Desjudicialização da execução civil: uma análise do PL 6.204/2019 à luz do princípio da eficiência
Autor | Cassio Scarpinella Bueno e Arthur Ferrari Arsuffi |
Páginas | 505-523 |
DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO CIVIL:
UMA ANÁLISE DO PL 6.204/2019
À LUZ DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Cassio Scarpinella Bueno
Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito
da PUC/SP. Professor Doutor de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação,
Especialização, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP. Vice-
-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e membro do Instituto
Ibero-Americano de Direito Processual e da Associação Internacional de Direito
Processual. Advogado e Parecerista. cassio@scarpinellabueno.com.br
Arthur Ferrari Arsuffi
Doutorando, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito
da PUC/SP. Professor do curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual
Civil da COGEAE/PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP),
do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO), do Comitê Brasileiro de
Arbitragem (CBAR) e da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP. Advogado.
arthur@reisesouza.com.br
1. INTRODUÇÃO
A ineficiência da execução civil é um tema de discussão recorrente na doutrina.
Há décadas o tema é debatido e foram inúmeras as alterações legislativas que modi-
ficaram o chamado Processo de Execução até a sua formatação atual1.
Ninguém nega que houve sensíveis avanços em razão dessas alterações legisla-
tivas, consolidadas e aperfeiçoadas pelo Código de Processo Civil de 2015. Ninguém
nega, também, que ainda existe muito a se avançar2.
Sobre tema Heitor Sica assim se manifesta:
O sistema judiciário brasileiro pode ser comparado aos sistemas viários das grandes cidades. A
“taxa de congestionamento” de seus órgãos é periodicamente medida pelo Conselho Nacional
1. Reformas realizadas em 1994, 2002, 2005 e 2006.
2. “Mesmo à mingua de estudos empíricos que permitissem identificar os gargalos do processo de execução,
a simples sensação de baixa efetividade do processo de execução respaldava em tais oportunidades a
convicção sobre a ineficiência da atividade executiva. Podia-se dizer ser previsível o ganho de tempo
que se conquistaria com a dispensa da realização de nova citação do devedor para o pagamento após o
encerramento da cognição, no caso de títulos executivos judiciais com condenação em obrigação de pagar
quantia; ou com a modernização dos atos de apreensão de patrimônio do executado, tal como ocorreu com a
penhora de ativos financeiros por meio eletrônico. Portanto, muitos daqueles avanços legislativos realmente
pareciam dispensar estudo empírico para identificar os motivos de demora relacionada àqueles atos. Era
preciso evoluir para formatos mais expeditos e modernos de alguns atos de execução. Ao mesmo tempo,
as modificações legislativas já passadas geraram a sensação inversa de que se alcançou alguma melhora no
tempo de duração do processo de execução, ainda que não houvesse números a medir e comprovar o ganho
de tempo.” (YARSHEL, Flávio Luiz; RODRIGUES, Viviane Siqueira. Desjudicialização da execução civil:
uma solução factível e útil entre nós? In: MEDEIROS NETOS, Elias Marques de e RIBEIRO, Flávia Pereira
(Coord.). Reflexões sobre a Desjudicialização da Execução Civil. Juruá, 2020, p. 362-363.).
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de Justiça, com frequência revelando a insuciência de sua capacidade em face da demanda da
sociedade pelos serviços judiciários. Apesar dos mais diversos esforços, o congestionamento ju-
dicial segue tendência de aumento trazendo consigo diversos malefícios manifestos para o país:
volumes expressivos de riquezas deixam de circular na economia enquanto objeto de disputas
judiciais; o sistema bancário restringe o crédito, e cobra muito caro por ele, sabedor de que sua
eventual recuperação tende a ser demorada, custosa e de ecácia incerta; o Estado se vê compelido
a dedicar cada vez mais recursos para o Poder Judiciário, sem que se possam constatar resultados
visíveis e duradouros em termos de redução do congestionamento judicial3.
É público e notório que a execução civil é ineficiente e dificulta o recebimento
do crédito pelo credor. O PL 6.204/2019 propõe “a chamada desjudicialização da
execução civil de título judicial e extrajudicial, a introduzir modificações, dentre
deixa dúvidas sobre o tema:
“A crise em que se encontra mergulhada a jurisdição estatal aprofunda-se anualmente com o aumen-
to da litigiosidade multifacetada, tratando-se de realidade inconteste comprovada pelo Conselho
Nacional de Justiça a cada publicação do seu “Justiça em Números”. Os últimos dados constantes
de levantamentos estatísticos baseados no exercício de 2018 apontam para um total de 79 milhões
de demandas em tramitação, das quais nada menos do que 42,81 milhões são de natureza executiva
scal, civil e cumprimento de sentenças, equivalente a 54,2% de todo o acervo do Poder Judiciário.
Indo diretamente ao ponto que interessa ao tema em voga, infere-se que aproximadamente 13 milhões
de processos são execuções civis fundadas em títulos extrajudiciais e judiciais, o que corresponde à
aproximadamente 17% de todo o acervo de demandas em tramitação no Poder Judiciário. Como se
não bastasse a descrição de um quadro patológico crônico que se agrava a cada ano, as estatísticas
do CNJ vão além e apontam para um período de tempo de tramitação das execuções extremamente
longo, qual seja, 4 anos e 9 meses, considerando-se a data da distribuição até a efetiva satisfação,
se e quando houver, enquanto os processos de conhecimento tramitam por tempo muito inferior (1
ano e 6 meses). Os dados do CNJ ainda indicam que apenas 14,9% desses processos de execução
atingem a satisfação do crédito perseguido, enquanto a taxa de congestionamento é de 85,1%, ou
seja, de cada 100 processos de execução que tramitavam em 2018, somente 14,9 obtiveram baixa
denitiva nos mapas estatísticos. Diante deste cenário caótico, não é difícil concluir que os impactos
negativos econômicos para o desenvolvimento do País são incalculáveis, na exata medida em que
bilhões em créditos anuais deixam de ser satisfeitos, impactando diretamente o crescimento nacional,
somando-se ao elevadíssimo custo da movimentação da máquina judiciária”
Os números não mentem: há um sério problema na execução civil brasileira.
A partir dessa constatação surge uma pergunta cuja resposta é imprescindível para
quem pretende se debruçar sobre o tema: quais são os motivos (ou, ao menos, o
principal deles) que tornam a execução civil tão ineficiente?
3. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Congestionamento viário e congestionamento judiciário: reflexões sobre a
garantia de acesso individual ao Poder Judiciário. Revista de Processo, v. 236/2014, p. 13-26, out. 2014.
4. CASTRO, Daniel Penteado de. Atividades Extrajudiciais Antes Delegadas ao Poder Judiciário: Breves
Comentários em Confronte com as Iniciativas de Desjudicialização da Execução Civil. Reflexões sobre os
Cinco Anos de Vigência do Código de Processo Civil de 2015: Estudos dos membros do Centro de Estudos
Avançados de Processo – Ceapro. 2021.
5. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8041988&ts=1624912882976&-
disposition=inline.
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