Desconsideração da personalidade jurídica e de atos e negócios simulados

AutorMaria Rita Ferragut
Páginas193-209
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Capítulo VIII
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA E DE ATOS E NEGÓCIOS SIMULADOS
8.1 Teoria d a desconsideração da personal idade jurídica
Diferentemente das pessoas naturais, a pessoa jurídica
é um ente incorpóreo, uma realidade abstrata decorrente de
um reconhecimento jurídico. A personificação da pessoa jurí-
dica é considerada uma construção técnica jurídica, criada a
partir de seus registros nos órgãos competentes, composto por
fatores econômicos, sociais e jurídicos, e, por definição legal,
não se confunde com o empresário, sócio ou administrador.92
Possui autonomia obrigacional, processual e patrimonial.93
Ocorre que diante da possibilidade de os sócios e acionis-
tas utilizarem-se da sociedade para a prática de atos ilegais,
em benefício próprio ou de terceiros, e contrários aos interes-
ses da sociedade e de pessoas de boa-fé, a distinção da socie-
dade e de seus sócios não deve ser tomada de forma absoluta.
A solução criada pela doutrina, e aceita pelo Judiciário a
partir de decisões proferidas na Inglaterra, Estados Unidos e
92. TORRES, Heleno Taveira. Regime tributário da interposição de pessoas e da des-
consideração da personalidade jurídica: os limites do art. 135, II e III, do CTN, p. 38.
93. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 14-15.
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MARIA RITA FERRAGUT
Alemanha, foi a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica (disregard doctrine), em razão da qual se deve igno-
rar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, passando os
sócios a responder ilimitadamente pelas obrigações sociais
contraídas. Com isso, atribui-se ao sócio (pessoa física ou jurí-
dica) consequências que ordinariamente deveriam ser impu-
tadas à sociedade devedora.
Assim, preserva-se a personalidade em detrimento do
sócio ou acionista que praticou o ato. A pessoa jurídica per-
manecerá existindo, com todas as suas prerrogativas legais e
responsabilidades pelos demais atos, que não o abusivo.
Nessa medida, a teoria busca a ineficácia relativa da per-
sonalidade jurídica para um determinado caso, e não a invali-
dade da sociedade. É relativa porque o ato jurídico que descon-
sidera a personalidade só produzirá efeitos em determinado
negócio jurídico e perante certas pessoas, permanecendo vá-
lida para as demais situações. Essa conclusão é muito impor-
tante para distinguirmos duas situações distintas e com gran-
de repercussão pragmática para os grupos econômicos – de
fato e irregulares (sociedades simuladas) – conforme teremos
oportunidade de analisar no item do Capítulo IX.
Ademais, a desconsideração pode-se dar de três formas
distintas: direta, inversa e expansiva. Seja qual for a espécie,
a existência de uma relação de controle (de fato ou de direito)
é requisito fundamental, pois apenas o controlador pode, por
meio do exercício de seu poder de mando, abusar da persona-
lidade jurídica, desviando-a de suas finalidades, praticando
atos de fraude à lei e confundindo bens pessoais seus com o
patrimônio das demais sociedades.
Na desconsideração direta, responsabiliza-se o sócio pes-
soa física ou jurídica por débitos da pessoa jurídica. É a hipótese
mais comum de responsabilização. Já na inversa, responsabi-
liza-se a pessoa jurídica por obrigações do sócio ou adminis-
trador, revelando-se em instrumento hábil para combater a

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