longo do trabalho. Porém, este é o que mais tem causada inquietação, dada sua atualidade e potencialidade de lesão aos trabalhadores.

Todavia, é preciso refletir bastante acerca do tema. Em nome do individualismo exacerbado e sem pensar profundamente nas consequências, deixam de lado os princípios norteadores do Direito do Trabalho, que lhe são peculiares, máxime o da proteção, bem como os direitos e garantias fundamentais, consagrados pela Constituição Federal, o que coloca em risco os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, seja enfraquecendo-os, seja expurgando-os. Todavia, a pretensão de flexibilização, além dos limites traçados pela própria Constituição Federal, além de violá-la, encontra limites na própria principiologia do Direito do Trabalho. Para tanto, o presente artigo inicia-se chamando a atenção para a necessidade de se entender o Direito do Trabalho a partir de uma exegese sistêmica do ordenamento jurídico, devendo o Direito do Trabalho ser aplicado e interpretado, a partir da análise da sociologia do trabalho, bem como, do Direito Constitucional, de onde emanam diversos preceitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana e a consagração dos direitos sociais e fundamentais como cláusulas pétreas, passando pela análise da situação do trabalhador diante da chamada “modernidade líquida”, os reflexos da pós-modernidade no Direito do Trabalho, atentando-se para a análise da questão sociológica do Direito do Trabalho e dos aspectos negativos e positivos dos direitos sociais e os impactos de tais mudanças na cidadania, na democracia e na política, onde o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas será analisado com mais afinco, apresentando, por fim, as considerações finais, do que reputamos ser, senão a solução, no mínimo, um norte a seguir na salvaguarda dos direitos trabalhistas.

2. A necessidade de se entender o direito do trabalho à luz de uma exegese sistemática

O Direito do Trabalho, dadas suas peculiaridades, possui princípios e regras que lhe são inerentes. A exegese nesse ramo do Direito se faz de salutar importância para uma racionalização da aplicação do direito ao caso concreto.

Para Maximiliano dos Santos (2003, p. 1), “a hermenêutica Jurídica tem por objetivo o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”. E prossegue o ilustre jurista, “A hermenêutica descobre e fixa os princípios que regem a interpretação, podendo ser designada como a teoria científica da arte de interpretar”. Com base na lição supra, podemos concluir que não se deve confundir hermenêutica com interpretação, sendo a hermenêutica, a teoria da arte de interpretar.

Feitas tais considerações, importante deixar diáfano, que a necessidade de se interpretar o Direito fez com que despontassem diversas formas e métodos de interpretação, evoluindo ao longo do tempo e construindo-se diversos meios de interpretação, consagrados hoje como os principais métodos de exegese do Direito. São eles: o método gramatical — que se apega às regras de linguística e filologia, construindo-se a partir do exame literal das palavras e do texto normativo; lógico ou racional — é o método de interpretação que busca o significado, coerência e harmonia do texto legal, valendo-se de técnicas da lógica formal; teleológico ou finalista — busca subordinar o processo interpretativo ao império dos fins objetivados pela norma jurídica, o hermeneuta deve, dessa forma, pesquisar, na interpretação, os objetivos visados pela legislação examinada e, por fim, o método sistemático — se caracteriza pela busca de harmonização da norma ao conjunto do sistema jurídico. Tal método volta-se a produzir uma interpretação vinculada e harmônica ao conjunto do sistema do Direito. (DELGADO, 2012, p. 225-226).

Atualmente, se recomenda que haja uma harmonização dos métodos interpretativos. Todavia, no Direito do Trabalho, deve-se dar especial destaque ao método de interpretação sistemático. O Direito do Trabalho como um dos mais importantes direitos sociais deve ser lido e interpretado, principalmente, em consonância com o Direito Constitucional, de onde emanam diversos preceitos fundamentais, com especial destaque, para o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, imprescindível, da mesma maneira, atentar-se o exegeta, para a denominada “interpretação conforme a Constituição”, que é aquela em que o intérprete adota a interpretação mais favorável à Constituição Federal, considerando-se seus princípios e jurisprudência, sem, contudo, se afastar da finalidade da lei. De salutar importância ainda, entender e interpretar o Direito do Trabalho em conjunto, outrossim, com a sociologia do trabalho, que possui como objeto de estudo as várias questões ligadas ao direito obreiro, devendo-se fazer sempre o exegeta, uma análise das conquistas dos direitos sociais e sua evolução, não podendo jamais nos esquecer das origens do Direito do Trabalho, de como este nasceu e evoluiu lentamente, de baixo para cima, diferentemente do Direito Comum, que se deu de cima pra baixo. Como observa, em seu pequeno grande artigo, Viana (2014, p. 2):

As palavras que falam da origem do Direito do Trabalho também surpreendem as que descrevem o nascimento do Direito Comum. É que, como sabemos, quem construiu, basicamente, as normas trabalhistas, não foram os que detinham as rédeas do poder, mas aqueles que o poder oprimia.

Dessa forma, somente a partir do momento em que entendermos o Direito do Trabalho, em conjunto com todo o sistema jurídico, em especial com os princípios e normas que emanam da Constituição Federal, bem como, com a sociologia do Trabalho, é que este ramo tão importante do Direito poderá continuar progredindo, mesmo que lentamente, e não retrocedendo, como querem alguns, atropelando os diversos direitos e garantias fundamentais conquistados lentamente e através de inúmeras lutas, para poder em uma tentativa desesperadora e que como já se

Page 141

prevê, desastrosa, de flexibilizar direitos fundamentais do trabalhador, além dos já previstos na Constituição Federal.

3. O trabalho na modernidade “líquida” e na pós-modernidade — consequências para o direito do trabalho

Modernamente, a crise do modelo econômico global...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT