Deslocamento do Centro do Poder Empregatício e o Salário-Resultado

AutorAmauri Cesar Alves
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito do Trabalho, PUC-Minas. Professor Universitário, Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Fundação Pedro Leopoldo (FPL).
Páginas169-179

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Perceptível nos últimos anos, nos contextos de reestruturação produtiva, toyotismo, pós-fordismo e especialização flexível, a ocorrência de deslocamento do centro do Poder Empregatício nas relações individuais de trabalho, tema que será visto no presente artigo conjuntamente com a análise da figura jurídica do salário-resultado. Em síntese pode-se afirmar que tem havido, ainda que de modo incipiente e localizado, a perda da centralidade da subordinação jurídica no âmbito do exercício do poder, que se desloca para a onerosidade. Assume relevância neste contexto a contratação de salário (complexo salarial ou remuneração) variável, cabendo sua quantificação final mensal ao empregado, que se torna, então, o principal instrumento de exercício do poder pelo empregador.

1. Deslocamento do centro do poder empregatício

Nas relações jurídicas de emprego marcadas pelo fordismo1 o que se percebe é a preservação do centro do Poder Empregatício no âmbito da subordinação (dependência, CLT, art. 3º), em que são comuns as chefias, os controles de tempos e movimentos, as punições por faltas, indisciplina ou insubordinação. Neste contexto também é comum a identificação estanque de função, dividida claramente em tarefas preordenadas e fiscalizadas. O controle patronal quanto ao modo da prestação laborativa se percebe facilmente e o trabalhador cumpre as ordens dos prepostos do empregador como modo elementar de manutenção de seu emprego. Neste contexto a subordinação (observância às ordens e

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comandos patronais) resulta direta e imediatamente em contraprestação (onerosidade), de modo que o empregado sabe que se cumprir fielmente com suas obrigações, observando seu horário de trabalho e suas atribuições, receberá, no final do mês, seu pagamento (normalmente em valor fixo).

Ocorre que em diversas relações em que se destaca o toyotismo ou pós-fordismo2, no contexto da reestruturação produtiva, o centro de Poder Empregatício tem se deslocado da subordinação para a onerosidade (salário, CLT, art. 3º). São dispensáveis as chefias, os controles patronais diretos sobre tempos e movimentos, bem como as punições disciplinares, sendo cada vez mais destacada a responsabilidade individual do empregado pela (melhor) composição de sua remuneração mensal (caracterizada pela variabilidade) e pela manutenção de seu emprego (metas a cumprir).

São dispensáveis, em tal perspectiva, as chefias, os controles, os horários, os locais fixos e determinados de prestação laborativa, as tarefas claramente definidas e ordenadas, bem como as punições como elemento dissuasor de comportamentos em desconformidade com o que se espera do trabalhador. O que vale, para inúmeros empregadores (e consequentemente para seus empregados) é o resultado final do trabalho desenvolvido, pouco importando os métodos, os meios e os meandros da prestação laborativa.

É claro que tal compreensão não afasta a exigência de subordinação jurídica como elemento fático-jurídico caracterizador da relação de emprego. É fato, também, que a maioria das relações empregatícias ainda é marcada pela subordinação clássica como ponto fundamental para o exercício do Poder Diretivo e para o reconhecimento do vínculo empregatício. O que se pretende aqui é apenas propor uma reflexão sobre novos cenários laborais e suas consequências para o Direito do Trabalho.

Inicialmente é importante destacar os contornos jurídicos do Poder Empregatício.

O Poder Empregatício é, no dizer do Prof. Mauricio Godinho Delgado, o "conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego"3. Márcio Túlio Viana, citando Octavio Bueno Magano, traz definição de Poder Diretivo em sentido estrito como "... a capacidade atribuída ao empregador para dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das atividades da empresa". Trata ainda o citado autor do poder de organização como "... a capacidade do empresário de determinar a estrutura técnica e econômica da empresa bem como a estratégia tendente à realização dos objetivos desta"4.

O poder no contrato de emprego se revela e subdivide em Poder Diretivo e Poder Disciplinar. O Poder Diretivo, por sua vez, se revela através do Poder Regulamentar e do Poder Fiscalizatório.

A regra patronal deve se limitar ao conteúdo do contrato de trabalho, não sendo lícita, presumivelmente, aquela que invade a esfera privada do cidadão trabalhador (Poder Regulamentar). Também não é lícita a regra que expõe o trabalhador a situação vexatória, que fixa condições impossíveis ou que contraria o disposto na Constituição da República, na legislação infraconstitucional ou nos acordos e convenções coletivos de trabalho.

O empregador, além de criar a regra no âmbito do contrato pode fiscalizar o cumprimento das suas diretrizes e determinações, bem como a integridade de seu patrimônio (Poder Fiscalizatório). Não há norma geral justrabalhista heterônoma infraconstitucional sobre as possibilidades e limites da fiscalização no âmbito da relação de emprego (ressalvadas exceções pontuais). Assim, também por isso, os limites serão constitucionais, por suas regras e princípios5.

A fiscalização patronal deve se limitar ao contrato de emprego, não sendo lícita, presumivelmente, a ação que invade a esfera privada do cidadão trabalhador.

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Também não é lícita a fiscalização ofensiva, invasiva, degradante ou desnecessária.

No que concerne ao Poder Disciplinar6 a ordem jurídica brasileira confere ao empregador a excepcional possibilidade de impor punição ao empregado no âmbito do contrato de trabalho. O Professor Mauricio Godinho Delgado destaca o poder disciplinar como "o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais"7.

Também não há na legislação trabalhista infraconstitucional a imposição de limites claros ao exercício do poder disciplinar, cabendo ao empregador, em um primeiro momento, a imposição da pena conforme seu particular entendimento sobre o fato analisado. É claro, entretanto, que o empregador deve observar os direitos fundamentais do cidadão trabalhador no exercício do Poder Empregatício e, com natural destaque, do Poder Disciplinar, cabendo em última análise ao Poder Judiciário punir condutas patronais em desconformidade com a ordem jurídica vigente8.

No contexto de produção fordista o Poder Empregatício tem enfoque destacado na subordinação jurídica, conforme o anteriormente exposto. Diferente é a tendência verificada em situações juslaborais cujo modelo de produção é flexível, marcado pelo toyotismo, pois o que se percebe, em diversas situações fáticas, é o deslocamento do enfoque para a onerosi-dade. Aqui as regras (expressas ou tácitas, verbais ou escritas) valorizam a contraprestação pelo trabalho entregue, em detrimento da ordenação expressa e explícita do modo da prestação laborativa. A fiscalização direta, ostensiva e pessoal perde centralidade, sendo valorizado o resultado final do trabalho desenvolvido. As punições deixam de ser instrumento usual do exercício do poder pelo empregador, que tem na remuneração variável forma mais efetiva de exigir o cumprimento das obrigações e, sobretudo, de atingir diretamente o trabalhador menos produtivo. Tende a ser mais efetiva a expressão do Poder Empregatício ao impor perdas remuneratórias do que eventuais advertências ou suspensão disci- plinar.

Em tal sentido os dados colhidos em entrevistas realizadas com 152 trabalhadores, em Minas Gerais9.

Os dados básicos são os seguintes: foram entrevistados 133 empregados celetistas, 1 empregado doméstico, 11 servidores públicos e 06 trabalhadores autônomos. Dentre os empregados celetistas, cerne da presente análise, 17,29% são comerciários, 30,83% são industriários, 38,35% são trabalhadores nos serviços e 13,53% trabalham em outros ramos de atividade econômica.

No que diz respeito à subordinação, 123 dos 133 trabalhadores celetistas entrevistados revelaram ter chefe, gerente ou supervisor em seu trabalho, ou seja, 92,48% desta amostra específica. Entretanto, 42,86% dos entrevistados revelaram não ter chefes com função exclusiva do controle do seu trabalho e de seus colegas. Dado expressivo diz respeito à materialização do poder disciplinar pelos empregadores celetistas: 66 dos 133 entrevistados celetistas nunca viram ou sequer ficaram sabendo de aplicação de punição disciplinar no âmbito de seu empregador. Obviamente não foram, eles próprios, punidos. Nunca viram ou ficaram sabendo de qualquer caso que envolva colega advertido, suspenso ou dispensado por justa causa em seu atual emprego, o que corresponde a 49,62% do total de empregados celetistas ouvidos.

No que concerne à contraprestação, 31,58% dos empregados celetistas entrevistados recebem remuneração variável e 36,09% do total têm metas a cumprir.

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2. Subordinação e onerosidade nos contratos de emprego

É claro, e não se pretende aqui defender o contrário, que para haver contrato de emprego devem estar presentes concorrentemente os cinco elementos fático-jurídicos caracterizadores do vínculo empregatício: trabalho por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. O que se destaca aqui são situações em que há a perda da centralidade da subordinação no âmbito do Poder Empregatício, que se desloca para a onerosidade, e não a exclusão daquele requisito para a afirmação do emprego.

No que tange à onerosidade, com base nos estudos em Direito Civil, oneroso é o contrato (e a relação jurídica) no qual "ambas...

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