Desconsideração e teorias correlatas

AutorOswaldo Moreira Antunes
Páginas239-282
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DESCONSIDERAÇÃO E TEORIAS CORRELATAS
5.1. A TEORIA ULTRA VIRES
De origem anglo-saxônica, a teoria ultra vires refere-se aos limites impostos
à sociedade pela cláusula do objeto social. Considerando que a sociedade existe
apenas para a realização do objeto social, são perigosos os atos que violam esse
mesmo objeto tanto para os sócios como para os credores, devendo, por isso, ser
considerados nulos os atos praticados ultra vires.1
          
    
capacidade igual à de uma pessoa física, desde que pudesse exercer material-
mente seus atributos. Porém, isto não poderia fazer com que a sociedade se
excedesse, dispondo de seus fundos para objetivo não previsto pela própria
sociedade.
Vigorou, todavia, durante anos a ideia de que o consentimento unânime dos

plena capacidade para agir, sofrendo apenas restrição prevista pelo legislador.
    
dos Lordes em 1875. Diretores de uma sociedade de mecânica e negócios gerais

Bélgica, o que não se enquadrava no contrato social. A Câmara dos Lordes, em
  
porque o contrato não se enquadrava no objeto social.
Com o tempo, a necessidade de expansão das sociedades fez com que a
teoria fosse atenuada, passando a ser admitido que a sociedade pudesse exercer
qualquer atividade desde que, de acordo com o conselho de administração da
sociedade, ela pudesse ser vantajosa para a empresa.2
1 BULGARELLI, WALDIRIO. A Teoria Ultra Vires Societatis perante a Lei das Sociedades
por Ações. Revista Forense, 273/69.
2 Idem.
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240 Oswaldo Moreira Antunes
Sem adentrarmos em considerações a respeito de variantes da teoria, por
serem impertinentes ao propósito do presente trabalho, devemos considerar, de
forma ampla, que a atuação ultra vires da sociedade consiste na observação da
atribuição da personalidade jurídica, de acordo com a atividade para a qual foi
constituída, e o próprio ordenamento reconheceu titularidade de direitos e obri-
 ultra vires está impregnado de vício
por ser um ato estranho ao objeto social, fora da capacidade da sociedade, dos
poderes de representação dos administradores.
Ao tratar do tema, CASELLI destaca que, no desenvolvimento da doutrina
ultra vires, além do exame da capacidade como limite do poder da sociedade, ul-
tra vires the company, o princípio estendeu-se aos atos que exorbitavam o poder
de representação da administração, ultra vires the directors.3
Doutrinariamente ainda se discutem sobre a possibilidade ou não de a as-
ultra vires, estra-
nhos ao objeto social.4
De acordo com CASELLI, não se pode sancionar de nulidade a deliberação
que viola a tutela do interesse dos sócios, mas, sim, ela é passível de anulabilida-
5
       
      
social. Ultrapassando esses limites, está caracterizado o ato ultra vires. Adverte
      
de perdas e danos contra o sócio-gerente, provida pela sociedade ou pelo sócio
individualmente, sem prejuízo da responsabilidade criminal.6

que a validade dos atos ultra vires em relação à sociedade tem sido admitida com
  -
ples solução de manter a sociedade responsável pelos atos de seus administrado-
res praticados ultra vires
sociedade perante terceiros e o administrador perante a sociedade, não resolve a
questão de saber se é ou não permitida a prática de atos ultra vires.
O reconhecimento da invalidade das decisões e atos fora do objeto social
    -
mente à sociedade por ações, proteger-se-ia a sociedade e os acionistas, fazendo
    
3 Ibidem, p. 70.
4 CASELI, Giovani. Oggeto social e atti ultra vires. p. 9.
5 Ibidem, p 194-195.
6 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. I, p. 364.
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Aplicação da desconsideração da pessoa jurídica 241
    
geral que só seria válida se não prejudicasse terceiro, que permaneceria com a
faculdade de invocar a teoria ultra vires para não ser prejudicado.7
5.2. A DOUTRINA DOS ATOS PRÓPRIOS
E A TEORIA DA APARêNCIA
No sistema jurídico anglo-saxão há também uma teoria que merece breve
exame na linha desconsideração dos atos praticados pela pessoa jurídica: é a
doutrina dos atos próprios, apresentada, em nível de Direito Comparado, por
PUIG BRUTAU.
A partir do exame da unidade fundamental no plano do Direito Privado, de-
baixo da dispersão de conceitos jurídicos formalmente vinculados à legislação de
cada Estado, BRUTAU visualiza a noção básica do Direito institucional. Para ele é


Entre as semelhanças de soluções relevantes para o exame da desconsidera-
ção da pessoa jurídica há, na doutrina anglo-saxônica, a teoria estoppel e, nos sis-
temas do Direito romanizado, há o princípio do venire contra factum proprium
non valet ou a doutrina dos fatos próprios.
Aponta BRUTAU que, embora um dos princípios gerais mais frequentes
em invocação na prática forense seja o que está contido na regra venire contra
factum proprium non valet, quer dizer, não pode ser permitido o que está contra
os seus próprios atos, não há precisão acerca de seu fundamento. Nesse passo, é
importante o estudo da função que corresponde ao arbítrio judicial e o reconhe-
cimento de seu caráter integrador da ordem jurídica para aquilatar em que casos
terá fundamento invocar perante alguém a regra geral de que não lhe é permitido
contrariar os próprios atos.8

A nadie es lícito hacer valer un derecho en contradicción con su anterior conducta,
cuando esta conducta, interpretada objetivamente según la ley, las buenas constum-
-
do el ejercio posterior choque contra la ley, las buenas constumbres o la buena fe.9
7 Artigo citado, p. 77.
8 BRUTAU, José Puig. Estudios de Derecho Comparado – la Doctrina de los Actos Propios.
p. 97-98.
9 Tratado de Derecho Civil. P. 495. Apud BRUTAU, opere citato, p. 101.
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