A desnecessidade de coabitação para configurar união estável

AutorLeonardo Alves de Oliveira
CargoBacharelando em Direito Acadêmico do 9º semestre (UNIC ? Universidade de Cuiabá) Assessor de Gabinete da 1º Vara de Família e Sucessões de Rondonópolis/MT
Páginas39-43

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Considerações iniciais e breve escorço histórico

Se analisada dentro de um contexto histórico e fático, a hoje chamada união estável é mais antiga do que o próprio matrimônio, já que a cooptação de seres humanos em um núcleo afetivo para produção, procriação e mútua assistência, dentro de um núcleo afetivo do que hoje se conhece como família, é muito anterior ao próprio casamento. Todavia, se analisada sob um prisma jurídico, pode-se dizer que a união estável é um instituto deveras novel, que somente foi amparado pela ordem jurídica pátria em 1988, com o advento da Constituição Federal vigente.

Até a promulgação da atual carta republicana, a união estável não tinha respaldo normativo devido ao intervencionismo estatal no seio familiar (e também devido a princípios canônicos que permeavam o processo legislativo e a sociedade da época), que, visando organizar sua estrutura, criou o casamento como única forma de entidade familiar legítima, deixando qualquer outra relação afetiva informal à margem de direitos e de tutela jurisdicional.

Como bem obtempera Gustavo Tepedino1, por muito tempo o

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estigma do adultério e a proteção ao casamento como única forma de constituição da família fez com que se considerasse o concubinato estranho ao direito, insuscetível de produzir efeitos jurídicos.

Na Roma Antiga a união afetiva não solene entre pessoas era considerada um casamento inferior,
de grau mais baixo,
uma união entre homem e mulher sem
casamento propriamente dito, o que
se denominava concubinatus. Da mesma forma que no
direito romano, no
Brasil, inicialmente,
as uniões não matrimonializadas eram intituladas de concubinato (nomenclatura que tem forte carga pejorativa por ser derivada da expressão concubere, que significava “dividir o leito”, “dormir com”, ou, conforme jargão tupiniquim, caracterizaria a situação da mulher “teúda e manteúda”: tida e mantida por um homem como sua amante, amásia, amigada2).

Até então, o conceito de concubinato era dividido pela doutrina pátria em concubinato puro e concubinato impuro. O primeiro, cuidava-se de uma união de pessoas que estavam desimpedidas de convolar núpcias, mas que, por opção, não formalizavam sua relação afetiva. Já o segundo conceito construído pelos juristas tratavase de união fática entre amásios que eram impedidos de casar por qualquer dos motivos previstos legalmente no codex civil, e que na maioria dos casos retratava a situação de um homem que já era casado. Daí a grande rejeição por parte da sociedade.

Por conta disso, de modo geral, o concubinato (união não ma-trimonial) era visto com olhos de preconceito, caminhando assim até o início do século XX, sendo que qualquer tentativa de constituir família fora dos cânones do casamento era destinatária da mais profunda repulsa social, simplesmente considerada como uma família ilegítima. Sua concepção era de algo ilícito, comumente ligado ao adultério e que deveria ser rejeitado e proibido.

Nesse sentido, a codificação de Bevilaqua de 1916 reconhecia somente o casamento como entidade familiar, sequer havendo preconização normativa admitindo a existência de uniões extramatrimonializadas, ou seja, não havia direitos e deveres legalmente previstos entre companheiros, o que manteve as relações informais carentes de qualquer tutela jurisdicional.

Contudo, quer queiramos ou não, quer gostemos ou não, novas estruturas familiares estão em curso3 e mesmo com toda repulsa social a união afetiva livre, informal, sempre existiu (e sempre existirá), não sendo possível vedar o surgimento de relações afetivas díspares do casamento, mesmo sem o respaldo legal necessário.

Tais uniões, em que pese não gozarem de guarida normativa e não serem consideradas famílias propriamente ditas, produziam consequências fáticas, sendo que, quando ocorria a separação dos companheiros ou morte de um destes, o interessado, convivente em regime de concubinato (puro ou impuro), batia às portas do Judiciário reclamando por uma prestação jurisdicional, o que, per consecutio, com o fito de serem evitadas injustiças, exigia manifestações jurisprudenciais.

Inicialmente, as demandas concubinatárias eram processadas e julgadas nas varas cíveis de feitos gerais, pois, legalmente, a nature-za da relação de concubinato não era familiar. Os interessados não faziam jus à prestação alimentícia, pelo que os tribunais brasileiros, inspirados na jurisprudência fran-cesa, reconheciam às concubinas o direito a uma indenização por serviços domésticos (caseiros, tais como lavar, passar, cozinhar etc.) e sexuais prestados4. Cumpre-nos aclarar que os primeiros julgados que impulsionaram a construção de uma doutrina concubinária datam da década de 1960, sendo que a tutela normativa inerente às relações more uxorias deu-se primeiramente nas esferas trabalhista e previdenciária, conforme Decreto-lei 7.036/445 e Lei 4.297/636.

Nessa linha de intelecção, os julgados continuaram a evoluir, passando a reconhecer entre os concubinos a existência de uma sociedade de fato; inclusive o petrório excelso editou súmulas sobre a união afetiva, como por exemplo a 35, dispondo que em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio, bem como a Súmula 380, asseverando que uma vez comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua...

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