A desjudicialização da execução e a delegação de atividades de satisfação do direito

AutorMarco Félix Jobim e Ricardo Chemale Selistre Peña
Páginas717-734
A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO
E A DELEGAÇÃO DE ATIVIDADES DE SATISFAÇÃO
DO DIREITO
Marco Félix Jobim
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul com estágio
pós-doutoral da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direitos fundamentais
pela Universidade Luterana do Brasil. Professor Adjunto na PUC-RS na graduação,
especialização, mestrado e doutorado. Advogado.
Ricardo Chemale Selistre Peña
Mestre e doutorando em Teoria Geral da Jurisdição e do Processo pela PUC-RS.
Advogado.
1. INTRODUÇÃO
Partindo-se da premissa de que a academia tem a missão de buscar conhecer a
realidade que a cerca à procura de respostas para a resolução de problemas, o pes-
quisador das diversas áreas e, em especial o do direito, deve importar do mundo das
ideias a aplicação prática do estudo desenvolvido, de forma a colaborar, incessan-
temente, com a melhoria do sistema de justiça1 que deságua no jurisdicionado e na
sociedade em geral.
A busca por um processo civil efetivo é tema que merece toda atenção. Giuseppe
Chiovenda foi um dos pensadores que atribuiu ao tema da efetividade um escopo
maior a ser buscado pelo processo, eternizando o pensamento na frase: “Il processo
deve dar per quanto possible praticamente a chi há un diritto quello e propio quello ch’egli
há diritto di conseguire”.2
Evidentemente, de nada vale ser vencedor em sua pretensão sem que se “concre-
tize” seu direito. A mera satisfação moral de uma sentença favorável, muitas vezes,
acaba por não ser o suf‌iciente. O vencedor quer que o vencido cumpra a obrigação
ou lhe pague o equivalente, mas se este último não faz isso espontaneamente, em
muitos casos f‌ica ele sem cumprimento ou o débito sem pagamento.
A atenção com o cumprimento de sentença e com a execução judicial, decorren-
te de título executivo judicial ou extrajudicial respectivamente, que contenha uma
obrigação de pagar determinada quantia em dinheiro, apresenta relevância máxima,
pois é nela que se dará a efetiva satisfação ao credor. É missão da tutela satisfativa
1. Sobre a expressão “sistema de justiça” interessante ver: CADIET. Löic. Perspectiva sobre o sistema de justiça
civil francesa: seis lições brasileiras. Trad. Daniel Mitidiero; Bibiana Gava Toscano de Oliveira; Luciana
Robles de Almeida; Rodrigo Lomando. São Paulo: Ed. RT, 2017.
2. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, p. 67.
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entregar ao credor exatamente aquilo a que tem direito, no menor prazo possível,
do modo menos oneroso possível para o devedor e para o sistema processual. A de-
mora na realização do crédito ou a frustração no seu recebimento gera verdadeiro
descrédito no serviço público da Justiça.
As implicações resultantes do desapontamento não se limitam às expectati-
vas pessoais dos jurisdicionados. O impacto da inefetividade causa incalculáveis
prejuízos à economia e ao bem-estar social, pois alimenta consequências futuras
relacionadas à falta de conf‌iança de investidores, que interpretam a ausência de
resposta adequada da justiça como um estímulo ao descumprimento das obriga-
ções, na medida em que passa ele a ser visto como um bom negócio para o devedor
recalcitrante não quitar seus débitos3. Como consequência lógica decorrente dessa
desconf‌iança generalizada está a mudança das práticas negociais costumeiras, com
a exigência de maiores e melhores garantias, análises de crédito cada vez mais rigo-
rosas, contratos cada vez mais complexos e aumento de preços de bens e serviços
em razão do repasse deste custo que podemos chamar de custo da “inefetividade
da justiça”.
Diante dessa repercussão que a inef‌iciência e inefetividade da prestação jurisdi-
cional geram para a sociedade, a preocupação, principalmente com o cumprimento e
execução de títulos judiciais e extrajudiciais, vem crescendo entre os prof‌issionais do
direito e com total razão de ser, pois os dados das recentes pesquisas realizadas pelo
Conselho Nacional de Justiça, denominado “Justiça em Números”4, não são nada
animadores. A última pesquisa divulgada em 2020, concluiu que tramitavam, em
2019, aproximadamente 77,1 milhões de processos no judiciário brasileiro, sendo
que mais da metade desses processos, cerca de 43 milhões, eram processos em fase
de cumprimento e de execução.
As execuções f‌iscais, para se ter uma ideia, representam 70% do estoque de
processos em execução. São elas as principais responsáveis pela alta taxa de conges-
tionamento do Poder Judiciário. As execuções cíveis – cumprimento e execução –,
somavam aproximadamente 13 milhões de processos.
Outro dado relevante divulgado na pesquisa é que a fase de conhecimento, na
qual o juiz tem de vencer a postulação das partes e a dilação probatória para chegar
à sentença, é mais tempestiva que a fase subsequente, que não envolve atividade de
cognição, somente de concretização do direito reconhecido. As estatísticas apontam
para um período de tempo e tramitação dos cumprimentos das decisões extrema-
mente longo, qual seja, 4 anos e 9 meses, enquanto os processos de conhecimento
tramitam em 1 anos e 6 meses.
3. GAIO JUNIOR, Antônio Pereira. Execução e Desjuducialização. Modelos, Procedimento Extrajudicial
Pré-Executivo e o PL 6204/2019. Revista de Processo – RePro-RT, n. 306, p. 151. ago. 2020.
4. Justiça em Números 2020/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2020 e pesquisas anteriores.
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