Diálogo das fontes e o direito comparado como fonte formal do direito do trabalho brasileiro

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas49-55

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Introdução

O Direito Comparado, apesar de admitido legal e expressamente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como fonte do Direito do Trabalho (conforme disposição de seu art. 8º), é um mecanismo pouco convencional nos foros e na prática jurídica cotidiana. Seja em razão e uma compreensão insuficiente e inadequada do tema, seja em razão de não fazer parte da cultura jurídica brasileira, o Direito Comparado é relegado a um segundo plano de importância.

Considerando tal cenário, este artigo tem como objetivo trazer luzes à possibilidade de utilização do Direito Comparado como fonte supletiva do Direito do Trabalho brasileiro, indicando um caminho metodológico criterioso a ser percorrido para sua utilização. Ilustra-se tal possibilidade a partir da casuística do pré-contrato de trabalho, tema disciplinado no Direito português e silenciado no Brasil.

Para tanto, este estudo foi organizado em três grandes partes: a primeira aborda a conceituação e funções do Direito Comparado, ramo da ciência jurídica ora analisado; a segunda dedica-se ao estudo do Direito Comparado como fonte do Direito, inclusive do Direito do Trabalho, indicando caminhos e critérios a serem preenchidos para que tal fonte possa servir de inspiração para o ordenamento jurídico brasileiro; a terceira busca exemplificar o que fora apresentado nos itens anteriores a partir da colmatação da lacuna jurídica sobre o pré-contrato de trabalho no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da eleição do Direito português como possível fonte supletiva.

Por fim, à guisa de conclusão, evidencia-se o ganho jurídico com a utilização do Direito Comparado como fonte do Direito, especialmente no tocante ao contrato preliminar de trabalho.

1. O direito comparado: conceito e funções

O Direito Comparado é compreendido como o ramo da ciência jurídica que estuda as semelhanças e dissemelhanças entre institutos e/ou ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, mediante cotejo sistemático e classificação em famílias.

As famílias do Direito Comparado contemporâneo podem ser classificadas, segundo René David em i) família romano-germânica, a exemplo do Brasil, América Latina, Europa continental, Japão etc.; ii) família da common law, a exemplo dos Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul etc.; iii) família socialista, a exemplo da antiga União Soviética; e outros tipos menos frequentes, como aquelas tradições jurídicas existentes no Direito muçulmano, no Direito do Extremo Oriente, etc.

A preocupação com o paradigma jurídico estrangeiro não é recente. Desde a Antiguidade, há relatos sobre a preocupação com a compreensão do direito estrangeiro. Aristóteles estudou 153 constituições de cidades-Estado gregas para escrever a Política. Sólon teria feito o mesmo antes de promulgar as leis de Atenas; assim como Licurgo o fez em Esparta. Entre os romanos, os decenviros somente teriam preparado a Lei das XII Tábuas após consulta às instituições gregas. Como disciplina e método cientifico, porém, o Direito Comparado remonta somente ao século XX (ANCEL).

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O Direito Comparado tem como função (JESCHECK, FELICIANO): (a) extrair e/ou aplicar a experiência útil dos modelos e institutos jurídicos estrangeiros, atendo, assim, a uma “necessidade científica elementar de investigar o que não se sabe” (FELICIANO) e cumprindo sua finalidade sociojurídica; (b) prover o entrelaçamento político e econômico mundial nas diversas agendas temáticas, inclusive a do trabalho, cumprindo sua função político-econômica; (c) construir, em cada segmento do Direito, genuínas teorias gerais (no campo laboral, uma Teoria Geral do Direito do Trabalho), atendendo à sua função epistêmica, tal como “sementeiras de teorias gerais”.

2. O direito comparado como fonte material do direito do trabalho: diálogo das fontes

O Direito Comparado é diretamente referido na Consolidação das Leis do Trabalho como fonte material do Direito do Trabalho (seja em seu âmbito individual, coletivo, tutelar), conforme disposto em seu art. 8º:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (grifo nosso)

Parágrafo únicoO direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

O advento da recente Lei n. 13.467/2017 – a dita “Reforma Trabalhista” – não alterou esse panorama.
Na realidade, manteve-se o caput tal como estava e foram alterados/acrescidos apenas os parágrafos, nesses termos:

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Essa nova redação, que entrará em vigor em meados de novembro próximo (2017), suscita inúmeras discussões do ponto de vista da constitucionalidade (poderia a Lei n. 13.467/2017 criado o único negócio jurídico cujo conteúdo é imune à jurisdição – a saber, os acordos e convenções coletivas de trabalho –, a despeito do que diz o art. 5º, XXXV, CF?) e da hermenêutica (pode haver aplicação subsidiária do direito comum sem o filtro lógico-sistemático da compatibilidade, que a Reforma parece ter eliminado, em comparação com o anterior § 1º?). Mas é certo, porém, que não interfere, todavia, com o fundamento primeiro da tese aqui perfilhada.

Com efeito, tal como antes – e desde 1943 –, o direito comparado segue sendo tratado legalmente como fonte material (e mesmo formal) do Direito, juntamente com outras figuras ou institutos clássicos; algumas são legítimas fontes formais, como p. ex. a lei e os regulamentos de empresa, enquanto outros não, como a jurisprudência, a analogia (modo de integração do Direito), os “princípios e normais gerais de direito” (que a rigor são normas e não fontes), e ainda outros menos encontradiços no foro, como a equidade (art. 852, § 1º, CLT) e os usos e costumes (art. 5º da Lei n. 5.889/1973).

Admitido, porém, o direito comparado como fonte do Direito, surgem duas questões em relação a sua aplicação: 1) Como...

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