Diálogo no cenário acadêmico: é possível?

AutorDaniel Calbino
CargoGraduado em Administração (UFSJ), mestre em Administração (UFMG) e doutorando em Administração (UFMG). É professor Assistente do IFMG
Páginas241-256
Revista de Ciências Humanas - Florianópolis - Volume 45, Número 1 - p. 241-256 - Abril de 2011
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* Dialogue in the academic setting: is it possible?
1 Graduado em Administração (UFSJ), mestre em Administração (UFMG) e doutorando em Adminis-
tração (UFMG). É professor Assistente do IFMG. Endereço eletrônico: dcalbino@yahoo.com.br
2 O conceito de incomensurabilidade foi introduzido, em 1962, por Kuhn e Feyerabend, no âmbito da
filosofia da ciência. A incomensurabilidade significa que duas teorias (modelos, paradigmas) rivais
não seriam comparáveis de uma forma racional e objetiva. Ou seja, entende-se pela crença na
impossibilidade de estabelecer diálogos entre teorias diferentes, visto que partem do pressuposto de
que as visões de mundo distintas são irreconciliáveis.
Diálogo no cenário acadêmico: é possível?*
Daniel Calbino1
Instituto Federal de Minas Gerais
Este trabalho teórico aborda um conflito aparentemente corriqueiro nos
congressos científicos, envolvendo sujeitos que, embora apresentem
posições epistemológicas semelhantes durante os congressos, acabam por se
pautarem por discussões e conflitos acalorados, marcados pela individualidade
dos argumentos, em vez de buscarem constituir bases em comum para a pro-
dução do saber. O objetivo central deste artigo consiste em questionar: Quais
são os indícios que dificultam o diálogo na comunidade acadêmica? Além de
buscar explicitar alguns dos fatores que restringem a comensurabilidade, con-
templa como objetivos secundários: defender o diálogo na academia; e indicar
algumas diretrizes para isso. Os resultados obtidos indicam pelo menos quatro
fatores que restringem o diálogo na academia: a) as premissas que sustentam a
teoria da incomensurabilidade2 - parte-se do princípio de que não existem me-
didas comuns entre os paradigmas, de modo que vivem em mundos diferentes,
com “crenças” mutuamente exclusivas, com diferentes vocabulários; b) o pró-
prio contexto de individualismo e a competitividade em que a academia se en-
contra - refere-se ao argumento de que o contexto da academia é marcado
pela competitividade e por influências de interesses de corporações, e isso faz
com que os acadêmicos tenham que se submeter a “regras” para sobreviver;
c) a pouca prática para lidar com dissidências e opiniões diferentes - envolve a
dificuldade de lidar com opiniões diferentes, devido ao despreparo em relação
práticas da democracia; e d) a presença da vaidade - defende-se que há no
campo intelectual a propensão ao narcisismo, à pretensão da superioridade
fundamentada em titulações e diplomas, e à busca do melhor argumento. Além
disso, aparece a necessidade de distinção, em que o intelectual busca constan-
temente se diferenciar de seus pares. Esses fatores parecem restringir a capa-
cidade de refletir sobre as próprias dúvidas e limitações. Em busca de diretrizes
para ampliar o diálogo, este trabalho não teve a pretensão de sanar todos os
problemas apresentados, mas apenas indicar algumas possibilidades para ini-
ciar o combate à incomensurabilidade. Dentre as propostas, foram levantados:
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a) constituição de uma ética de responsabilidade - propõe-se romper com um
valor pautado no individualismo e no utilitarismo para uma ética voltada para a
coletividade; b) busca pelo diálogo - propõe-se a constituição de um argumento
coletivo, pautado na disposição de romper com a lógica de vencer a argumen-
tação; e c) realização da autocrítica constante - propõe-se combater a vaidade,
que se apresenta, muitas vezes, de modo sutil na academia, refletindo constan-
temente as motivações e reações ao ato criticar e de receber críticas. Espera-
se oferecer como contribuições deste artigo: indicar alguns dos motivos que
restringem o diálogo; fomentar o debate no próprio contexto acadêmico; e pro-
por novos caminhos para ampliar a comensurabilidade.
Introdução
Em um congresso nacional de Administração, cuja temática era “Estudos
críticos com propostas permeadas por resistência, denúncia e tentativas de
mudanças às formas de violência”, um professor com a titulação de pós-doutor,
referência na área em razão do elevado índice de publicações e contribuições
teóricas, declarou que a ausência de rigor acadêmico estava gerando vítimas
na academia. Com base nesta linha de raciocínio, alegou que a vítima da vez
era o autor Paulo Freire, pois os atuais acadêmicos escreviam artigos sem
compreender a perspectiva epistemológica em que estava inserido e sem rea-
lizar o rigor acadêmico de estudar “a fundo” antes de citá-lo.
Durante as mesas de debates, as críticas continuaram, desta vez com
apoio de seus orientandos, sendo que os trabalhos iam sendo criticados sem o
cuidado de preservar a integridade dos autores. Neste processo, um dos orien-
tandos do professor iniciou um processo contínuo de críticas, “coincidentemen-
te”, sobre a apropriação indevida do uso de Paulo Freire em um dos trabalhos
apresentados. Após as críticas, um dos autores criticados perguntou ao orien-
tando se ele tinha lido o trabalho. Embaraçado, o orientando disse que se ba-
seou apenas no que foi dito pelo apresentador.
Interessante observar que, aparentemente, o argumento do rigor acadê-
mico proposto pareceu falacioso, pois os litigantes realizaram as críticas sem
ao menos ler a obra (artigo) do autor. Outro ponto problemático: ao defende-
rem a contextualização e o aprofundamento dos estudos de Paulo Freire, pare-
ce que, na prática, o comportamento dos críticos não coincidiu com as pro-
postas de Freire, visto que este autor defende que ninguém sabe tudo e nin-
guém não sabe nada (FREIRE, 2006a). Além disso, o “método” freireano é
mais próximo da dialogicidade entre educando e educador (FREIRE, 2006b)
do que na visão de críticas “ácidas” e da detenção do saber absoluto sobre
determinado autor.

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