O desenvolvimento nacional: objetivo do Estado nacional

AutorNeide Teresinha Malard
Páginas312-349

Neide Teresinha Malard. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Diploma in Graduate Legal Studies - Faculdade de Direito - Universidade de Estocolmo. Master of Laws pela London School of Economics and Political Sciences - LSE - Universidade de Londres. Mestre em Direito e Estado – Universidade de Brasília. Doutora em Direito Econômico – Universidade Federal de Minas Gerais. Advogada especializada em Direito Econômico. Professora Colaboradora de Direito Econômico da Fundação Getúlio Vargas - Núcleo de Brasília. Professora de Direito Econômico no curso de graduação em Ciências Jurídicas do Instituto de Ensino Superior de Brasília – IESB – Brasília/DF. Professora de Direito Econômico nos cursos de graduação e de mestrado do UNICEUB – Brasília/DF

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Desenvolvimento nacional: o sentido técnico e a noção constitucional

O desenvolvimento econômico tornou-se uma das principais metas do Estado nacional desde o final do século XIX. Uma nação forte e desenvolvida era aquela que promovia a sua agricultura, a sua indústria e os talentos de seu povo.

Como processo de transformação estrutural, o desenvolvimento econômico implica a superação das condições do subdesenvolvimento: heterogeneidade tecnológica, desigualdades na produtividade do trabalho rural e urbano, proporção relativamente estável da população vivendo ao nível de subsistência e crescente sub-emprego urbano. Trata-se de um processo racional, auto-sustentado, que resulta na transformação quanti-qualitativa das estruturas econômicas e, conseqüentemente, na mudança das estruturas sociais.

Da forma como se acha previsto na Constituição Federal, o desenvolvimento econômico processar-se-á em um quadro jurídico, por meio de políticas econômicas, e de acordo com as estruturas sócio-econômicas da sociedade brasileira.1 É um tal processo que permitirá a realização da justiça social, à medida que propiciará o aumento da produtividade da mão-de-obra, a elevação do padrão de consumo, uma participação maior do setor industrial no PIB, a elevação da renda per capita, uma distribuição de renda mais equânime, a redução das taxas de natalidade e mortalidade e o aperfeiçoamento das instituições públicas e dos serviços que prestam à coletividade. Implica, portanto, o desenvolvimento uma profunda modificação tanto da estrutura econômica como da estrutura social do País.

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Uma das características marcantes do desenvolvimento é o seu dinamismo, tendo em vista a sua natureza de um processo de transformação social. Daí, também, a noção de progresso, que não se limita a valores econômicos, quantificados pela introdução de novos produtos e tecnologias de processo, implicando também a dispersão dos ganhos quantificados sobre a ordem política, social e cultural, possibilitando com isso, a transformação da estrutura social.

Não há praticamente qualquer discordância entre os teóricos acerca dos fatores que promovem o desenvolvimento, cingindo-se as discussões acerca do modus faciendi da inserção desses fatores na economia. A acumulação do capital, a evolução tecnológica e a existência de um mercado consumidor são os principais fatores do desenvolvimento. A carência de capitais é, certamente, o grande problema a superar, pois a acumulação irá sempre depender do nível da poupança, do qual são extraídos os recursos necessários aos investimentos. Não havendo excedentes, não há recursos a serem poupados, e, conseqüentemente, faltarão investimentos em novas atividades econômicas. Instala-se, assim, o que se convencionou chamar do círculo vicioso da pobreza.2 O desenvolvimento de um mercado consumidor depende da criação de empregos que sejam capazes de gerar renda para que os trabalhadores possam gastar os seus salários em bens de consumo.

A tecnologia é outro fator de dependência dos países de capitalismo tardio, onde é introduzida pelas empresas transnacionais depois de já amortizada no país de origem e, ao ser exportada, já se encontra defasada onde foi gerada. O salto tecnológico é, portanto, essencial para que se faça um corte na dependência, tanto em relação à técnica dos produtos quanto aos processos de produção, de sorte a adaptar a tecnologia às necessidades do meio social, evitando-se, assim, a reprodução de consumo de outros países.3

É sob essa perspectiva que se deve interpretar o Capítulo IV do Título VIII, da Constituição da República, que se dedica à ciência e tecnologia, eis que ali podem ser identificados os elementos ideológicos do tratamento constitucional ao desenvolvimento tecnológico do país. Cabe ao Estado não apenas promover, mas também incentivar, o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas, concedendo à pesquisa científica básica tratamento prioritário, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências, (art.218, § 1º). A Constituição exige que a pesquisa tecnológica seja endógena, orientada para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistemaPage 314 produtivo nacional e regional (art.218, § 2º). Cabe, ainda, ao Estado formar cientistas c criarlhe condições especiais de trabalho, remuneração desvinculada do salário e participação nos ganhos resultantes da produtividade de seu trabalho, disposições que visam, claramente, conter a evasão de cérebros para o exterior, pois é exatamente nos países desenvolvidos onde se encontram os grandes incentivos financeiros para a pesquisa e remuneração atrativa aos pesquisadores (art.218, §§ 3º e 4º).

É a integração de todos esses fatores – acumulação de capital, evolução tecnológica e existência de um mercado consumidor – de forma harmônica e dinâmica, que permite a transformação desse círculo vicioso de pobreza em espiral de desenvolvimento. À medida que os movimentos circulares vão-se ampliando do centro para fora, vai envolvendo um número cada vez maior de participantes nesse processo de transformação, possibilitando a acumulação de capital que novos investimentos sejam realizados e, por fim, a distribuição dos ganhos da produtividade.

No tocante às formas de consecução do desenvolvimento, Hélio Jaguaribe, um dos mais insignes teóricos do desenvolvimento nacional, distingue entre desenvolvimento espontâneo e desenvolvimento programado. O primeiro se processa pela ação espontânea dos agentes econômicos, que se lançam em suas atividades produtivas buscando a realização de seus próprios interesses. Decorre esse tipo de desenvolvimento das próprias forças anônimas do mercado e, segundo o autor, só teria ocorrido na Grã-Bretanha e em algumas de suas excolônias, notadamente os Estados Unidos.

O desenvolvimento programado, por sua vez, é aquele que se processa pela ação do Estado, que concentra esforços políticos, sociais e econômicos visando alcançar objetivos pré-determinados. Exemplos pioneiros do desenvolvimento programado teriam sido o bonapartismo, que se processou na França, e o bismarckismo, que ocorreu na Alemanha. Nesses países, à falta de um desenvolvimento espontâneo, como o que ocorrera na Grã-Bretanha, nos séculos XVIII e XIX, em razão da Revolução Industrial, o Estado cuidou de superar as deficiências da economia nacional, que não permitiam a industrialização e, conseqüentemente, o desenvolvimento econômico.

A linha desenvolvimentista então seguida naquelas duas nações baseava-se, precipuamente, na preservação do mercado nacional para a indústria doméstica e na arbitragem das forças sociais em conflito. Enquanto na França, cabia ao poder executivo, de forma autoritária, manter o equilíbrio entre a burguesia e o proletariado, assegurando as condições de estabilidade necessárias para a promoção do desenvolvimento sob a liderança da burguesia, na Alemanha, o papel de Bismarck era mais complexo, pois lhe cabia compor osPage 315 interesses das forças progressistas e burguesas da Renânia com os da classe aristocrática e reacionária da Áustria. O “bismarckismo”, mais do que uma arbitragem entre classes, transformou-se em dirigismo nacional, com o claro propósito de enfrentar o expansionismo da Grã-Bretanha e a doutrina que o nutria, o internacionalismo liberal. Adotou-se, assim, uma política econômica que, tanto em sua dimensão interna quanto externa, buscava a consolidação e a emancipação da economia nacional, com base em uma ativa colaboração do Estado com a classe empresarial, tendo em vista o desenvolvimento da nação alemã.4 Com efeito, o capital que promoveu o desenvolvimento da Alemanha era basicamente de origem nacional, e a infra-estrutura era de propriedade do Estado – ferrovias e serviços postal, telefônico e telégrafo – enquanto os serviços de gás, água potável e transporte urbano pertenciam às municipalidades. As empresas fornecedoras de energia elétrica eram de propriedade das municipalidades ou dos estados, funcionando algumas sob o regime de economia mista.5

As duas linhas desenvolvimentistas pressupõem, portanto, um Estado atuante e conciliador dos interesses das diversas classes que participam do processo de desenvolvimento, buscando na coesão social, a forma de superar o não-desenvolvimento pela transformação das estruturas econômicas e sociais.

O desenvolvimento, como processo de transformação social, não pode ser confundido com o crescimento econômico, muito embora dificilmente se obtenha desenvolvimento sem que o crescimento ocorra. No entanto, o crescimento econômico não conduz necessariamente ao desenvolvimento. É que o desenvolvimento implica uma transformação sócio-econômica, enquanto o crescimento da economia nem sempre afeta a estrutura social. O crescimento exógeno, externo a um determinado sistema econômico, ensina Fábio Nusdeo, pode aumentar o PIB e a renda per capita, sem, contudo, alterar as estruturas daquele sistema, seja a produtiva, seja a social, caso em que não...

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