Dignidade e solidariedade como saídas do labirinto de consumo

AutorGean Carlos Balduíno Júnior
Páginas95-125
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Capítulo 3
DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE COMO SAÍDAS DO
LABIRINTO DE CONSUMO
Não é de hoje que se tem a compreensão geral de que a pessoa
humana busca, em última instância, ser feliz: isso, talvez, representaria o
exemplo claro de uma vida digna, a partir daquilo que, de forma
fundamental, vem previsto na Constituição da República. Afirmar isso,
no entanto, pode soar deveras romântico, haja vista que o liame existente
entre o que se entende por felicidade e infelicidade é muito tênue. Afinal
de contas:
[...] Os dois conceitos assinalam a distância entre a
realidade tal como ela é e uma realidade desejada.
Por essa razão, quaisquer tentativas de comparar
graus de felicidade experimentados por pessoas que
adotam modos de vida distintos em relação ao ponto
de vista espacial ou temporal só podem ser mal -
interpretadas e, em última análise, inúteis.208
A sociedade de consumidores, em contraponto à de produtores,
deposita seu ideal de felicidade na satisfação dos desejos (ou mesmo
apenas no ato de escolher o que desejar a partir de um catálogo infinito de
opções), revisitando o antigo poema de Horácio, utilizado como epígrafe
deste estudo, que ordena que seja necessário aproveitar o dia e não
confiar no amanhã, pois ele é incerto209: a felicidade seria, pois,
instantânea. Já é possível perceber, à luz de tudo que se expôs até aqui,
que a globalização, apesar de ter encurtado distâncias, criou uma série de
outros problemas que precisam do devido tratamento à luz daquilo que se
identifica como direitos fundamentais, evitando que haja um
208 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 59.
209 HORACE. Odes and epodes. New York: Harper & Brothers, 1870. p. 79.
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“desmantelamento forçado das rotinas de vida e das redes de vínculos
humanos e compromissos mútuos” 210.
Tendo em mira esse panorama, a elaboração da Constituição de
1988 se deu num contexto de crise: após os longos anos de Regime
Militar, a esmagadora maioria dos setores sociais ansiava por mudanças.
Em razão disso, se torna compreensível que, pela necessidade de se
conformar em seu bojo pontos de vista, direitos e prerrogativas por vezes
antagônicos, o resultado tenha sido um texto extenso, plural, detalhado e
até mesmo de difícil implementação prática.
A propósito:
[...] Como é sabido, a heterogeneidade dos grupos e
facções em con fronto aberto no âmago desse Estado
internamente estilhaçado, em termos estruturais,
envolveu quase por completo os trabalhos da
Assembleia [Constituinte de 1987 -1988]. Cada um
desses grupos e facções utilizo u todo seu poder de
pressão e veto par a “constitucionalizar” suas
vantagens, suas prerrogativas, seus interesses, seus
canais de apropriação dos gastos públicos; e quanto
mais sucesso todos eles alcançaram na concretização
desse objetiv o, menos liberdade e autoridade teve a
Assembleia Constituinte para promover o
reordenamento organizacional do Estado, a
recomposição de sua base fiscal e a subsequente
revisão das funções do setor público o que agravou
o conflito distributivo e a integração fiscal nacional.
[...]211
Nesse sentido, a onda neoliberal que rondava o mundo
influenciou, em muitos aspectos, os trabalhos da Assembleia
Constituinte, e não apenas do ponto de vista econômico. Pretendia-se,
claro, a redução da atividade reguladora do Estado, a diminuição de
protecionismos e gastos públicos, assim como a franca abertura ao capital
internacional212. Isso significa que a pretensão explicitada pela sua
210 BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 53.
211 FARIA, José Eduardo. Direito e economia na d emocratização brasileira. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 60.
212 FÜRST, Hend erson; ROSADO, Layli Oliveira. O neoliberalismo na constituinte de
1987. In: TOFFOLI, José Antonio Dias (org.). 30 anos da constituição brasileira :
democracia, direitos fundamentais e instituições. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 53.

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