O tratamento desigual de animais por espécie e prática nos Estados Unidos: um dilema moral e legal

AutorPamela D. Frasch Hollie Lund
CargoPh. D. Lewis & Clark Law School. Class of 2011
Páginas29-44

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Todo estado nos Estados Unidos da América tem uma complexa rede de leis protegendo, pelo menos, alguns animais de crueldades e negligências. Embora alguns advogados concordem que essas leis não dêem direitos legais a animais, da forma como direitos são definidos pelo Direito Americano, elas proporcionam a principal (e em alguns casos a única) proteção legal disponível neste País. Dependendo da severidade do crime e de outros fatores, a lei estadual pode considerar a crueldade animal uma infração, um delito, um crime1. Na maioria das vezes, a conduta tipificada pelas leis anti-crueldade é classificada como uma ofensa delituosa de menor potencial; entretanto, a partir de hoje, quarenta e seis estados e o distrito da Columbia têm pelo menos uma lei criminal de anti-crueldade. Somente quatro estados - Idaho, Mississipi, Dakota do Norte e Dakota do Sul - não têm uma lei anti-crueldade de nível criminal.

De maior interesse, entretanto, é o fato de que a primeira lei anti-crueldade na América foi criada há mais de trezentos anos (pela Colônia da Baía de Massachusetts), seguida pela primeira lei anti-crueldade estatal em 1804, mas que trinta e nove (mais do que oitenta por cento) das leis criminais anti-crueldade exis-

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tentes só foram aprovadas nos últimos quinze anos. Esta intensificada atuação legislativa nos anos 1990 e na primeira década deste século sugere uma anunciada mudança fundamental, e muito recente, no nível de interesse e boa vontade dos estados a enxergarem com mais vigor abuso e negligência animal no processo legislativo.

Uma teoria que muitos estudiosos apontam como o ponto de partida para esse recente interesse e criação de leis anti-crueldade é a abundancia de estudos científicos que demonstram haver uma ligação direta entre abuso animal e outras formas de violência humana. Ao longo dos últimos anos, uma constante corrente de artigos de jornais e revistas apresentou essa informação ao público2, causando (ou talvez sendo responsável por isso) um interesse crescente pelas questões envolvendo abuso animal em comunidades por todo o País.

Ainda antes dos resultados científicos - de credibilidade - pesquisados estarem abertamente disponíveis, a ligação entre abuso animal e violência humana já fazia sentido. Em 1751, o artista inglês William Hogarth estampou uma série de quatro gravuras, intitulada "As Quatro Fases da Crueldade". As gravuras seguem o caminho criminoso de "Tom Nero", começando com a sua tortura de um cachorro na primeira gravura, roubo e assassinato nas duas gravuras seguintes, e terminando com uma gravura final (intitulada " Recompensa da Crueldade") que retrata Tom como um corpo sendo dissecado publicamente, tendo sido condenado e enforcado por seus crimes. As gravuras apenas ilustram em estilo gráfico o que agora nós reconhecemos como um trágico, ainda que comum, fenômeno de "ligação" social. Exemplos dramáticos dos dias atuais deste fenômeno focam nos mais infames assassinos seriais dos últimos 20 anos. Sem exceção, todo assassino serial na história dos Estados Unidos tem tido demonstrado ter um histórico de violência contra animais.

Ainda hoje, nosso conhecimento deste fenômeno tem mais do que uma base anedótica ou intuitiva. Sociólogos, criminalistas, psicólogos e outros estudiosos e profissionais têm analisado e

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documentado a ligação, e há agora inúmeros estudos igualmente revisados3explorando a "ligação" e suas várias permutas.

A primeira evidência bem documentada da ligação resultou do estudo de oitenta e quatro presos. O estudo, realizado nos anos 1960, descobriu que setenta e cinco por cento dos que tinham sido condenados por crimes violentos possuíam um registro anterior de crueldade contra animais4. Vinte anos depois, outro estudo descobriu que 25% de 152 condenados agressivos tinham cometido cinco ou mais atos envolvendo crueldade aos animais quando eram crianças, comparado com somente 6% dos condenados não-agressivos5. Em um segundo estudo, os mesmos pesquisadores entrevistaram criminosos para obter o histórico de descrições de atos violentos contra animais. Os resultados propiciaram mais base para a conclusão deles de que crueldade em animais na infância está associada com comportamentos agressivos no futuro contra pessoas6. Um estudo de 1988, sobre assassinos seriais em crimes sexuais (e o maior estudo até então), descobriu que 36% admitiram ter cometido cruel-dade em animais quando crianças, 46% admitiu ter cometido crueldade em animais em adolescentos e 36% quando adultos7.

Há também uma alta correlação entre violência familiar e crueldade em animais. Um estudo de 1983, em famílias de Nova Jersey, assistidas por serviços sociais por terem um histórico de abusos e violência, mostrou que 60% dos casos tinham, pelo menos, um membro da família que abusou fisicamente de nãohumanos8. Um estudo na Inglaterra resultou em descobertas similares: 83% das famílias que tinham um histórico de abuso aos animais eram consideradas como famílias com tendência a abusos a crianças e outras violações9. O jornal profissional Social Work preparou um manual para terapeutas designado a prever potencial comportamento violento de pacientes que, não surpreendentemente, incluíam crueldade em animais como um "fator altamente associado à violência, comportamento antissocial"10.

E, em 1997, um estudo da Sociedade Massachusets para Prevenção de Crueldade am Animais e a Universidade Northeastern desco-

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briu que 70% das pessoas que cometeram crimes violentos contra animais também tinham registros criminais por violência, violações ao patrimônio, drogas ou desordem11. Este resultado foi também embasado em um mais recente estudo, conduzido pelo Departamento de Polícia de Chicago, que examinou 322 prisões por crueldade em animais e descobriu que 70% daqueles presos tinham outras acusações de delitos (incluindo homicídios), 86% tinham múltiplas prisões, 70% tinham acusações por narcóticos, 65% tinham sido acusados por ofensas violentas, 27% tinham anterior acusação por porte de armas, 13% tinham sido presos por crimes sexais e 55% eram membros de gangues12.

Ao demonstrar a síndrome do abuso, entretanto, o estudo de 1997 descobriu que 56% dos abusadores de animais que cometeram outros crimes, cometeram estes previamente à ofensa animal. Este resultado é interessante porque não dá suporte à premissa anterior usualmente aceita que indivíduos violentos começam pelo abuso animal para depois graduar as vítimas humanas. Visto por esse contexto, o abuso animal não é tanto o "canário na mina de carvão" como é parte de um esquema global de uma comunidade antissocial e baseada na violência.

Mais recentemente, o Departamento de Polícia de Chicago investigou 322 prisões por crueldade em animais e descobriu que 70% daqueles presos tinham outras acusações de delitos (incluindo homicídios), 86% tinham múltiplas prisões, 70% tinham acusações por narcóticos, 65% tinham sido acusados por ofensas violentas, 27% tinham anterior acusação por porte de armas, 13% tinham sido presos por crimes sexais e 55% eram membros de gangues13.

À medida que aprendemos mais sobre esta ligação, um número de outras (...). A pesquisa tem demonstrado que, muitas vezes, essas mulheres têm animais como companhia, que não são bem-vindos em abrigos de violência doméstica, mas que enfrentam possível abuso se deixados para trás. Um estudo recente descobriu que metade das mulheres agredidas donas de animais de estimação reportaram real ou ameaça de abuso ani-

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mal pelos seus parceiros, e mais de 1/4 relatou que o carinho que têm por seus animais de estimação afetou a decisão delas de deixar ou continuar com seu agressor14. Outro estudo similar-mente concluiu que a vasta maioria das mulheres que vivem em abrigos de violência doméstica estavam perturbadas por causa do abuso vivenciado por seus animais de estimação e que a substancial minoria demorou pra procurar abrigos por causa da afeição que tinham por seus animais de estimação15. Quando a mulher nessa situação ou atrasa ou simplesmente recusa o abrigo temporário por causa dessa afeição, ela deixa a si mesma, seus animais de estimação e possivelmente seus filhos em um ambiente em que mais abusos poderão ocorrer. Em resposta a este problema, muitas comunidades têm estabelecido programas que proporcionam um lar seguro e confidencial para seu animal de estimação enquanto a mulher está em um abrigo de violência doméstica16.

O resultado desta pesquisa e sua divulgação ao público dá uma compreensão maior da importância do combate ao crime violento onde quer que ocorra, e contra quem quer que seja. Estado e lei federal rotineiramente examinam tanto se a cruel-dade animal estava envolvida em outras atividades criminosas violentas, quanto se essa informação fornece pistas importantes para identificar o criminoso e pode fornecer aos promotores opções adicionais para fazer sua denúncia, realizar acordos, recomendações.

Levar a sério a crueldade animal, como um crime de comuni-dade é também consistente com as crenças filosóficas originais por trás das primeiras leis americanas...

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