O diálogo nas práticas restaurativas: a (re)compreensão do passado através da linguagem

AutorAdriana Goulart de Sena Orsini, Natália de Souza Neves
Páginas28-44
O DIÁLOGO NAS PRÁTICAS RESTAURATIVAS
A (RE)COMPREENSÃO DO PASSADO ATRAVÉS DA LINGUAGEM
Adriana Goulart de Sena Orsini1
Natália de Souza Neves2
Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a
proposta metodológica da Justiça Restaurativa, reconhe-
cida mundialmente como forma alternativa de resolução
de conflitos, utilizada não apenas pelo Poder Judiciário,
mas também pela sociedade civil. Objetiva-se, outrossim,
estabelecer uma interface entre a metodologia da Justiça
Restaurativa e a noção de horizonte histórico, cunhada por
Hans-George Gadamer, buscando estabelecer pontos de
convergência e complementação entre a práxis que busca
a restauração das relações e a fusão de horizontes históri-
cos, que perpassa essa práxis, permitindo a
(re)significação e (re)compreensão do passado no presen-
te. Essa (re)compreensão só é possível por meio de uma
reflexão através da linguagem, que atua como instrumen-
to que possibilita a fusão de horizontes, e ao mesmo tem-
po constitui o imaginário dos interlocutores que se pro-
1 Adriana Goulart de Sena Orsini é Professora Adjunta da Faculdade
de Direito da UFMG, Coordenadora do Projeto Estruturante do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG
denominado: “Governança Pública, Acesso à Justiça, Efetividade,
Consensualidade e Dimensão Processual dos Direitos Humanos”,
Juíza Federal do Trabalho, Membro do Co mitê Gestor da Conciliação
do CNJ e Juíza Auxiliar da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito
da UFMG. Bolsista Capes/Reuni.
Adriana G. de Sena Orsini & Nathane Fernandes da Silva
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põe ao diálogo instaurado pelas práticas restaurativas.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa Horizonte Históri-
co.
Introdução
A Justiça Restaurativa, reconhecida como meto-
dologia diferenciada de resolução de conflitos, utilizada
não somente pelo Poder Judiciário, mas também em
organizações e instituições da sociedade civil, constitui-se
como uma prática inovadora, porque busca restaurar as
relações rompidas com a ocorrência do delito, focando a
sua atuação não no passado, através de estabelecimento
da culpa e da punição, mas por meio do diálogo, restau-
rar as relações no presente com enfoque no por-vir. É
também transformadora e pedagógica porque transforma
os envolvidos no conflito, à medida em que estes dia-
logam um com o outro, vivenciando a alteridade e a
complexidade de uma realidade até então distinta e des-
conhecida para cada um. O diálogo direto entre vítima e
ofensor, que se constitui como um dos pilares da metodo-
logia restaurativa, possibilita-se a (re)compreensão e
(re)significação dos acontecimentos passados, de forma
que a vítima possa expressar as suas experiências e
explicitar as conseqüências da conduta do ofensor em sua
esfera pessoal. Essas consequências muitas vezes trans-
cendem a perda de um bem ou a agressão sofrida, e
necessitam ser elucidadas pelo ofendido, como parte do
seu processo de superação do fato e do conflito. O ofen-
sor, por sua vez, também se encontra circunscrito em uma
realidade social, realidade que precisa ser evidenciada.
Também possui a sua versão sobre os acontecimentos,
sobre as atitudes que o levaram ao cometimento do delito
ou do ato que suscitou o conflito. Esse ofensor possui a
sua história, as suas memórias e muitas vezes uma reali-
dade permeada de conflitos e necessidades que precisam
vir à tona. Essa possibilidade da vítima e do ofensor elu-
cidarem as suas memórias, perspectivas e sentimentos
através do diálogo permite além de uma (re)compreensão

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