Dilemas dos movimentos emancipatórios contemporâneos: dos fatos e das versões (teorias)
Autor | Carlos Walter Porto-Gonçalves |
Cargo | Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972), mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985) e doutorado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense e Coordenador do LEMTO - Laboratório de Estudos... |
Páginas | 38-66 |
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 225-253, 2016
DILEMAS DOS MOVIMENTOS EMANCIPATÓRIOS
CONTEMPORÂNEOS: DOS FATOS E DAS VERSÕES (TEORIAS)
Emancipative movements Contemporary dilemmas: the facts and the versions (theories)
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Resumo
O artigo reflete acerca dos desafios que os movimentos emancipatórios contemporâneos se defrontam,
sobretudo diante da crise do padrão de poder/saber do sistema mundo capitalista moderno colonial
patriarcal que nos habita desde 1492. Parte-se do pressuposto que se trata de uma crise multidimensional
de larga duração e que põe em xeque as tradições de pensamento herdadas. Buscam-se outros horizontes
de sentido a partir de uma avaliação crítica do repertório epistêmico-político dos movimentos
emancipatórios com base nas experiências de lutas sociais em curso, sobretudo na América Latina/Abya
Yala.
Palavras-chave: Movimentos emancipatórios. Lutas territoriais. Plurinacionalidade.
“Historicamente, os erros cometidos por um
movimento verdadeiramente revolucionário são
infinitamente mais frutíferos que a infalibilidade do
Comitê central mais brilhante.”
Rosa Luxemburgo
Nossa luta é política e epistêmica.
Luis Macas/Catherine Walsh
(Agrônomo quéchua/Investigadora estadunidense-equatoriana)
01- Um mapa-múndi dos anos 1960 nos revelaria o lugar de destaque que os movimentos
antissistêmicos foram capazes de alcançar: grande parte da Europa Ocidental estava sob
regimes socialdemocratas e mesmo os EEUU gozavam do welfare state, resultado de
importantes lutas sociais; no Leste europeu, as repúblicas populares sob a égide dos Partidos
Comunistas dominavam, assim como na China, no Extremo Oriente, e em Cuba, no Caribe; na
Trabalho apresentado no IV Encontro da Cátedra América Latina e Colonialidade do Poder: Para a lém da
crise? Horizontes desde uma perspectiva decolonial realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 2013.
Possui graduação em Geografia pela Universidad e Federal do Rio de Janeiro (1972), mestrado em Geografia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985) e doutorado em Geografia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1998). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense e Coordenador do
LEMTO - Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: Geo grafia dos
Conflitos Sociais, Geografia e Movimentos Sociais, Justiça Territorial e Ecologia Política. E -mail:
cwpg@uol.com.br
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África, em grande parte da Ásia e na América Latina o nacionalismo revolucionário ocupava
um lugar de destaque.
02- Tomamos esses movimentos – a socialdemocracia, o comunismo e o nacionalismo
revolucionário – como antissistêmicos com base em Pablo Gonzalez Casanova e Imannuel
Wallerstein. Conforme afirma I. Wallerstein “a estratégia dos dois passos” (WALLERSTEIN,
2008), qual seja, primeiro tomar o poder do Estado para, depois, e a partir desse lugar (que
seria) privilegiado, transformar a sociedade. Essa estratégia atingira, naqueles anos sessenta,
seu clímax, justamente com a ascensão da socialdemocracia, do comunismo e do nacionalismo
revolucionário. Desde então, entramos numa etapa histórica que Aníbal Quijano chama de
“crise do padrão de poder do sistema mundo capitalista moderno-colonial” e Giovanni Arrighi
chamou de “caos sistêmico” definindo-o como:
03- Uma situação de falta total, aparentemente irremediável, de
organização. Trata-se de uma situação que surge por haver uma
escalada do conflito para além do limite dentro do qual ele desperta
poderosas tendências contrárias ou porque um novo conjunto de regras
e normas de comportamento é imposto ou brota de um conjunto mais
antigo de regras e normas sem anulá-lo, ou por uma combinação destas
duas circunstâncias. À medida que aumenta o caos sistêmico, a
demanda de “ordem” – a velha ordem, uma nova ordem, qualquer tipo
de ordem – tende a se generalizar entre os governantes, os governados,
ou ambos. Portanto, qualquer Estado ou grupo de Estados que esteja em
condições de atender essa demanda sistêmica de ordem tem a
oportunidade de se tornar mundialmente hegemônico (ARRIGHI,
1994, p. 30).
04- Desde os anos sessenta, pelo menos três das mais importantes dimensões do “padrão
de poder capitalista moderno-colonial eeuurocentrado”
1 indicam essa crise (“caos sistêmico”),
a saber: a dimensão racial com a ascensão dos movimentos negro e indígena; a dimensão de
gênero com ascensão do movimento feminista e a racionalidade instrumental, que subordina a
natureza com todo o aparato do sistema técnico-científico implicado na desordem ecológica
global. Em suma, desde os anos sessenta, dominar os negros e os indígenas, dominar as
1 Na perspectiva de Aníbal Quijano, o poder é entendido como uma malha, uma rede de relações de dominação,
exploração e conflito articuladas em torno da disputa e controle sobre cinco dimensões básicas da existência
social: o trabalho, a natureza, o sexo, a subjetividade e a autoridade. São, em sua inscrição concreta e histórica,
experimentada e vivenciada nos diversos, heterogêneos, dispersos e descontínuos âmbitos da existência social
que as relações d e poder se realizam e dese nham a permanência e durabilidade d e uma determinada formação
social. Agradeço a Pedro Quental essa nota de esclarecimento.
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