Dificuldades Institucionais no Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil

AutorEmanuella Ribeiro Halfeld Maciel - João Pedro Nunes Sturm
Páginas95-99

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Emanuella Ribeiro Halfeld Maciel 1

João Pedro Nunes Sturm 2

Introdução

O trabalho escravo é uma permanência histórica no Brasil. Mesmo com sua abolição legal, ocorrida em 1888, através da Lei Áurea, sua erradicação permanece sem perspectiva. É de responsabilidade de todo e qualquer Estado Democrático de Direito se comprometer com a luta contra essa prática que tolhe a liberdade, a dignidade e a igualdade de suas vítimas.

Desde 1995, o Brasil assumiu compromisso inter-nacional de combate ao trabalho escravo contemporâneo diante das Nações Unidas. Apesar disso, percebe-se uma série de dificuldades impostas institucionalmente que dificultam a efetivação da luta contra a prática no país.

Os avanços obtidos ao longo desses 20 anos são inegáveis. Segundo dados do próprio Ministério do Trabalho e Previdência Social em 2016, já foram resgatados 52 mil trabalhadores ao longo desse período. A legislação brasileira, inclusive, é considerada uma das mais avançadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), incluindo hipóteses como a jornada exaustiva, a servidão por dívida e as condições degradantes. Esta relaciona-se ao ambiente de trabalho incompatível com a dignidade humana, caracterizado pelo constante risco à saúde e à vida do trabalhador. Aquela, por sua vez, refere-se ao contexto em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho, de modo a acarretar danos à sua saúde física ou psicológica, enquanto a servidão por dívida é a conjectura, na qual o trabalhador é aliciado para contrair um débito ilegal, que o vincula ao empregador ou local de trabalho.

Dessa forma, a erradicação da modalidade contemporâneo da exploração do trabalhador deveria estar próxima. Contudo, é perceptível um retrocesso recente no que tange às diferentes medidas empregadas pelo governo brasileiro. Nesse sentido, encontram-se os cortes orçamentários sofridos pelas principais instituições responsáveis pela fiscalização e prevenção do trabalho escravo nos últimos anos. Cabe ressaltar que o contingenciamento de gastos tem refletido na diminuição do número de resgates de trabalhadores submetidos à condições análogas às de escravo.

Além disso, a impunidade apresenta-se como um dos principais elementos identificados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) responsáveis pela dificuldade no enfrentamento do trabalho escravo no Brasil. Nesse sentido, percebe-se a ausência de condenações cíveis ou criminais dos supostos autores desse delito, bem como a recorrente suspensão da Lista Suja e a falta de aplicação do art. 243 da Constituição Federal3.

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O presente trabalho visa discutir os principais desafios impostos institucionalmente pelo Estado brasileiro, perpassando os aspectos jurídicos, sociais e administrativos relacionados ao combate do trabalho escravo.

O trabalho escravo contemporâneo e seus desafios
2.1. A face do trabalho escravo no brasil contemporâneo

O trabalho escravo e o tráfico de pessoas são conceitos habitualmente relacionados à realidade latino-americana dos séculos XVII, XVIII e XIX. Contudo, apesar do lapso temporal de 130 anos decorrido desde a abolição da escravidão no Brasil, é possível perceber a conservação dessas estruturas. Adquirindo novas facetas, as redes de trabalho escravo se mantêm, organizando-se, contudo, de maneira mais articulada, através do uso da internet, das redes sociais e dos meios de comunicação virtuais para aliciar trabalhadores. Nesse sentido, a fim de erradicar tais práticas do continente americano, faz-se indispensável o emprego de estratégias atualizadas de combate ao trabalho escravo, valendo-se dos instrumentos provenientes da evolução tecnológica presenciada no século XXI.

De acordo com pesquisa realizada pelo Centro Carr de Políticas de Direitos Humanos, da Universi-dade de Harvard, a escravidão contemporânea é trinta vezes mais rentável do que nos séculos XVIII e XIX. A mesma pesquisa estima que o lucro anual obtido pela exploração da escravidão contemporânea é de R$ 467 bilhões. Considerando a possibilidade de se auferir lucro tão grande e do histórico brasileiro, último país da América a abolir a escravidão, não surpreende que a quantidade de vítimas da escravidão contemporânea no país seja tão grande.

Somente entre os anos de 1995 a 2015, o número de escravos libertados no Brasil foi de 49.816 pessoas, conforme dados coletados pela Repórter Brasil4, sendo a maior parte deles submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas. No mesmo sentido, encontram-se dados acerca do tráfico humano, já que a Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas identificou que o Brasil está entre os dez países com maior número de vítimas desse crime.

2.2. Do corte orçamentário e desafios enfrentados pela fiscalização

2.2.1. Os Grupos Especiais de Fiscalização Móvel (GEFM)

Em 1995, o Brasil reconheceu, perante as Nações Unidas, a existência de trabalho escravo contemporâneo em seu território. Desde então, o país vem empregando esforços para o combate à prática, sendo importante destacar a criação dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel (GEFM) no mesmo ano.

A composição dos grupos inclui auditores fiscais do trabalho...

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