A dinâmica da herança

AutorLuiz Fernando de Queiroz
Páginas239-251

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96. Credor fica com a herança

- A legislação permite que credores aceitem a sucessão em nome do herdeiro para efeito de terem suas dívidas solvidas.

Renúncia da herança é o negócio jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança. Estranho? Nem sempre. A renúncia é sempre pura e simples, sem condição nem termo. Também é inadmissível a renúncia parcial. Seu aperfeiçoamento exige escritura pública ou termo nos autos do inventário.

Há questão relevante quanto à liberdade de renunciar, pois tendo em vista que o Código Civil classifica o direito à sucessão aberta como bem imóvel e considerando que o marido não pode, sem o consentimento da mulher, alienar bens imóveis, e vice-versa (a não ser que o regime de bens seja o da separação obrigatória), a renúncia da herança, efetuada por pessoa capaz, depende de consentimento do consorte.

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Já o art. 1.813 do Código Civil dispõe que, se a renúncia do herdeiro prejudicar seus credores, poderão estes, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Neste caso, pagas as dívidas, o remanescente é devolvido aos outros herdeiros.

Interesse dos credores

Sílvio Rodrigues, jurista e doutrinador renomado, faz um estudo aprofundado sobre as duas concepções decorrentes de renúncia: a) Se o domínio da herança passou ao herdeiro no momento exato da morte do “de cujus”, a renúncia da herança pode representar um ato efetuado em fraude aos seus credores, pois é possível que, ao afastar de seu patrimônio a sucessão que lhe foi devolvida, o herdeiro devedor fique sem recursos para saldar suas dívidas. b) Se o herdeiro renunciante é considerado como se jamais houvesse sido herdeiro, visto que a renúncia retroage ao momento da abertura da sucessão, a renúncia não poderia ser suspensa pelos credores, pois ultimada aquela, entende-se que o patrimônio do finado não chegou a se incorporar ao patrimônio do renunciante.

A legislação adotou a solução que atende aos interesses dos credores, permitindo que estes aceitem a sucessão em nome do herdeiro para efeito de terem suas dívidas solvidas. Daí decorrem duas considerações: os credores pedem ao juiz que suspenda temporariamente os efeitos do ato renunciativo, a fim de se cobrarem; e não há necessidade de comprovação de má-fé por parte do herdeiro renunciante. Àqueles só cabe provar sua condição de credores e que ao renunciante não sobravam recursos para pagar os credores.

Cessão gratuita

Ponto relevante quanto à tributação é quando o herdeiro faz cessão gratuita a todos os co-herdeiros, a qual deve ser cessão pura e simples e feita indistintamente a todos, ou

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melhor, em benefício do monte. Nesse caso o único imposto devido é o “causa mortis”. Se for feita cessão a determinada pessoa, indicada nominalmente, o herdeiro realiza dupla ação: está aceitando a herança e doando-a, em seguida, à pessoa designada. Sujeita-se, portanto, ao pagamento de obrigações fiscais decorrentes da aceitação da herança e da doação.

A renúncia é irrevogável, pois trata-se de ato jurídico unilateral. Se fosse possível acolher a revogação da renúncia, estar-se-ia admitindo a perda da propriedade adquirida pelos herdeiros.

A aceitação da herança também é irrevogável (art. 1.812).

97. Comoriência afeta herança

- Se os socorristas não registrarem fielmente a hora exata do falecimento de cada ocupante de veículo acidentado, poderão ensejar grandes demandas no foro envolvendo o futuro patrimonial de presumíveis herdeiros.

Acidentes de veículos com a morte de dois ou mais membros de uma mesma família podem produzir diferentes reflexos no direito sucessório, dependendo do exato momento em que cada pessoa faleceu. Se houver comoriência, isto é, “a morte de duas ou mais pessoas na mesma ocasião e por força do mesmo evento, sendo elas reciprocamente herdeiras umas das outras” (Washington de Barros Monteiro), não haverá transferência de direitos entre os acidentados, sendo chamados à sucessão os seus herdeiros (Cód. Civil, art. 8º).

Entretanto, se houver premoriência, ou seja, a morte de um antes do falecimento de outro, mesmo que por pouco tempo, coisa de minutos, haverá sucessão hereditária na forma da lei, com todas as suas consequências. Como pondera o doutrinador Orlando Gomes, no Brasil aplica-se o

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critério da presunção de morte simultânea e não, como em outros países, o da presunção de sobrevivência, baseada na idade e no sexo dos comorientes.

Cinco minutos

Interessante questão sobre comoriência foi julgada em agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AI 144.514-4/1), no qual a 3ª Câmara de Direito Privado, por votação majoritária, ditou a seguinte ementa:

“Comoriência – Falecendo os pais e o filho em um mesmo desastre, e havendo o atestado de óbito do filho declarado que este falecera cinco minutos após seus pais, a herança daqueles cabe a este – Prevalência do documento médico que atestou o momento do óbito do filho como posterior ao dos pais – Comoriência, tão-só, quanto a estes – Desconstituição do atestado de óbito por ação própria, se for o caso
– Recurso provido.”

Como observa o relator...

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