Dignidade da pessoa humana e tributação

AutorANNA LUCIA MALERBI DE CASTRO
Páginas197-241
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10. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E TRIBUTAÇÃO
A dignidade da pessoa humana, como já abordado, ocupa
espaço relevante no cenário jurídico brasileiro, ocupando po-
sição de princípio e valor fundamental e estruturante. Deixa
para o passado a manifestação como conceito de direito na-
tural, cuja essência deitava raízes, oscilando, entre as razões
divina e humana.
Há presentemente uma busca, dentro da era contempo-
rânea constitucional, de elementos que visem a concretizar
os direitos fundamentais. A garantia do mínimo existencial é
vertente direta e concreta da realidade humana, direito in-
trínseco de toda pessoa, a viabilizar a efetividade do princípio
constitucional da dignidade humana. O valor principiológico
da dignidade da pessoa humana vai se inserir como norma de
direito positivo, na compreensão e aplicação dos mandamen-
tos constitucionais.
Nossa Carta Política garante a todo homem o direito a
condições mínimas de existência digna, como se observa do
preâmbulo e, mais, do disposto no art. 3º, I a IV, ao serem
normatizados os objetivos fundamentais da República Fede-
rativa do Brasil, quais sejam: construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; garantia de desenvolvimento nacional;
erradicação da pobreza e da marginalização; redução das
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ANNA LUCIA MALERBI DE CASTRO
desigualdades sociais e regionais, além de promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Outros princípios e enunciados normativos que viabili-
zam a concretude de tais mandamentos estão presentes por
todo texto constitucional, mas serão destacados aqueles ati-
nentes ao sistema constitucional tributário.
Lembremos que o constituinte de 1988 deu importância
central aos direitos humanos e fundamentais, elevando-os à
estatura dos princípios da soberania, cidadania, pluralismo e
reconhecimento do trabalho pela livre-iniciativa. A questão
da prescritividade do Preâmbulo da Constituição é tema que
envolve discussão da doutrina e da jurisprudência.
Partilhamos da assertiva de que os enunciados postos
no Preâmbulo têm caráter prescritivo, inserindo-se no direi-
to posto com força normativa, como exposição de motivos,
proposições introdutórias a orientar o intérprete quanto ao
percurso da mensagem constitucional. Em nada diferem das
demais normas constitucionais postas em artigos, parágrafos
e incisos.
O Preâmbulo tem absoluta relevância na ordem jurídica
e seus efeitos atingem todas as unidades normativas do direi-
to infraconstitucional.
A carga axiológica de seus enunciados não lhe retira a
prescritividade, pois são valores supremos a serem persegui-
dos pela órbita do direito, seus aplicadores, intérpretes e ci-
dadãos. Esses últimos devem se valer das formulações nor-
mativas preambulares para garantir a efetividade dos valores
nelas previstos.
Vejamos, nesse sentido, voto da Ministra Cármen Lúcia,
no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, tra-
zendo ainda posicionamentos doutrinários que envolvem a
discussão da força normativa do Preâmbulo:
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O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E A NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA
[...] 10. Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a
Constituição e que devem servir de orientação para a correta in-
terpretação e aplicação das normas constitucionais e apreciação
da subsunção, ou não, da Lei n. 8.899/94 a elas.
11. Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbu-
lo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores
que dominam a obra constitucional de 1988. Ali se esclarece que
os trabalhos constituintes se desenvolveram “para instituir um
Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o de-
senvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. [...]
12. É certo que parte da doutrina não considera o Preâmbu-
lo como dotado de força normativa. Observava Kelsen que o
Preâmbulo “expressa as ideias políticas, morais e religiosas que
a Constituição tende a promover. Geralmente, o Preâmbulo não es-
tipula normas definidas em relação com a conduta humana e, por
conseguinte, carece de conteúdo juridicamente importante. Tem
um caráter antes ideológico que jurídico” (KELSEN, Hans. Teoria
General Del Derecho y Del Estado, 2ª Ed., p. 309). Diversamente
Karl Schmitt defendia ser no Preâmbulo da Constituição que se
estampariam as decisões políticas que as caracterizariam, pelo
que não cuidaria ele apenas de dar notícia história do texto ou
de ser mera enunciação de decisões. Seria o Preâmbulo parte
integrante da ordem jurídica constitucional, dando verdadeiro
significado das normas que compõem.
No Brasil, cuidando com especificidade o tema, leciona José
Afonso da Silva que o Preâmbulo, “as mais das vezes [...] fazem
referência explícita ou implícita a uma situação passada indese-
jável, e postulam a construção de uma ordem constitucional com
outra direção, ou uma situação de luta na perseguição de propó-
sitos de justiça e liberdade; outras vezes, seguem um princípio bá-
sico, político, social e filosófico, do regime instaurado pela Cons-
tituição [...] em qualquer dessas hipóteses, os Preâmbulos valem
como orientação para a interpretação e aplicação das normas
constitucionais. Têm, pois, eficácia interpretativa e integrativa”
(Comentário contextual à Constituição. Malheiros, 2006, p. 22).
E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição
brasileira de 1988, escolia José Afonso da Silva que ‘O Estado
Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de
determinados valores supremos. “‘Assegurar’ tem, no contexto,
função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de ga-
rantia de valores abstratamente considerados, mas de seu ‘exercí-
cio’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o

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