Os Dilemas da Representação Política: O Estado Constitucional entre a Democracia e o Presidencialismo de Coalizão

AutorLenio Luiz Streck
CargoProcurador de Justiça-RS; Doutor em Direito (UFSC); Pós-Doutor em Direito (FDUL). Membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional
Páginas83-101
Os Dilemas da Representação Política:
O Estado Constitucional entre a Democracia
e o Presidencialismo de Coalizão
Lenio Luiz Streck*
1. Introdução
A República brasileira, desde seu nascedouro, fez a aposta no presiden-
cialismo. Interessante notar que o passar dos anos – talvez com toda a
tradição das mazelas da República Velha – esse presidencialismo foi se
transformando naquilo que vem se denominando de “presidencialismo de
coalização”.
Paralelamente, os desvios institucionais praticados pelo Poder Judici-
ário – entendidos aqui como a prática de ativismo judicial – têm relação
direta com o tipo de presidencialismo existente no Brasil. As constantes
dif‌iculdades encontradas pelo governo, para constituir uma maioria parla-
mentar no Congresso Nacional, reforçam a instabilidade política no país e
fazem com que o mau funcionamento dos Poderes Executivo e Legislativo
acabe desaguando no Judiciário. As mesmas coalizões, que atuam no âmbi-
to do governo, também procuram concretizar suas reivindicações por meio
do Judiciário, não se preocupando muito com o fundamento jurídico das
decisões. Não importa que o argumento seja de política, o fundamental é
sempre ter uma decisão favorável.
* Procurador de Justiça-RS; Doutor em Direito (UFSC); Pós-Doutor em Direito (FDUL). Membro catedrático
da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Professor Titular da Unisinos e Unesa. Professor Visitante
da Universidade Javeriana de Bogotá, Coimbra e Lisboa (PT). E-mail: lenio@unisinos.br
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Com isso, o problema da legitimidade da atuação do Poder Judiciário
sempre f‌ica para outro momento. Nesse sentido, a formação de uma
juristocracia não pode ser analisada como uma consequência exclusiva da
vontade de poder manifestada pelos juízes, mas, ao mesmo tempo, deve-se
levar em consideração a intrincada relação interinstitucional entre os três
Poderes. Em síntese, todas essas questões apontam para um acentuado
protagonismo do Poder Judiciário no contexto político atual.
Nos termos propostos Ran Hirschl1, esses exemplos são demonstrati-
vos de que nosso grau de judicialização atingiu a mega política (ou, a polí-
tica pura, como o autor gosta de mencionar). Por certo que este fenômeno
não é uma exclusividade brasileira. Há certa expansão do Poder Judiciário
a acontecer, em maior ou menor grau, em um cenário mundial. O pró-
prio Hirschl apresenta situações nas quais as decisões, tradicionalmente
tomadas pelos meios políticos, acabaram judicializadas, como no caso da
eleição norte-americana envolvendo George W. Bush e Al Gore; a decisão
do Tribunal Constitucional Alemão sobre o papel da Alemanha na Comu-
nidade Europeia, e o caráter federativo do Canadá.
Na verdade, a intensidade da judicialização da política (ou de outras
dimensões das relações sociais) é a contradição secundária do problema. A
grande questão não é o “quanto de judicialização”, mas “como as questões
judicializadas” devem ser decididas. Este é o tipo de controle que deve ser
exercido. A Constituição é o alfa e o ômega da ordem jurídica. Ela oferece
os marcos que devem pautar as decisões da comunidade política. Uma
ofensa à Constituição por parte do Poder Judiciário sempre é mais grave
do que qualquer outra desferida por qualquer dos outros Poderes, porque
é ao Judiciário que cabe sua guarda.
Desse modo, se o Poder Judiciário passa a ocupar um papel institu-
cional de maior destaque frente aos demais Poderes, consequentemente a
necessidade de limites à decisão judicial passa a tomar um maior espaço
nas discussões públicas. Certamente esse tema é uma questão muito cara
ao regime democrático, pois a ausência de controle do poder pode levar ao
autoritarismo. Por esse motivo, ref‌letir sobre a necessidade de uma teoria
da decisão é, antes de tudo, uma preocupação com o próprio Estado De-
mocrático de Direito.
1 Cf. HIRSCHL, 2007.
Lenio Luiz Streck
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