O Diagnóstico antecipado de doenças genéticas e a ética

AutorVolnei Garrafa
CargoCoordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética da Universidade de Brasília e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.

É impressionante o volume de produção científica e de novas informações sobre BIOÉTICA provenientes dos quatro cantos do mundo. A quantidade de novos projetos de pesquisa, ensaios, artigos, revistas científicas e livros oferecidos pela Internet e por outros meios de comunicação é crescente. Apesar de situações bioéticas persistentes como o aborto e a eutanásia continuarem dividindo o mundo em posições opostas e quase inconciliáveis, e em que pese a fecundação assistida ter ocupado os principais espaços da mídia internacional na década passada, no que se refere às situações emergentes, a pauta bioética do início do século XXI aponta dois temas que concentram a preferência das atenções dos pesquisadores estudiosos, grande imprensa e demais interessados na matéria. Os temas são: a genética (incluindo o projeto genoma humano), pelo lado das novidades; e, supreendentemente, a saúde pública e coletiva,pelo lado dos velhos problemas que - se o atual estado de coisas permanecer inalterado - não serão resolvidos tão cedo de modo satisfatório pela inteligência humana.

Um número da IAB News, periódico da International Association of Bioethics (IAB), publicado há três anos, por meio de editorial assinado pelo seu então presidente, Alastair Campbell, já estampava a preocupação e o compromisso da entidade com a proposta de uma "Nova Política Global de Saúde para o Novo Milênio", sugerida, na época, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e referendada pelos outros importantes organismos internacionais (1). A proposta, mais uma vez, não era nova. Em 1978, na cidade de Alma Ata, na antiga União Soviética, a OMS já havia proposto, com grande repercussão mundial, seu programa de "Saúde para Todos no Ano 2000". Como se sabe, esse slogan utópico não somente esteve longe de ser cumprido, como as distâncias entre os cidadãos necessitados do mundo e aqueles que acumulam bens exagerados e desnecessários aumentaram significativamente neste curto espaço de tempo.

Hoje, a distância entre os excluídos e os incluídos na sociedade de consumo mundial - tanto quantitativa quanto qualitativamente - é maior que em 1978. Enquanto os japoneses vivem quase 80 anos, em média, há alguns países africanos, como Serra Leoa, onde a média mal alcança os 30 anos. Um brasileiro pobre, nascido na periferia de Recife, no Nordeste do Brasil, vive aproximadamente 15 anos menos que um pobre nascido na mesma situação na periferia de Curitiba ou Porto Alegre, no Sul. O usufruto democrático dos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, portanto, está muito longe de ser alcançado. Esta é a dura e crua realidade: quem tem poder de compra vive mais, quem é pobre vive menos. E a vida passa a ser um negócio rentável para uns, inalcançável para outros... A saúde é substituída pela economia e suas teorias mirabolantes, em um mundo comandado pelo fundamentalismo econômico.

A diferença das propostas da OMS no contexto de 1998, no entanto, é que nessa oportunidade, em conjunto com outras organizações internacionais congêneres, ela estava tentando ir além do slogan e das boas intenções, e procurando sair em busca de apoio concreto na tentativa de construção de uma nova ÉTICA para o assunto. E isso foi promissor, sem dúvida, não só para o campo da saúde especificamente, como também para o aprimoramento dos direitos humanos e ampliação da cidadania mundial de forma mais ampla. O IV Congresso Mundial de Bioética realizado em Tóquio, em novembro de 1998, por exemplo, teve a Bioética Global como tema oficial, na procura de uma (re) abertura da discussão ética sobre a relação entre a qualidade da vida humana e planetária e a verdadeira cidadania.

Nessa altura alguns poderão estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com a engenharia genética? Tudo! Apesar da ausência esperada dos Estados Unidos, um conjunto de mais de 80 países - com o apoio da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT