Desconstitucionalização do Acesso à Justiça do Trabalho pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017)

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas183-190

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1. Introdução

Como é sabido, o Presidente (interino) da República, Michel Temer, invocando a necessidade de modernizar a legislação trabalhista como meio de promover crescimento econômico e gerar novos empregos, editou, em 22 de dezembro de 2016, e encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 6.787, que institui – na linguagem política do Governo – a chamada minirreforma trabalhista.

Em sua redação original, o referido PL n. 6.787/2016 alterava a CLT em apenas seis artigos da parte de direito material e um artigo da parte processual, a saber: o art. 775, que institui a contagem de prazos processuais em dias úteis.

Tramitando pela Câmara dos Deputados, o Relator, Deputado Federal Rogério Marinho, do PSDB/RN, modificou substancialmente o PL n. 6.787, que passou a ser numerado como Projeto de Lei da Câmara
n. 38/2017, contendo mais de 91 (noventa e um) artigos, além de inúmeros parágrafos, incisos e alíneas, totalizando mais de 220 alterações no texto, tanto da parte material quanto da parte processual da CLT.

O PL n. 38/2017 tramitou em tempo recorde na Câmara e no Senado Federal, tendo sido sancionado na íntegra pelo Presidente da República, Michel Temer, e convertido na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no DOU de 14 de julho de 2017, cujo art. 6º fixou o início da sua vigência em 120 dias após a data de sua publicação, ou seja, a referida norma entrou em vigor no dia 15.11.2017.

Sem embargo do notório deficit democrático do processo legislativo que tramitou no Congresso Nacional, diferentemente do que se deu, por exemplo, com o projeto de Lei que culminou no Código de Processo Civil de 2015, analisaremos, neste singelo artigo, alguns dispositivos da Lei n. 13.467/2017 que alteram a parte processual da CLT e impactam direta ou indiretamente no direito fundamental de acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho.

RESTRIÇÃO À LIBERDADE PRODUZIR JURISPRUDÊNCIA: REDUÇÃO DOS TRIBUNAIS TRABALHISTAS À ULTRAPASSADA FIGURA DO “JUIZ BOCA DA LEI”
“Art. 8º
§ 2º. Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3º. No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essen-ciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.” (NR)

Esses novos dispositivos (§§ 2º e 3º do art. 8º da CLT), embora integrem a parte material introdutória da CLT, acabam atingindo o direito processual do trabalho, porquanto violam os princípios que asseguram o amplo acesso dos trabalhadores à Justiça, já que Lei não pode impedir a qualquer órgão do Poder Judiciário brasileiro apreciar e julgar ação que veicule lesão ou ameaça a qualquer direito (CF, art. 5º, XXXV).

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Além disso, a Lei não é o único elemento de criação de direitos. A jurisprudência também é fonte do direito, como, aliás, o prevê expressamente o caput do art. 8º da CLT.

Na verdade, em direção oposta ao neoconstitucionalismo (ou neopositivismo), que enaltece a força norma-tiva da Constituição e adota o primado dos princípios e dos direitos fundamentais, a Lei n. 13.467/2017 restringe a função interpretativa dos Tribunais e Juízes do Trabalho, como se infere da leitura dos novos §§ 2º e 3º do art. 8º da CLT, os quais revelam a verdadeira mens legislatoris: desconstitucionalizar o Direito do Trabalho e o Direito Processual do Trabalho e introduzir o chamado modelo da supremacia do negociado sobre o legislado.

Entretanto, esse mesmo legislador (praticamente os mesmos Deputados Federais e Senadores) que aprovou o Código de Processo Civil de 2015, cujos arts. 1º e 8º reconhecem a constitucionalização do Direito Processual Civil, enaltecendo como dever do juiz, ao interpretar e aplicar o ordenamento jurídico, observar a supremacia dos “valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição”, restringiu, com a Lei n.
13.467/2017, o papel dos magistrados trabalhistas, pois estes, na dicção dos novos §§ 2º e 3º do art. 8º da CLT, deverão apenas aplicar o que dispõe a Lei. É dizer, a nova Lei transforma juízes do trabalho em meros “servos da lei”, tal como ocorria no Estado Liberal.

Esses novos dispositivos (§§ 2º e 3º do art. 8º da CLT) são inconstitucionais, por violarem os princípios que asseguram o amplo acesso à Justiça, pois nenhuma Lei pode impedir a qualquer órgão do Poder Judiciário brasileiro apreciar e julgar ação que veicule lesão ou ameaça a qualquer direito, bem como os princípios de autonomia e independência do Poder Judiciário, na medida em que os juízes, no Estado Democrático de Direito – e no modelo constitucional de processo –, têm a garantia (e o dever) de interpretar a Lei e todos os dispositivos que compõem o ordenamento jurídico conforme os valores e normas da Constituição, cabendo-lhes, ainda, nessa perspectiva, atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência, como se infere dos arts. e do CPC de 2015, os quais devem ser aplicados ao processo do trabalho por força do art. 15 do mesmo Código e do art. 769 da CLT.

Em rigor, os novos §§ 2º e 3º da CLT violam os princípios da autonomia e da independência dos Juízes e Tribunais do Trabalho como órgãos do Poder Judiciário, pois os submetem à condição de meros aplicadores da Lei (“juiz boca da lei”).

Vê-se, claramente, que o tratamento legislativo dado aos magistrados do trabalho configura autêntica capitis diminutio em relação aos demais magistrados do Poder Judiciário, deixando evidenciados o preconceito e a discriminação contra os membros da Justiça Especializada. Aliás, é fato público e notório amplamente noticiado na grande mídia que parcela considerável de deputados e senadores defende a própria extinção da Justiça do Trabalho.

TRANSFORMAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM

ÓRGÃO HOMOLOGADOR DE LIDES SIMULADAS “Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
f) decidir quanto
à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho. Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
§ 1º. As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§ 2º. Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º do art. 477 desta Consolidação.

Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extra-judicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

Por força da alínea f do art. 652 da CLT, acrescentado pela Lei n. 13.467/2017, as Varas do Trabalho, ou melhor, os juízos trabalhistas de primeira instância, passaram a ter competência para: “decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho”.

Explicitando o procedimento de homologação de acordo extrajudicial, o art. 855-B da CLT dispõe que ele “terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação por advogado”, sendo vedado a ambas as partes serem “representadas por advogado comum”, podendo o trabalhador ser “assistido pelo advogado de sua categoria”.

Vê-se, pois, que o procedimento de homologação de acordo extrajudicial não permite o jus postulandi (CLT, art. 791), pois as partes devem estar obrigatoriamente representadas por advogado.

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Parece-nos razoável a impossibilidade de as partes (empregado e empregador) serem representadas por advogado comum, pois o empregado é a parte vulnerável na desigual relação de direito material de trabalho e o acordo entabulado, na verdade, caracteriza autêntica renúncia de direitos, mormente em situações de desemprego estrutural como a que vivemos atualmente. Além disso, a vedação de constituição de advogado comum a ambas as partes revela a existência de lide, descaracterizando, pois, a essência do “procedimento de jurisdição voluntária”.

De toda a sorte, pensamos que o Juiz do Trabalho deve ter a máxima cautela para “decidir quanto à homo-logação de acordo extrajudicial” (CLT, art. 652, f), sob pena de se tornar o principal protagonista do desmonte do sistema de proteção jurídica dos direitos humanos dos trabalhadores brasileiros.

Exatamente por isso, deve o magistrado observar o disposto no art. 855-D da CLT, segundo o qual: “No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença”.

Vale dizer, é imprescindível a oitiva das partes em audiência, para que ratifiquem perante o Juiz os termos do acordo extrajudicial, evitando-se, assim, eventuais fraudes ou lides simuladas.

Do contrário, a Justiça do Trabalho se transformará em mero órgão cartorário homologador de rescisões de contratos de trabalho em substituição aos sindicatos e aos órgãos do Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou Juiz de Paz, como previam os §§ 1º e 3º do art. 477 da CLT, revogados expressamente pelo art. 5º, I, j, da Lei n. 13.467/2017.

É importante assinalar que o procedimento de homologação de...

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