Desenvolvimento por Região

AutorDante A. Caponera
Ocupação do AutorJefe de de la legislación de la FAO
Páginas117-172
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6.1 ÁFRICA
6.1.1 INTRODUÇÃO
Os países africanos derivaram suas leis de águas e instituições de sistemas jurídicos impor-
tados por povos estrangeiros durante os últimos séculos. Os países que estavam formalmente
sob a administração da França, Bélgica, Itália, Espanha ou Portugal adotaram, geralmente,
o sistema de direito romano-germânico, enquanto os que estavam sob as regras Britânicas
derivaram suas leis de águas e instituições do sistema do common law. Os sistemas jurídicos
de outros países resultaram de inluências diversas das que foram acima mencionadas ou da
combinação de dois ou mais sistemas. O direito de águas muçulmano também desempenhou
papel importante nos países que izeram parte do Império Otomano e naqueles que receberam
inluência árabe.
Esses sistemas jurídicos se desenvolveram, em geral, paralelamente ao direito costumeiro,
que variava de área para área. O direito costumeiro na África é particularmente signiicativo a
respeito das questões relativas à terra e à água.
Desde a independência, a maioria dos governos africanos reconheceu que os recursos
hídricos têm importante papel no seu desenvolvimento econômico e social. Entre outras
coisas, a água é necessária, inter alia, para mudar de cultivos de rápido retorno para agricultura
em larga escala irrigada, para desenvolver a geração de energia hidrelétrica e, em esquemas
industriais, para abastecer os centros populacionais e as áreas rurais, e, em geral, satisfazer a
crescente demanda de água resultante do rápido aumento demográico.
Esses usos, se não forem regulados e gerenciados racionalmente, podem levar a resul-
tados indesejáveis, como enchentes, secas, erosão do solo, salinização, assoreamento etc., ou
ter efeitos negativos sobre a qualidade da água, a saúde pública e o meio ambiente. Da mesma
forma, podem gerar conlitos entre os usuários.
Na África, as leis e instituições hídricas são, com frequência, inadequadas ao atendi-
mento das necessidades acima mencionadas. Na maioria dos países africanos, numerosas leis
e regulamentos relacionados à água têm sido promulgados para resolver problemas especí-
icos, resultantes do uso e do desenvolvimento hídricos, dos efeitos nocivos, do mau uso e da
poluição da água. Em geral, tais leis e regulamentos são administrados por diferentes minis-
térios, departamentos ou agências governamentais, quase sempre sem qualquer coordenação
entre si, o que produz uma justaposição das atribuições do setor hídrico, mau planejamento e
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PRINCÍPIOS DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO DE ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
um enfoque setorial dos projetos envolvendo recursos hídricos, o que pode prejudicá-los,
atrasá-los ou levá-los ao fracasso. Outras consequências dessa situação são o desper-
dício de recursos naturais, inanceiros e humanos, e a incerteza dos usuários da água, em
relação a outros usuários e à administração.
A gestão racional dos recursos hídricos exige leis e instituições apropriadas, a serem
estabelecidas com base na situação particular e necessidades existentes em cada país, a
im de assegurar a implementação das políticas hídrica e planos dirigidos à satisfação das
demandas atuais e futuras. Os aspectos relativos à qualidade da água não devem ser igno-
rados, uma vez que o problema da poluição atinge dimensões consideráveis nos países
industrializados e poderá, em breve, tornar-se fonte de preocupação também na África.
Em nível internacional, a conscientização sobre a necessidade de favorecer maior
cooperação regional e continental, em vez de organizações econômicas de pequeno porte,
levou os governos africanos a estabelecerem organizações regionais e sub-regionais, de
bacia de drenagem e organizações continentais, cujo propósito é a realização de metas
comuns de natureza econômica, inanceira e social.1Isso poderá facilitar grandemente
programas integrados de administração e de legislação, com o intuito de harmonizar
legislações e instituições hídricas nacionais, fornecendo uma base útil para o gerencia-
mento racional de recursos hídricos.
O grande desaio, porém, é escolher o tipo de esquema regional mais apropriado,
visto as diferenças em regime político, idioma, sistema jurídico, condição econômica e
outras motivações, as quais podem constituir fatores uniicadores ou divisores. Consi-
derando os resultados alcançados, parece que as organizações de bacia ou de sub-bacia,
constituem a estrutura ideal para a integração dos aspectos jurídicos e institucionais do
gerenciamento dos recursos hídricos em nível regional.
Além disso, a necessidade de proteger o meio ambiente e gerenciar os recursos
naturais de forma racional ou sustentável está se tornando uma fonte de preocupação
para muitos governos africanos. Conselhos de proteção aos recursos naturais vêm sendo
criados em alguns países, assim como leis de proteção ambiental vêm sendo promul-
gadas, juntamente com a legislação hídrica.
Neste item, as leis e instituições relativas à água nos países africanos serão exami-
nadas por grupos de países, em função da origem de seu sistema jurídico. Esta classii-
cação é aproximada, uma vez que cada país tem suas próprias características, dependendo
das condições locais prevalecentes.2
6.1.2 DIREITO COSTUMEIRO
O direito costumeiro na África é, indubitavelmente, a fonte mais importante do direito e da
legislação hídrica em particular, visto ser o mais conhecido e respeitado pela população.
1 Um bom exemplo de cooperação continental é a Organização da Unidade Africana, criada em 1963. Na área dos
recursos hídricos, as organizações mais importantes são a Organisation pour la mise en valeur du ϔleuve Senegal
(OMVS), estabelecida em 1972; a Lake Chad Basin Commission, estabelecida em 1964; e a Niger River Commission,
criada em 1963.
2 Para esta classiicação, ver CAPONERA, D. A. Water Law in: Selected African Countries, Legislative Study nº 17,
FAO, Rome, 1979.
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DESENVOLVIMENTO POR REGIÃO
Com poucas exceções, é encontrado em todo o continente africano, sendo relevante em
questões como posse e propriedade da terra, pastagem, cultivo, administração da água,
dessedentação de animais, pesca e outros direitos de uso da água, associações de usuários,
ocupação e redistribuição do solo nas zonas rurais, sucessão, bem como nos procedimentos
relacionados ao cadastro, à matrícula, ao registro, à adjudicação e resolução de conlitos
sobre tais direitos.3 As normas costumeiras são mais detalhadas onde a água é escassa.
O direito costumeiro, quase todo não escrito, pode variar de região para região, de
país para país e mesmo de área para área em um único país. Em geral, baseia-se no prin-
cípio de que a terra e a água pertencem à comunidade e, portanto, o indivíduo só tem
direito a usar a água nos termos do sistema de ocupação da terra costumeiro comunal,
tribal ou comunitário prevalecente. Nesse sistema, o conceito de propriedade privada da
água é geralmente desconhecido.
Em alguns países, aqueles que usam a água ou a terra em determinada área unem
seus esforços para exercer controle comunitário sobre este uso. Os direitos e as obriga-
ções dos indivíduos na comunidade são regidos pelos costumes locais, e um funcionário
local é designado para administrar a água e resolver litígios e reivindicações conlitantes.
Em certos países, o direito costumeiro foi reconhecido especiicamente na legis-
lação, especialmente em relação à posse da terra e aos direitos de pastagem e de cultivo.
É o caso de Benin, Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana, República Demo-
crática do Congo, Gabão, Gana, Costa do Marim, Quênia, Níger, Nigéria, Sudão, Tanzânia,
Togo, Uganda e Zâmbia. Em Madagascar, os direitos costumeiros são reconhecidos como
droits d’usage (direitos de uso). Na Tunísia, há um regime especial para as chamadas
terres collectives (terras coletivas), enquanto que na Líbia, as terras tribais são tratadas
como propriedade comunal. No Senegal, qualquer terra que não faça parte do domínio
público por força de lei, nem seja propriedade privada no sistema de matrícula (registro
da terra), pertence ao domínio público, sendo devolvida às autoridades da comunidade
para redistribuição aos usuários.4
A legislação para ajustar o direito costumeiro às necessidades de desenvolvimento
é uma questão política de destaque em muitos Estados africanos. A existência de um
marco jurídico- institucional costumeiro facilita a criação de legislação e administração
racionais dos recursos hídricos, bem como de medidas para colocar todos os recursos
hídricos sob a tutela do Estado. Aliás, as tendências modernas da política dos recursos
hídricos exigem a participação da população no gerenciamento dos recursos hídricos,
o que é mais fácil de conseguir quando existe um enfoque mais comunitário e menos
individualista em relação à propriedade, ao uso e à distribuição da água, assim como
nas associações, cooperativas e consórcios de usuários de água. Esse enfoque, diícil
de introduzir nas sociedades ocidentais, é compatível com o ambiente africano, onde
a existência de formas tradicionais de organização comunitária pode facilitar sua ins-
titucionalização.
3 Ibid., 8.
4 MIFSUD, F. Customary Land Law in Africa, FAO, Rome, 1967.
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